14 de outubro de 2024

‘Golpe do Césio’: Advogadas são presas em Goiás suspeitas de envolvimento em esquema de fraudes para obter isenções de Imposto de Renda

Ana Laura Pereira Marques e Gabriela Nunes Silva são acusadas de protocolar ações na Justiça com laudos forjados de contaminação por césio 137 em pessoas que trabalharam nas áreas afetadas pelo famoso acidente de 1987. Um PM da reserva também foi preso. Cinco advogados e estão sob investigação. Investigação apura se oficias da PM foram enganados ou se sabiam do golpe do césio-137
Duas advogadas foram presas em Goiás acusadas de participar de um esquema que forjava laudos médicos para obter isenção do Imposto de Renda.
Os documentos falsos apontavam que os clientes tinham doença grave por contaminação do césio 137, material vazado no maior acidente radiológico do país, que aconteceu em Goiânia, em 1987. O desastre causou a morte de quatro pessoas e afetou mais de 1.200.
Nos últimos dois anos, a Justiça recebeu pelo menos 80 ações com o pedido de isenção, todas em nome de policiais militares e bombeiros aposentados de Goiás e do Tocantins.
Os suspeitos ainda protocolaram pelo menos outros 20 processos fraudulentos alegando doenças como AIDs e cardiopatia. Em determinados casos de doenças graves, é concedido o direito à isenção do Imposto de Renda.
Uma das advogadas presas é Ana Laura Pereira Marques, acusada de entrar com a maioria das ações, que está em prisão domiciliar. A outra é Gabriella Nunes Silva, que responde em liberdade. Um PM reformado também foi preso, acusado de captar clientes para o esquema. Cinco advogados e oficiais beneficiados pelo esquema estão sendo investigados.
“Elas sempre cobravam 30% dos valores retroativos e, num segundo momento, o valor referente a três isenções”, conta o delegado do caso, Leonardo Dias Pires.
A defesa de Ana Laura disse que se manifestará somente em juízo, “oportunidade em que irá exercer seu direito constitucional de ampla defesa e ao contraditório”. Já Jonadabe Almeida, advogado de Gabriela, alegou que ela não tinha conhecimento dos documentos e que não participou do esquema.
Em 18 dos processos, uma mesma clínica em Goiás aparece como responsável por colher os exames falsos. A defesa argumenta que a assinatura da clínica nos documentos é falsa e que o logotipo atribuída a ela nos processos nunca foi da empresa.
O estado de Goiás exige a devolução do dinheiro de quem se beneficiou com a fraude, que pode ter gerado um rombo de R$ 20 milhões de reais aos cofres públicos.
Na investigação, consta um áudio, ao qual o Fantástico teve acesso, de um coronel que rejeitou entrar no esquema, depois de convidado por um policial.
“Meu amigo, não tenho condição de aceitar uma coisa dessa. Isso é uma vergonha, eu ganhar uma coisa sem ter merecido”, diz parte do áudio que o coronel Urionir Sarmento enviou em um grupo de aplicativo de mensagens.
Na época do acidente, Urionir trabalhava na cidade de Pires do Rio, a cerca de 150km de Goiânia e nunca teve contato com materiais contaminados. O oficial preferiu não gravar entrevista.
“Não aceito a postura de inocência, falar que não sabia. Não tem ninguém aí enganado, não. Ninguém enganou ninguém. Foi consciente (que outros oficiais entraram no esquema)”, disse o coronel em outro trecho do áudio.
Beneficiados alegam que não sabiam do esquema
Ex-policiais militares e ex-bombeiros que teriam sido beneficiados pelas ações, ouvidos pelo Fantástico, estão sendo investigados como suspeitos de participar da fraude, mas alegam que não sabiam do esquema.
Um deles é o capitão da reserva Carlos Alberto Fonseca, que teve uma ação em seu nome protocolada em março deste ano. O documento diz que Fonseca “atuou em várias frentes de trabalho do acidente de 1987” e que exames apontam dosagem de material radioativo acima dos valores de referência no cabelo dele.
Fonseca saiu da PM na década de 1990 e virou promotor de Justiça. Foram mais de 25 anos no Ministério Público e, hoje, é procurador-geral da cidade de Anápolis (GO).
Ele diz que não trabalhou em Goiânia na época do acidente. Que só dois anos depois esteve no policiamento do depósito de dejetos, em Abadia (GO). O material está isolado, enterrado em duas caixas de concreto, para evitar vazamentos.
O ex-promotor diz que passou por cirurgias para retirada de cistos, que não eram cancerígenos. Mas ele nunca se consultou com o médico que assina o relatório na ação judicial, nem esteve na clínica em que o especialista trabalha.
“Eu não diria (que fui) ingênuo, fui incauto ao não pesquisar a atuação dessa advogada (Ana Laura Pereira) mais a fundo. Ela não deu ciência para nós do resultado dos exames e não fomos no processo olhar. O que é falta de cautela nossa, mas não ingenuidade”, argumentou Fonseca.
Outro processo fraudulento é do tenente-coronel dos bombeiros Sebastião Otávio do Nascimento. Um suposto exame teria apontado a presença de césio acima do normal. Mas as amostrar de cabelo usadas no teste nunca saíram do escritório da advogada Ana Laura.
O perito Fábio Tadeu Panda argumenta, contudo, que testes em cabelo, como os realizados por Sebastião Otávio e Fonseca, não serviriam para provar a contaminação. “A menos que a pessoa tivesse parado de cortar o cabelo desde a época da contaminação, há cerca de 30 anos”.
O ex-comandante-geral da PM de Tocantins Marielton Francisco dos Santos. Ele diz que sofre de uma deficiência hormonal e que faz tratamento há 12 anos. “Pode ter ou não relação com o césio. Outra questão é hipertensão, não sei se tem relação também”, ele argumenta.
A Justiça concedeu isenção do Imposto de Renda para Marielton. Ele também alega que confiou nas advogadas. O ex-comandante diz que recebeu mais de R$ 13.500, mas que devolveu as duas parcelas que recebeu: “má-fé não houve, isso realmente não houve, foi excesso de confiança”.
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