18 de novembro de 2024

Huntington: cidade de Alagoas tem a segunda maior prevalência da doença rara do Brasil

Cerca de 1 a cada mil pessoas de Feira Grande são portadoras da doença neurológica que afeta progressivamente as capacidades motoras, cognitivas e psiquiátricas. Casamentos entre parentes explica o número alto. Nadja e Nadjane são irmãs e portadoras da doença de Huntington
Adja Alvorável/g1
“Quando eu era criança, fui à casa de uma amiguinha e vi que o avô e a avó dela, primos casados, faziam uns movimentos estranhos. Me disseram que eles tinham ‘nervoso’. Aquilo me deixou intrigada”.
Foi a partir desta observação que, anos depois, a cirurgiã-dentista Aparecida Alencar iniciou uma jornada em busca de respostas para doença que afeta vários moradores de sua cidade natal, Feira Grande, no interior de Alagoas.
Em 2001, ainda na faculdade, Aparecida começou sua investigação. Ela montou um heredograma (um tipo de árvore genealógica) e descobriu que 56 pessoas apresentavam sintomas muito parecidos, como desequilíbrio e movimentos involuntários. Desse total, 30 já haviam falecido e 26 estavam vivos.
Aparecida levou os resultados para professores da Ufal, que, em 2005, descobriram que aquelas pessoas eram portadoras de Huntingon, doença neurológica rara passada de pai para filho e que ainda não tem cura. No ano seguinte, integrantes da Associação Brasil Huntington (ABH) foram à cidade e confirmaram o diagnóstico.
Atualmente, há 24 casos da doença em Feira Grande, além de pacientes que apresentam sintomas, mas que ainda não têm o diagnóstico confirmado. A prevalência da doença na cidade é a segunda maior do Brasil: 1 caso para cada mil habitantes, ficando atrás apenas de Senador Sá (CE). Para se ter uma ideia, a média mundial é de 1 para cada 100 mil.
Heredograma elaborado por Aparecida Alencar mostra portadores da doença em laranja
Arquivo Pessoal
🧠 O que é a doença de Huntington?
A doença de Huntington causa perda de células em uma parte do cérebro denominada gânglios da base, afetando a capacidade cognitiva (pensamento, julgamento, memória), psiquiátrica (irritação, depressão, alucinação) e motora (tiques, desequilíbrio, movimentos involuntários).
O médico norte-americano George Huntington descreveu a doença em 1872. Na época, ele publicou uma descrição do que chamou “coreia hereditária”. Originada da palavra grega para “dança”, coreia se refere aos movimentos involuntários que são característicos da doença de Huntington.
“Os transtornos do movimento causados pela doença de Huntington causam principalmente coreia, que é um movimento involuntário. As pessoas fazem [os movimentos] sem querer e parece que estão dançando”, explica a neurologista Débora Palma Maia.
Movimentos involuntários são característicos da doença de Huntington
Adja Alvorável/g1
🧬 O que explica a alta prevalência de Huntington em Feira Grande?
Segundo especialistas, a alta prevalência de portadores de doença de Huntington em Feira Grande é explicada por casamentos entre parentes, já que a doença é herdada geneticamente, ou seja, causada por mutações recebidas dos pais. No caso da doença de Huntington, trata-se de uma mutação no gene HTT (gene da huntingtina).
Quando os pais compartilham um antepassado comum, o chamado relacionamento “consanguíneo”, há uma maior chance de ambos terem os mesmos genes defeituosos. Filhos que tenham um dos pais afetado pela doença de Huntington têm de 50% a 75% de chances de herdar o gene alterado e desenvolverão a doença em algum momento da vida.
“Pelo o que a gente sabe, a doença de Huntington existe em Feira Grande há mais de 100 anos, mas não havia esse diagnóstico. Na época, décadas ou um século atrás, a comunidade era pequena, tinha isolamento geográfico, então era comum parentes casarem entre si”, explica Aparecida.
Natany, a tia Nadjane e a mãe, Nadja
Adja Alvorável/g1
💬 ‘Não sei se quero saber se tenho Huntington’
Há cerca de 10 anos, Nadja Maria Lira, de 54 anos, começou a apresentar irritabilidade, desequilíbrio, fala enrolada e movimentos involuntários. Os sintomas são os mesmos que sua mãe apresentava, por isso, não foi difícil fechar o diagnóstico de doença de Huntington.
Os sintomas pioraram ao longo do tempo e Nadja passou a precisar da ajuda da filha, Natany Caroline Lira Ramos, de 27 anos, para quase tudo. Nadja já não consegue fazer a maioria das atividades que amava, como cozinhar, cuidar da casa e de si mesma.
Dois irmãos e uma irmã de Nadja também são portadores da doença. Natany, que tem dois filhos, ainda não sabe se herdou a doença da mãe. Caso Natany não tenha a doença, os filhos também não terão. Mas, se o resultado for positivo, há chances de os filhos também terem.
“Eu já fiz ressonância e, por enquanto está tudo ok. Mas ainda não fiz o exame genético porque, no momento, não tenho condições [financeiras]. Depois dos 30 anos, pode ser que eu procure saber. Ainda não tenho certeza se quero saber se tenho Huntington”.
🩺 Diagnóstico e tratamento
Ainda não há cura para a doença de Huntington. Há apenas tratamentos que podem minimizar o impacto dos sintomas, que progridem até que o paciente fique completamente dependente de terceiros.
O diagnóstico é feito através de avaliação física, neurológica e psicológica, além de histórico familiar detalhado e exames de imagem. “O diagnóstico definitivo é o teste genético, onde se vê a alteração no cromossomo 4, responsável pela doença de Huntington”, explica a neurologista Débora Palma Maia.
No dia 8 de agosto, Feira Grande recebeu um evento de educação continuada promovido pela ABH em conjunto com a farmacêutiva Teva. A iniciativa é importante porque possibilita uma melhor preparação dos profissionais da saúde para lidar com esses pacientes.
O neurologista Marcos Vinicius Della Coletta defende que o teste genético seja feito apenas em quem já apresenta os sintomas da doença. No caso de pacientes assintomáticos (que não apresentam sintomas), como a Natany, o teste não é recomendado.
“Para o paciente assintomático, o teste é discutível porque envolve questão emocional e psicológica. É uma doença que tem uma taxa de suicídio muito alta. Às vezes o paciente tem a doença, mas vai passar quase a vida toda sem apresentar sintomas e o diagnóstico positivo tem um peso muito grande na vida do paciente”.
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