O hospital recebeu o Selo Diamante do Prêmio ESO Angels, um programa internacional da farmacêutica Boehringer Ingelheim e da Organização Mundial do AVC que reconhece os melhores hospitais do mundo destinados ao tratamento do problema. Hospital Regional do Sertão Central abriu uma unidade especializada em AVC em 2018, e desde então se tornou referência no tratamento do problema
Louise Anne Dutra/SVM
Quando chegou ao Hospital Regional do Sertão Central (HRSC), em Quixeramobim, em julho de 2024, o vigilante Regivan Ribeiro encerrou um périplo por três hospitais na busca por um diagnóstico e por um tratamento para as dores que vinha sentindo há dias.
🏩 Esta é a segunda reportagem da série “Anjos no Sertão”, publicada no g1, sobre o município de Quixeramobim, referência nos cuidados com relação ao AVC.
Ao entrar na unidade, ele foi informado de que teve um Acidente Vascular Cerebral (AVC), e de que precisaria ficar no HRSC pelos próximos dias para se tratar. “Já cheguei apagado”, relembra Regivan. “Eu acordei no outro dia, duas horas da tarde, com o hospital lotado de médico, técnico de enfermagem, enfermeiro”.
Como viria a descobrir nos dias seguintes, Regivan havia sido encaminhado para uma das unidades de referência no tratamento da doença no Ceará. Desde que inaugurou a ala de AVC, em julho de 2018, o HRSC atendeu quase 5 mil pessoas que tiveram o problema.
O atendimento de excelência no tratamento do AVC levou o HRSC a receber o Selo Diamante do Prêmio ESO Angels, um programa internacional que reconhece os melhores hospitais do mundo destinados no tratamento do AVC.
O título global é coordenado pela farmacêutica Boehringer Ingelheim e tem apoio da Organização Mundial do AVC (World Stroke Organization). Na América Latina, a iniciativa é encabeçada pela Sociedade Iberoamericana de Doenças Cerebrovasculares.
Hospital Regional do Sertão Central obteve 18 certificações da iniciativa Angels como referência nos cuidados do AVC
Divulgação
“Desde a abertura da unidade de AVC, todo o hospital passou por um treinamento, desde a recepção, laboratório, pessoal do auxiliar de transporte, todo mundo. Então, quando já se sabe que tem um AVC em janela vindo, o hospital todo já fica ligado para que esse tempo realmente seja o mínimo e o paciente receba a medicação quando possível, em menor tempo possível”, explica Cristiano Rabelo, diretor-geral do HRSC.
Para obter o resultado, são levados em conta uma série de fatores, entre eles:
ter uma unidade especializada em AVC;
ter uma equipe multiprofissional de atendimento aos pacientes (terapeuta ocupacional, fonoaudiologia, enfermagem, fisioterapia, nutrição, serviço social);
ter disponível a alteplase, medicação utilizada na trombólise;
ter um serviço de imagem (tomografia);
A certificação é trimestral, e desde que o programa foi criado, em 2018, o hospital já recebeu o selo 18 vezes, sendo dois de ouro, onze de platina e cinco de diamante, a mais alta.
Um dos destaques é a velocidade no atendimento ao paciente. O AVC é uma doença tempo-dependente, ou seja, quanto mais demorar para ser tratada, pior o quadro de saúde do afetado.
Quando um paciente consegue chegar ao hospital, por exemplo, em até quatro horas e meia após ter o AVC, ele é submetido à trombólise – um tratamento medicamentoso com a alteplase. A substância dissolve os coágulos sanguíneos que levaram ao AVC e ajuda a restaurar a circulação.
“Um dos grandes benefícios da trombólise é que o paciente, muitas vezes, sai com diminuição dos déficits. Estrategicamente, o HRSC ficou sendo o hospital referência de 20 municípios [do Sertão Central] e de municípios que consigam chegar em tempo de trombólise”, destacou Rabelo.
Unidade especializada em atendimento de AVC do HRSC abriu em agosto de 2018 e já realizou quase 5 mil atendimentos
Louise Anne Dutra/SVM
No HRSC, conforme estatísticas da unidade, o tempo médio para um paciente receber o tratamento de trombólise, após dar entrada no hospital, é de cerca de 20 minutos – um terço da média mundial, que é de uma hora.
“O Samu liga pra gente, ou a central de regulação liga pra gente, fica todo mundo preparado e às vezes a trombólise já é feita lá durante a tomografia. Então, o paciente não perde muito tempo andando dentro do hospital, não. A equipe que vai de encontro com o paciente”, detalha Vitor Abreu, neurologista do HRSC.
O hospital é uma unidade da Secretaria Estadual de Saúde, administrado por uma organização social (OS), o Instituto de Saúde e Gestão Hospitalar (ISGH). Em 2020, o HRSC era o único no Brasil a ter recebido a certificação máxima do prêmio Angels, em uma rede de 150 hospitais brasileiros cadastrados no programa.
Uma referência no Sertão
O hospital foi inaugurado em 2016 em Quixeramobim, uma localização estratégica pela posição do município, no centro do Sertão cearense.
