20 de setembro de 2024

Fraudes bilionárias de fintechs: quais são os bancos investigados por suspeita de envolvimento no crime

Esquema de lavagem de dinheiro atendeu o crime organizado e permitiu que empresas devedoras ocultasse dinheiro, diz PF. Bancos negam irregularidades e dizem que colaboram com as investigações. Entenda relatório da Justiça sobre esquema de fraudes bilionárias que prendeu 14
A Polícia Federal (PF) investiga se os bancos Rendimento e Bomsucesso (hoje BS2) foram coniventes com o esquema bilionário de fraudes a partir de fintechs, revelado na Operação Concierce, que prendeu 14 pessoas e cumpriu 60 mandados de busca e apreensão nesta quarta-feira (29).
Segundo a Polícia Federal, as fintechs são suspeitas de liderar um esquema criminoso de blindagem patrimonial e lavagem de dinheiros de vários clientes, entre eles facções criminosas e empresas devedoras à Receita.
“Essa utilização de instituições financeiras oficiais para a oferta de serviços não autorizados pelo Banco Central permitiu a blindagem patrimonial e lavagem de ativos de cifras bilionárias, bem como a sonegação tributária, já que as pessoas jurídicas e transações reais ficavam ocultas do sistema financeiro oficial”, diz o Ministério Público Federal, em parecer.
A investigação aponta que as fintechs fizeram transações suspeitas sem que os bancos notificassem os órgãos de controle. Além disso, diz que, ao não controlar as transações de pessoas físicas, os bancos descumpriram regras do setor bancário e, com isso, facilitaram o cometimento de crimes.
“As instituições financeiras oficiais (Banco Rendimento e Banco Bonsucesso) burlaram os regulamentos do Banco Central e autorizaram a utilização de suas contas bancárias como “contas bolsões” por parte dessas instituições financeiras clandestinas, as quais, repita-se, movimentaram vultosa quantia de recursos criminosos, sem nenhum tipo de controle pelos órgãos competentes e até mesmo dificultando a análise por parte dos órgãos responsáveis pela persecução penal”, apontou o MPF.
Banco Rendimento
O Banco Rendimento, com sede na Avenida Rebouças em São Paulo (SP), é suspeito de ter ajudado o T10 Bank, fintech que teve os sócios presos na operação, na ocultação de dinheiro e lavagem de ativos.
“Após as quebras de sigilo, restou descortinado, segundo análise da autoridade policial, corroborada pelo MPF, que haveria um mecanismo ilegal criado entre o Banco Rendimento e a pessoa jurídica T10 BANK, a fim de supostamente lavar dinheiro de terceiros”
Segundo a PF, no início da investigação foram requisitas, por determinação judicial, informações ao banco sobre as movimentações da T10, mas os dados foram enviados com atraso. Por isso, a Justiça autorizou, e a PF cumpriu nesta quarta, a apreensão de documentos e equipamentos eletrônicos na sede da instituição financeira.
“Não há qualquer confiabilidade nos dados fornecidos”, diz a juíza ao justificar a expedição do mandado de busca e apreensão.
E como o banco teria ajudado a fintech nas fraudes? Segundo a investigação, a T10 usava uma conta de pessoa jurídica no Banco Rendimento, a chamada “conta bolsão”, para movimentar o dinheiro de seus clientes. Com isso, o sistema financeiro não conseguia monitorar quais eram as pessoas físicas que de fato estavam fazendo as transferências, dando a elas uma espécie de invisibilidade.
“Da análise dos extratos encaminhados pelo Banco Rendimento, alimentados pela T10, apurou-se que valores provenientes de sonegação fiscal e do crime organizado ingressaram na conta bolsão da T10, justamente pela pessoa jurídica oferecer seus serviços ilícitos, moldados para todo e qualquer tipo de criminalidade”, aponta a perícia da PF.
Em nota ao g1, o Banco Rendimento afirmou que segue todas as regulamentações do Banco Central e órgãos competentes, “também aplicadas desde o início da relação com a T10 Bank, onde todas as avaliações recomendadas foram executadas”.
“No momento da operação realizada ontem, o Banco Rendimento já não prestava mais os serviços mencionados para a T10 Bank. O Banco Rendimento está colaborando com as investigações”, diz a nota.
Agentes da PF cumprem mandados judiciais na Operação Concierge
Polícia Federal
Banco Bonsucesso (BS2)
O Banco Bonsucesso, hoje BS2, é suspeito de operar, segundo a Polícia Federal, o esquema de lavagem de dinheiro e blindagem de patrimônio da outra fintech investigada na operação, a Inovepay. A sede dele, em Belo Horizonte (MG), também foi alvo de busca e apreensão pela PF nesta quarta.
“Constatou-se a existência de um sistema fraudulento criado para suposta lavagem de capitais, o qual, segundo a autoridade policial destacou, teria ‘total conivência do Banco Bonsucesso'”, diz a juíza.
De acordo com a investigação, a InovePay movimentou R$ 7 bilhões entre 2019 e 2023 na conta que possuía no Banco Bonsucesso, parte desse dinheiro em transações suspeitas. Na decisão que autorizou os mandados, a Justiça afirma, no entanto, que o BS2 não fez nenhuma comunicação ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), órgão brasileiro responsável por monitorar suspeitas de lavagem de dinheiro.
“Tanto a autoridade policial, quanto o MPF, destacaram que é ainda mais grave o fato de não se encontrar nenhuma comunicação do Banco Bonsucesso (BS2) ao COAF, especialmente considerando que o Banco Bonsucesso é responsável pela liquidação das transferências e pelo gerenciamento da conta bolsão operada pela InovePay”, aponta a Justiça.
