26 de setembro de 2024

Gestores são indiciados por crimes sexuais contra alunas e funcionárias de escola no interior do Acre

Polícia Civil concluiu inquérito nesta terça-feira (24), que acusa diretor e coordenador pedagógico de uma escola em Acrelândia de diversos crimes. Ministério Público deve analisar a responsabilidade penal, civil e administrativa dos casos. Delegacia de Polícia Civil de Acrelândia, no interior do Acre
Reprodução
O diretor e coordenador pedagógico de uma escola no município de Acrelândia, no interior do Acre, foram indiciados nesta terça-feira (24) por importunação sexual, estupro mediante fraude [que é quando a pessoa acaba cedendo ao abuso para não ser prejudicada], estupro e coação contra oito alunas e funcionárias da instituição de ensino. A Polícia Civil concluiu o inquérito após um ano de investigação e descobriu pelo menos oito vítimas dos homens.
O g1 entrou em contato com os acusados, mas não obteve retorno até a última atualização desta reportagem.
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De acordo com o delegado Dione dos Anjos Lucas, responsável pelas investigações, uma aluna de 15 anos fez a denúncia no ano passado, que consequentemente deu o pontapé à investigação. A jovem chegou à delegacia relatando que dois professores teriam proposto uma relação sexual “a três” com a aluna [os dois homens com a menor].
“A partir daí nós começamos a investigar sutilmente para poder preservar a imagem de todos, mas depois de seis meses nós conseguimos constatar que haviam várias vítimas. E depois de mais seis meses, com as medidas judiciais e tal, já são várias vítimas identificadas, inclusive vítimas servidoras públicas também que eram obrigadas a manter relações sexuais, para não perder o emprego, para não serem transferidos”, disse.
A autoridade policial colheu o depoimento dos acusados, que negaram as acusações. Porém, as provas obtidas pela polícia fizeram com que o delegado pedisse o afastamento deles das atividades escolares. Os dois estão afastados através de uma decisão judicial há cerca de 120 dias.
“Nós não pedimos prisões e quando se tem réu preso, limita-se muito o tempo da investigação. Às vezes o investigado precisa ficar solto. Agora vamos enviar o inquérito para a Justiça para que eles possam ser responsabilizados. O Ministério Público (MP-AC) está ao lado da polícia, foi com o apoio do promotor de Acrelândia que nós conseguimos chegar ao fim dessa investigação. Acredito que agora a parte do Ministério Público vai analisar a questão de responsabilidade penal, civil e administrativa”, disse ele.
Investigações
As investigações constataram que um dos abusos aconteceu há 15 anos. Além de alunas, funcionárias terceirizadas e efetivas eram obrigadas a manter relações sexuais com os acusados. Funcionárias que não cederam às chantagens dos homens foram demitidas e outras transferidas.
O delegado frisa ainda que eles faziam sexo com as funcionárias dentro da escola sob ameaças de que seriam demitidas caso se negasse.
“Os alunos, eles chantageavam na questão da nota, também no benefício dos alunos, [já que] eles tinham que participar de jogos escolares. Além disso, eles também são sedutores. Todo predador sexual tem uma imagem muito bem vista na sociedade. Às vezes o aluno não tem uma família que acolhe muito bem e eles acolhem e depois predam uma vítima”, explica o delegado.
Suposto acobertamento
Além dos dois indiciados, o delegado acredita ainda que há outras pessoas envolvidas, além do diretor e do coordenador pedagógico. Porém, pela falta de provas, ainda não pôde abrir inquérito contra outros suspeitos. As investigações também seguem para descobrir quem colocou o homem para trabalhar na coordenação de ensino, já que a decisão judicial havia determinado o afastamento.
“O problema é que eles se protegem, mas eu ainda quero pegar os outros ainda. Não vou largar isso não. Eles não poderiam ir na escola, mas continuavam influenciando os outros, já que um deles, mesmo tendo uma decisão judicial para se afastar do caso, encontrava-se trabalhando e acobertado por servidores da coordenação de ensino”, comenta Lucas.