Hospital Regional do Sertão Central é referência para 20 municípios do interior do Ceará
Louise Anne Dutra/SVM
“Estrategicamente, Quixeramobim está no centro geográfico do estado do Ceará. Quando esse hospital foi feito, com a ideia a princípio de tomar conta de 20 municípios da região, foi criada essa unidade de AVC. Antigamente, o pessoal só ia para o HGF [Hospital Geral de Fortaleza]”, explicou o diretor-geral da unidade.
A unidade é a principal referência para atendimentos de média e alta complexidade de 20 cidades do Ceará: Boa Viagem, Canindé, Caridade, Itatira, Madalena, Paramoti, Banabuiú, Choró, Ibaretama, Ibicuitinga, Milhã, Pedra Branca, Quixadá, Quixeramobim, Senador Pompeu, Solonópole, Aiuaba, Arneiroz, Parambu e Tauá.
Apesar de ser morador de Senador Pompeu – um dos municípios na órbita do HRSC -, o vigilante Regivan Ribeiro chegou a ser enviado para Fortaleza antes da suspeita de AVC e de ser levado ao hospital regional.
Ele começou a ter fortes dores de cabeça e tontura em um sábado. No domingo, perdeu a força em um braço. Na segunda-feira, pela noite, teve o acidente vascular cerebral.
Vigilante Regivan Ribeiro passou por três hospitais antes de ser internado no HRSC para ser tratado após ter um AVC
Arquivo pessoal
“Mais ou menos 11 horas, eu já me acordei com aquela dor de cabeça. Aquela dor de cabeça insuportável e tonto. Não ficava em pé. Minha boca entortou. Meu olho esquerdo também ficou alterado. E aquela falta de ar que já na garganta voltava. Eu fiz até xixi na roupa. A mulher me sentou na cama e de imediato já me levou para o hospital [de Senador Pompeu]”, conta.
Entre terça e quarta-feira, Regivan foi para Fortaleza, mas acabou retornando a Senador Pompeu, de onde foi enfim encaminhado para o Hospital Regional do Sertão Central na quinta-feira – cinco dias após sentir o primeiro sintoma.
Após dar entrada no HRSC, sem andar e sem falar, passou dez dias na unidade especializada em AVC, submetido a tratamentos que o ajudaram a voltar a ficar de pé. Ele não ficou com sequelas.
Ao fim dos dez dias, Regivan foi liberado sob condição de retornar mensalmente ao hospital, pelos cinco meses seguintes, para fazer acompanhamento médico. “Primeiramente Deus, mas em segundo, hoje eu tô vivo por causa daquela equipe”, diz.
Os resultados da política de descentralizar o atendimento e tratamento da doença, até então concentrados em Fortaleza, podem ser notados no número de mortes por AVC. Os óbitos pela doença têm apresentado tendência de queda desde a inauguração da unidade especializada em AVC em Quixeramobim.
Em 2018, foram registradas 262 mortes por AVC nos municípios do Sertão Central. Em 2019, primeiro ano em que a unidade especializada esteve em funcionamento na íntegra, foram 216 mortes. Em 2023, foram 183 óbitos, o menor número da série histórica, conforme dados do Datasus.
O hospital e a cidade Angels
Em dezembro de 2024, o município de Quixeramobim, casa do HRSC, recebeu o título de “Cidade Angels”, se tornando a primeira cidade do Nordeste brasileiro e quinta da América Latina a conquistar a certificação.
Para isso, foi necessário desenvolver uma série de capacitações com os serviços de saúde municipais e até mesmo nas escolas. O SAMU também foi treinado para reconhecer pacientes com o problema o quanto antes, de modo a contatar o Hospital Regional do Sertão Central e deixar a equipe preparada para receber o enfermo
A ideia, em todos os casos, era a mesma: treinar servidores públicos e familiares a identificar casos suspeitos de AVC e acionar os serviços de emergência o quanto antes, possibilitando o diagnóstico e tratamento dentro da janela de quatro horas e meia para receber o tratamento de trombólise, que reduz as chances de sequela.
Médico neurologista explica como funciona a trombólise, tratamento contra o AVC
Até novembro de 2024, o hospital havia recebido 1029 vítimas de AVC, uma média de 93 pacientes por mês. Apesar disso, menos de 10% dos enfermos chegaram dentro da janela de tratamento da trombólise – uma realidade que a equipe do hospital espera mudar com as iniciativas do projeto Angels, conforme Mara Cibelly, enfermeira e coordenadora das unidades de AVC Agudo e Subagudo do HRSC.
“Justamente por falta de informação, às vezes o paciente tem algum sintoma, fica em casa, espera melhorar. E a gente educando as crianças, os pais, os professores, eles identificam mais precocemente e já ligam imediatamente pro SAMU e o SAMU já traz esse paciente a tempo para receber o atendimento adequado”, avalia.
Hospital Regional do Sertão Central atende 20 municípios do interior do Ceará
Divulgação/ISGH
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