28 de dezembro de 2024

Homem condenado a 22 anos de prisão consegue provar inocência

Depois de passar 9 anos preso e 1 ano em liberdade com tornozeleira, homem foi absolvido. Após 10 anos cumprindo pena, um morador de Campos dos Goytacazes, na Região Norte Fluminense do Rio, conseguiu provar inocência e foi absolvido pela Justiça. Everton Rodrigues da Silva foi acusado e condenado por latrocínio, que é o roubo seguido de morte, em 2014.
Everton conta detalhes de como tudo aconteceu. Ele estava com a família em uma casa alugada na Praia do Farol de São Tomé, para passar o carnaval daquele ano. A chegada da Polícia Civil à casa onde eles estavam deu início ao pesadelo que duraria uma década.
“Eles chegaram com a foto de duas pessoas, perguntando se a gente as conhecia. Eu disse que não. O inspetor de plantão no dia perguntou se ele podia tirar uma foto minha e eu deixei, porque eu não devia nada. Eles tiraram a foto e imediatamente disseram: ‘Olha, reconheceram você como autor de um crime. Mas eu não tenho mandado aqui. Você pode me acompanhar até a delegacia?’. E assim eu fiz. Acompanhei eles até a delegacia”, explica Everton Rodrigues.
Na delegacia, o rapaz foi colocado com outras duas pessoas em uma sala, onde teriam feito um reconhecimento. Depois, foi liberado. Antes, deixou o contato com o inspetor [Jonas]. Três dias depois, o inspetor ligou para ele dizendo que havia havia um mandado de prisão contra Everton e caso não fosse, ia ser considerado foragido da Justiça.
“Eles falaram que tinha uma filmagem e que eu aparecia cometendo o crime. Por isso, eu compareci. Porque eu tinha plena certeza de que eu não tinha cometido crime nenhum. Depois, eles alegaram que a filmagem estava com defeito e que só ia abrir no dia da audiência. E eu ia ter que aguardar custodiado”, explica.
Uma vez em custódia, Everton Rodrigues ficou detido por três meses. Por duas vezes, as audiências foram adiadas. Quando chegou o dia de se apresentar, ele perguntou à autoridade local da época, onde estariam os vídeos de monitoramento que os policiais civis disseram que existia e que estaria no processo.
A autoridade então disse que não havia nenhum vídeo anexado ao processo. Depois ele foi liberado e voltou para casa. Eveton disse que acreditava que tudo já havia acabado e que poderia seguir a vida em liberdade. Mas o pesadelo só estava apenas começando. Dois meses depois, ele conta que chegou uma sentença para ele de 22 anos de prisão.
A base da acusação foi o depoimento de dois adolescentes, na época, que teriam sido obrigados a reconhecer Everton como o autor do crime. Mas as descrições apresentadas não batiam com as características físicas de Everton.
O verdadeiro autor do crime, conforme ele explica, seria um homem de cor parda e de cavanhaque. Everton é de cor preta e na época não tinha barba. Ele acredita que tudo foi uma tentativa de achar um culpado a qualquer custo e abafar o caso.
“Se você parar pra pensar quantos recursos eu tentei e a Justiça só jogava meu caso da primeira para a segunda instância, sem mover nada? E você briga o tempo todo com sua mente, porque sabe que não cometeu nada. Você vive a sua infância inteira se desviando do crime, se desviando das drogas, para eles te pegarem de um lugar, te jogar na cadeia e falarem que foi você [que cometeu o crime]. Porque pra mim isso foi para abafar o caso. Porque o próprio inspetor virar e dizer: ‘Eu sei quem foram os verdadeiros autores do crime.’ E por que não me soltaram?”, desabafa Everton.
NASCIMENTO DA FILHA
Everton perdeu muitos sonhos e realizações durante o tempo que ficou preso. Na época ele estava terminando os estudos, já com formatura marcada para a segunda-feira (dia em que foi preso), mas não conseguiu sequer pegar o diploma. Porém a maior perda foi a convivência com a filha.
Quando foi preso, a esposa dele estava grávida de três meses. Ele não pôde acompanhar a gestação, o nascimento, nem o crescimento da primeira filha. Os momentos que tinham juntos eram apenas nas visitas feitas a ele na prisão.
“A vida toda, eu sempre cuidei dos meus sobrinhos. E quando a minha esposa engravidou, era meu maior sonho acompanhar a gravidez dela e o crescimento da minha filha. Mas é algo que eu perdi, eles tiraram de mim. Então, foi uma parte difícil e muito dolorosa para mim, dentro do cárcere, porque eu não pude nem acompanhar o nascimento da minha filha. Quando ela nasceu, eu já estava preso há sete meses, já sentenciado. E a via através de visita. Imagina uma criança recém-nascida tendo que visitar o pai que, por ventura, nem criminoso é”, lamenta.
