29 de dezembro de 2024

Há 80 anos, processo de homem que sofreu ‘vexames de toda natureza’ inaugurou Justiça do Trabalho no interior de SP


Conheça história da Primeira Junta de Conciliação e Julgamento, hoje 1ª Vara do Trabalho, inaugurada em 1944 Diretor do fórum trabalhista fala sobre os 80 anos da Justiça do Trabalho em Campinas
Na Rua Costa Aguiar, no Centro, uma sala recebeu em 1944 a 1ª Junta de Conciliação e Julgamento (JCJ) de Campinas (SP), hoje 1ª Vara do Trabalho. A instalação de uma unidade da Justiça do Trabalho na cidade, à época com 135 mil habitantes, foi necessária em razão do desenvolvimento urbano, da industrialização e da construção de rodovias importantes, como a Anhanguera.
O primeiro processo recebido pela 1ª Vara do Trabalho de Campinas, no entanto, não tem relação com construção civil e nem com a indústria. Em uma época em que sequer existia a expressão “assédio moral”, um trabalhador processou o patrão, um comerciante, por estar submetendo ele a “vexames de toda a natureza”.
Na ação, de número 1/1944, o trabalhador afirmava que, ao voltar de uma licença, o empregador passou a impedir que ele desempenhasse seu trabalho, limitou sua liberdade de locomoção e depois o demitiu. Além disso, ele questionava o não pagamento de direitos trabalhistas, como férias e salários atrasados.
“Revivendo as cenas dantescas da inquisição, o reclamado (patrão) proíbe que os demais empregados falem com o reclamante (trabalhador), atirando-o, desta forma, a um isolamento aviltante e cruel”, apontou o advogado do trabalhador, Antonio Antonini, no processo.
Trecho do processo 1/1944, o primeiro da Justiça do Trabalho em Campinas
Centro de Memória/TRT-2
Na sentença, o primeiro juiz trabalhista de Campinas, Abraão Blay, considerou que não era possível reintegrar o trabalhador em razão da “animosidade” com o patrão, mas condenou o empregador a pagar todos os salários atrasados (20 meses), duas férias e 44 meses de salário como indenização pela demissão.
“É simbólico isso, que o primeiro processo aqui da Justiça do Trabalho em Campinas tenha sido de algo que nós hoje chamamos de assédio moral. Com certeza, na época, ninguém nem cogitava esse nome, mas é importante a gente ver que isso é algo que é recorrente dentro dessa relação de trabalho”, afirmou o juiz Carlos Eduardo Oliveira Dias, atual titular da 1ª Vara do Trabalho
Para Oliveira Dias, que ocupa hoje a cadeira de Abraão Blay, a decisão de trazer unidades da Justiça do Trabalho para o interior de São Paulo foi importante para permitir o acesso dos trabalhadores à Justiça e, com isso, assegurar direitos fundamentais.
“Esse percurso todo mostra que nós tivemos uma evolução. Apesar de várias questões ainda abertas que nós temos na nossa sociedade, não há dúvida nenhuma de que a evolução dos direitos trabalhistas, a evolução da Justiça como um todo contribuiu para que também nós evoluíssemos na proteção e no reconhecimento dos direitos fundamentais”, disse o magistrado.
Juíza em 1962
Neyde de Sá, primeira juíza da 1ª Junta de Conciliação e Julgamento, hoje 1ª Vara do Trabalho de Campinas
Acervo CMAC/ TRT-15
A ação que “inaugurou” a Justiça do Trabalho em Campinas faz parte de uma mostra que celebra os 80 anos em Campinas. A exposição foi montada no saguão de entrada do Fórum Trabalhista da cidade e fica aberta ao público até 16 de novembro.
A exposição também aborda a trajetória de Neyde de Sá, a primeira juíza da metrópole. A magistrada assumiu a 1º Vara em 1962 e, segundo o Centro de Memória do TRT-2, teve atuação destacada na garantia de direitos dos trabalhadores rurais e dos menores de idade.
“Estou há quase 40 anos na Justiça do Trabalho e eu não tenho dúvida de que ela exerce esse papel civilizatório fundamental e espero com certeza que ela possa durar mais algumas décadas e, quem sabe, mais de 100 anos para que nós possamos ter essa convivência interessante para a nossa sociedade”, declarou o juiz Oliveira Dias ao g1.
Concebida pelo Centro de Memória, Arquivo e Cultura (Cmac) do TRT-15, a mostra contou com a colaboração de diversas instituições, incluindo o Centro de Memória da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o Museu da Imagem e Som e o Museu Musical, além do Centro de Memória do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP).
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