Depois do pedido do delegado, os homens foram afastados dos cargos. Porém, venceram as eleições para diretoria e iriam ser reempossados para assumirem de 2024 a 2027, na mesma escola.
Por se tratar de pessoas que advém de famílias influentes, o delegado explica que muitas vítimas relutam em denunciar. “Aqui tem aquela cultura de ‘sempre foi assim, nunca vai mudar, eles são poderosos’. Toda vítima que a gente ouve fala isso, e até mesmo por isso, mesmo estando afastados, eles foram reeleitos”, esclarece.
Coordenador-geral do Núcleo de Educação é afastado
A Secretaria de Estado de Educação e Cultura (SEE-AC) informou, por meio de nota (veja na íntegra abaixo), que durante as investigações o coordenador geral do Núcleo de Educação do município foi afastado. Ele teria sido distanciado do cargo após a constatação de que um dos servidores estaria trabalhando no Núcleo, mesmo com ordem judicial contrária.
O g1 entrou em contato com o coordenador que informou que não estava ciente do próprio afastamento, e que não chegou nada até ele sobre a decisão da SEE-AC.
Acerca da situação, ele falou que desconhecia o afastamento dos dois homens e que não teria recebido, na época, nenhuma documentação oficial. Ele afirma que procurou pessoalmente o delegado Dione dos Anjos, que confirmou o afastamento do servidor, porém não quis dar maiores detalhes ao coordenador.
“Ele [delegado] me falou que realmente havia acontecido esse afastamento, mas que não podia me dar nenhuma informação oficial porque estava correndo em segredo de justiça. Me orientou a procurar o fórum, então eu fiz um documento solicitando informações ao fórum e não obtive resposta”, explica.
O servidor teria se apresentado no Núcleo no dia 18 de setembro e começado a prestar serviço dias depois. No entanto, segundo o coordenador-geral, não teria dado tempo de realizar a lotação oficialmente no sistema e nesta quarta (25), não está mais prestando serviço no local.
“O servidor que me procurou estava com receio de ter problemas com seus proventos. Então, eu já me precavendo, não lotei ele em nenhuma unidade escolar, apenas aqui no núcleo. Na verdade, a lotação nem chegou a ser efetivada, porque ele iniciou semana passada, e aí não chegou nem a ser efetivada. Ele estava aqui, se inteirando, como é que funciona, e aí eu recebo essa informação da forma como eu recebi, como se eu estivesse acobertando e atrapalhando uma investigação”, esclarece.
O coordenador ainda complementa que o acolhimento do servidor investigado não foi feita de má-fé e que não estaria tentando atrapalhar a investigação ou acobertar o homem.
“Eu não tenho certeza de como está a situação, justamente porque a investigação corre em segredo de justiça. Não chegou para nós nenhuma determinação, nenhuma diligência proibindo-nos de lotá-lo em qualquer outro local. Ele é um servidor efetivo, é um agente público e nós administrativamente precisamos estar com os nossos servidores lotados. Como eu vou repetir, ele estava proibido de seguir com as funções na unidade a qual ele estava lotado, mas não tinha nenhuma proibição de colocá-lo em outro local. Então, nós não agimos de uma fé em momento algum sobre essa questão”, assegurou ele.
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Nota da SEE-AC
“O Governo do Acre, por meio da Secretaria de Estado de Educação e Cultura (SEE), informa que possui um processo administrativo relacionado aos envolvidos nas denúncias de assédio em andamento e que estará realizando a juntada das informações apuradas no inquérito policial, dando prosseguimento aos trâmites internos e respectivas providências.
Informa ainda que o coordenador geral da Representação da SEE em Acrelândia está afastado do cargo e nos próximos dias deverá ser nomeado substituto.
Por fim, a secretaria estará colaborando com as autoridades competentes com quaisquer necessidades adicionais e cumprindo as devidas recomendações, pois reafirma o compromisso com a ética e os valores morais, não compactuando com irregularidade e muito menos nenhum tipo de violência que venha a ser praticada por servidores.
Aberson Carvalho
Secretário de Estado de Educação e Cultura.”
Colaborou o repórter Jardel Angelim, da Rede Amazônica Acre.
VÍDEOS: g1

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