Atualmente, Everton não tem mais o relacionamento com a mãe da filha. Eles compartilham a guarda da criança.
SOFRIMENTO DA FAMÍLIA
A tia de Everton, Roseli Silva Rodrigues, conta que no dia da prisão do sobrinho alguns familiares da vítima de latrocínio estavam na delegacia e gritavam de forma provocativa e intimidadora.
“O pai do falecido mesmo falava: ‘Eu não quero saber quem matou, eu só quero dizer que meu filho tem que ser vingado, doa a quem doer, a morte do meu filho não vai ficar assim’. Aí o menino [testemunha adolescente] falou que ele ia falar a verdade. Quando saíram, eles falaram assim: ‘Infelizmente, não pude falar a verdade, porque meu pai não deixou’, disse Roseli Rodrigues.
As visitas ao sobrinho também eram marcadas pela burocracia e por humilhações de alguns agentes penitenciários.
“Fora a revista, na época não tinha scanner. Era uma coisa pavorosa. A gente saía de casa 2h da manhã pra entrar 12h, era a coisa mais triste. A gente sofreu um bom pedaço, tanto eu como a mãe dele. A mãe dele ainda mais, porque veio a Covid e eu fiquei doente. Eu fiquei um tempo sem poder ir e ela ficou ainda um tempão indo sozinha”, explica.
A família contratou advogados para representar o sobrinho e provar a inocência dele. Mas acabaram sendo enganados por três advogados. Segundo ela, nenhum deles aceitava chamar testemunhas para depor a favor do rapaz e a causa dele não avançava na Justiça.
Além disso, ela conta que a alguns profissionais da imprensa local taxavam Everton como criminoso de forma exagerada e desrespeitosa. Segundo ela, a família chegou a procurar o veículo de comunicação para contar a versão deles sobre os fatos, mas foram ignorados.
Mesmo diante de todas as situações, ela sempre acreditou na inocência do sobrinho.
“Eu nunca tive dúvida. Quando saiu da barriga da minha irmã, eu saía do Jardim Carioca pra vir aqui dar banho nele, pra cuidar de umbigo do meu sobrinho. Ele nunca teve uma passagem, nem de criança, nunca teve mau comportamento”, diz.
A PROMESSA DE UMA AMIZADE
A esperança de provar a inocência estava firmada em uma promessa feita por um amigo de infância. A de que quando se formasse em Direito iria assumir a causa de Everton e provar que ele não era um criminoso. E assim fez o advogado Patrick Benedito.
“Em em 2014, no ano que ele foi preso, eu estava no Exército e nem sonhava em fazer Direito.[…]. Depois, decidi entrar para a faculdade e fui inteirando dos assuntos. Um dia eu fui visitar ele e falei assim: ‘Irmão eu quero pegar seu caso quando me formar, porque eu sei que você é inocente e tem muitas coisas que eu olhei no seu processo e dá pra resolver’. E aí quando eu me formei, eu falei: ‘Agora eu sou advogado, vou pegar seu caso’, conta o amigo.
Patrick Benedito explica que identificou algumas ilegalidades no processo e conseguiu uma nova prova. A primeira ilegalidade estava relacionada aos depoimentos dos adolescentes, porque foram desacompanhados, mesmo sendo menores de idade. A segunda ilegalidade foi a prisão em flagrante, que só aconteceu três dias depois dos fatos.
“Tempos depois, em 2020, eles [os adolescentes] foram presos junto com Everton. Então, decidiram, a partir daí, contar toda a verdade. Aí eu fiz um termo de depoimento retificando a fala deles e entramos com uma revisão criminal. O desembargador pediu pra ouvir esses dois meninos e, em juízo, eles contaram toda a verdade. Que nunca viram o Everton na cena do crime. Então esse foi o meu contexto com a situação do Everton e hoje nós conseguimos a absolvição dele”, explica.
RETOMANDO A VIDA
Agora inocentado, Everton já não usa mais a tornozeleira e está trabalhando como motoboy. Ele pretende ir atrás de reparação pelo julgamento errado e prisão injusta.
“Eu não quero nada de ninguém eu só quero o que eles me tiraram. Meu foco não é dinheiro. Se eu dependesse da Justiça a minha vida estava acabada. Quem lutou comigo foi minha família mesmo, porque dentro do cárcere, você só pode contar com a sua família. E é uma luta diária, porque que as portas não se abrem assim da noite pro dia. Ainda mais pra você que já ficou preso tanto tempo e as pessoas sem conhecer a tua história, então não é fácil”, enfatiza.
Mesmo sabendo das dificuldade, Everton não deixou de sonhar.
“O meu sonho é poder concluir a prova da minha inocência toda. Arquivar meu processo, que falta pouco, e poder viver bem com a minha família, estudar, fazer uma faculdade. É isso”, finaliza Everton Rodrigues.

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