O Banco Bonsucesso (BS2) afirmou ao g1 que já fez reportes sobre a Inovepay ao Coaf, “ao contrário do noticiado” e afirmou que nenhuma das 194 empresas ou pessoas físicas citadas na investigação possuía conta com eles.
“Cópias destes reportes e demais evidências foram entregues às autoridades no dia de ontem (28/08). Com isso, reforçamos que o BS2 atua em total conformidade com a regulamentação vigente”, disse o BS2.
A InovePay negou os fatos imputados pela PF e disse que “as medidas tomadas até o momento pelas autoridades foram unilaterais, sem que os argumentos da empresa fossem ouvidos”.
Entenda o esquema que usava contas em bancos tradicionais para enganar sistema financeiro
Facções como clientes
A organização criminosa investigada pela Polícia Federal (PF) na Operação Concierge, que apontou fraude bilionária com o uso de fintechs, é suspeita de lavar dinheiro do tráfico de drogas e esconder valores para a UPBus, empresa de ônibus suspeita de envolvimento com o PCC.
Na decisão que autorizou os 17 mandados de prisão cautelar e os 60 mandados de busca e apreensão, constam ao menos dois vínculos entre fintechs e a facção criminosa que atua em São Paulo (SP).
“Esse esquema de lavagem de capitais permitiu o financiamento e, portanto, a continuidade de inúmeros crimes antecedentes, já expostos, sendo um deles o de tráfico de entorpecentes, gerando prejuízos sociais imensos”, diz parecer do Ministério Público Federal.
A operação
Carros apreendidos chegam ao pátio da Polícia Federal em Campinas
Márcio Silveira/EPTV
A Operação Concierge foi flagrada na manhã desta quarta-feira. As 14 prisões foram feitas nas casas dos investigados em Campinas (SP), São Paulo (SP), Ilhabela (SP), Sorocaba (SP) e Americana (SP). As apreensões ocorreram em vários estabelecimentos, incluindo lojas de veículos. A Justiça ainda autorizou o bloqueio de R$ 850 milhões em contas associadas à organização criminosa.
Sob escolta, carros de luxo apreendidos foram levados ao longo do dia para o pátio da PF em Campinas e para um estacionamento alugado pela corporação. São utilitários esportivos e carros esportivos de marcas de luxo, como Porsche, Land Rover, BMW, Volvo e Mercedes-Benz.
Ainda de acordo com a PF, os agentes também apreenderam jóias, relógios e centenas de máquinas de cartão de crédito, além de documentos, celulares e computadores. Os itens devem passar por perícia e depois ficarão depositados em uma conta judicial.
Sócios das empresas entre os presos
O g1 apurou que as empresas investigadas na operação são a Inovebanco e a T10 Bank. Os sócios das duas companhias, Patrick Burnett e José Rodrigues, respectivamente, foram presos nesta quarta.
Patrick Burnett, CEO do Inovebanco, e José Rodrigues, fundador do T10 Bank
Reprodução
A EPTV, afiliada da TV Globo, e o g1 tentaram contato com a T10 Bank para tentar um posicionamento da defesa, mas não tiveram retorno. A Inove Global Group afirmou que os advogados da empresa tiveram acesso ao conteúdo da investigação nesta quinta.
“A empresa nega veementemente ter relação com os fatos mencionados pelas autoridades policiais e veiculados pela imprensa, o que ficará demonstrado ao longo do processo. E ressalta sua total disposição em colaborar com as investigações”, diz a Inove, em nota.
Como funcionava o esquema?
As fintechs investigadas possuem uma conta corrente como pessoa jurídica em um banco comercial tradicional. Essa conta é chamada de “bolsão” e serve para fazer transações com o dinheiro de seus clientes de forma “invisível”, pois é praticamente impossível rastreá-las. Veja o exemplo abaixo:
A pessoa física “A” tem contas bloqueadas e quer se manter ativa no mercado financeiro, fazendo transações, recebendo e enviando valores. Ela, então, abre uma conta com a fintech e a controla por meio de um aplicativo;
Essa pessoa “A” faz uma transferência para a pessoa “B” por meio desse aplicativo;
A fintech, por sua vez, tem uma conta corrente como pessoa jurídica em um banco comercial tradicional;
Quando transfere um valor para a pessoa “B” por meio da fintech, na verdade, a pessoa “A” está transferido para a conta jurídica que a fintech tem no banco comercial.
Como a pessoa “A” não tem vínculo com o banco comercial, seu nome não aparecerá no extrato, mas, sim, a fintech titular da conta. A transferência para a pessoa “B”, por sua vez, aparece no extrato tendo como origem a pessoa jurídica da fintech e não a pessoa “A”. Nesse esquema, a pessoa “A” fica invisível e pode manter seu patrimônio livre de restrições.
A investigação aponta que o volume de dinheiro movimentado a crédito pelas duas fintechs, entre 2020 e 2023, foi de R$ 3,5 bilhões, segundo a Polícia Federal.
‘Concierge’
Os investigados vão responder por gestão fraudulenta de instituições financeiras, operação de instituição financeira não autorizada, evasão de divisas, lavagem de dinheiro, crimes contra a ordem tributária e organização criminosa.
O nome da operação, “Concierge”, é uma palavra francesa que denomina o profissional que atende necessidades específicas de clientes e faz alusão à oferta de serviços clandestinos para ocultação de capitais.
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