15 de janeiro de 2025

Imprensa Que Eu Gamo, Suvaco do Cristo e outros blocos tradicionais do Rio se despedem do carnaval: ‘Fim do ciclo’, diz Rita Fernandes


Após o fim dos desfiles dos tradicionais Escravos da Mauá e do Bloco de Segunda, o Imprensa Que Eu Gamo, de Laranjeiras, fará seu último desfile em 2025. O Suvaco do Cristo, com mais de 40 carnavais, também anunciou sua despedida para 2026. O desfile do Imprensa Que Eu Gamo vai até as 19h deste sábado
Divulgação / Alexandre Macieira / Riotur
O bloco Imprensa Que Eu Gamo, que completa 30 anos em 2025, anunciou que fará seu último desfile no carnaval desse ano. O grupo que sai pelas ruas de Laranjeiras, na Zona Sul, se junta aos tradicionais Escravos da Mauá, do Centro, e o Bloco de Segunda, do Humaitá, que encerraram suas atividades em 2022 e 2023, respectivamente.
Além desses, o Suvaco do Cristo, do Jardim Botânico, também na Zona Sul, confirmou que 2026 será seu último desfile de carnaval. O bloco foi fundado em 1986.
Os quatro blocos, todos com 30 anos ou mais, representam o período da retomada do carnaval de rua no Rio de Janeiro. Todos eles participaram ativamente da história cultural da cidade e arrastaram milhões de pessoas ao longo dos anos.
Para Rita Fernandes, presidente do Imprensa Que Eu Gamo e da Associação Independente dos Blocos de Carnaval de Rua da Zona Sul, Santa Teresa e Centro (Sebastiana), a decisão representa o fim de um ciclo para esses blocos.
Segundo ela, muitos fatores foram determinantes para o Imprensa Que Eu Gamo parar de desfilar: alto custo do carnaval, excesso de burocracia, falta de pessoas na organização, a mudança de público e, principalmente, o desgaste do formato de desfile que o bloco apresenta.
“São muitas mudanças que vieram acontecendo ao longo do tempo e a gente não poderia deixar de olhar para elas. (…) O nosso formato, com carro de som, um samba próprio, com camiseta, que é uma coisa de pertencimento, hoje não precisa mais. Então tem uma mudança estrutural mesmo. E a gente entendeu assim”, disse Rita.
“Tem blocos que vão se manter, como o Cordão da Bola Preta, outros vão migrar para outros formatos e alguns vão acabando. (…) Cumpriu um ciclo”, analisou.
Imprensa que Eu Gamo
Fernando Maia/Riotur
Ao destacar o modelo de desfile do Imprensa, do Suvaco e do Escravos, por exemplo, Rita reforça que o público do carnaval de rua hoje está mais conectado com os blocos de fanfarra, que apresentam ritmos diferentes, com instrumentos variados e foliões mais livres, tanto no percurso, como na fantasia.
“Você tem um ciclo de crescimento, um ápice e depois um declínio daquele modelo. Naturalmente outro modelo vai entrando no lugar”, comentou.
“O carnaval reflete os fluxos sociais, reflete os fluxos urbanos, como a gente ocupa a cidade, o que as pessoas estão querendo. (…) O carnaval é dinâmico, muda o tempo todo. Tem que deixar a festa tomar seu próprio formato. O erro é querer engessar o formato. O carnaval de rua tem que ser muito espontâneo e orgânico. Os blocos vão encontrar seus formatos na própria rua”, disse Rita Fernandes.
Jornalistas na folia
A história do Imprensa Que Eu Gamo teve início no dia 28 de novembro de 1995, em uma mesa do Mercadinho São Jose, bar que até hoje é o local de concentração do grupo nos dias de desfile, em Laranjeiras.
Naquele dia, alguns amigos jornalistas se encontraram depois cobrirem uma manifestação contra a violência na cidade, a Caminhada Pela Paz. Estavam presentes no dia da fundação: Luciana Conte, Zé Roberto Serra, Claudia Boechat, Rita Fernandes, Aziz Filho, Ramiro Alves, Vania Mezzonato, Marcelo Theobald, Marinilda Carvalho, Fabiana Sobral e Marceu Vieira.
Marceu foi um dos autores do primeiro samba do bloco, “Rio Cidade com a NET de Carona”. O samba era uma sátira ao projeto Rio Cidade e aos buracos que tomaram conta das calçadas em meio à chegada da operadora de TV a cabo NET.
“Eu me sinto orgulhoso de ter feito parte dessa história, de ser coautor do primeiro samba. Foi tudo meio sem querer, nada intencional, mas fizemos um modelo, que foi construído ao longo do tempo, de fazer do samba uma crônica daquele ano, sempre com humor”, disse o jornalista Marceu Vieira.
O jornalista e compositor também concorda com Rita Fernandes sobre a mudança que vem acontecendo no carnaval de rua. Ao saber do fim do Imprensa Que Eu Gamo, Marceu se dividiu entre a tristeza e a aceitação de uma nova realidade.
“A minha primeira reação foi de nostalgia e de tristeza, mas logo depois caí na real, porque o argumento tem muito sentido. Esse modelo se gastou. Já estava gasto de uns anos pra cá. É uma nova realidade, que é divertida pra caramba, com esses blocos sem carro de som e fora da lista oficial”.
“Eu gosto desse modelo tipo o Cordão do Boitatá, o Céu na Terra. Eles são mais atraentes”, comentou Marceu.
R$ 100 mil pra colocar o bloco na rua
Um bloco como o Imprensa Que Eu gamo tem custos de produção elevados e precisa de uma estrutura profissional para acontecer. A realidade é muito diferente daquilo que foi idealizado pelos fundadores do bloco, lé em 1995.
De acordo com a presidente, os maiores gastos são com carro de som, segurança, ritmistas e infraestrutura, como grades de proteção, banheiros químicos e camisetas, por exemplo, sem contar a parte burocrática.
“Você tem que colocar um carro de som bom, contratar pelo menos 50 homens de apoio, cada um custa R$ 250. Você faz uma camiseta que custa R$ 35 para produzir. Se vender por mais que isso, ninguém compra. E se vender por menos não entra dinheiro pro bloco”.
“Tem que contratar uma arquiteta para fazer uma ART da planta da rua. Eu gasto entre R$ 400 e R$ 700. A ART do carro de som mais R$ 350. Você vai somando e chega a R$ 100 mil muito fácil, para um bloco médio”, explicou Rita.
Na opinião dela, atualmente, colocar um bloco como o Imprensa na rua dá mais trabalho do que prazer e a conta não fecha.
“Tem os preços altos, uma burocratização que não tinha. Hoje é mais trabalho que prazer. Burocratizou, normatizou, engessou o desfile, encareceu e virou mercado. É muito mais mercado que cultura e a gente foi perdendo o tinha de mais leve do carnaval”, comentou.
Em 2023, o g1 mostrou que os organizadores dos blocos de rua do Rio já reclamavam da grande burocracia para organizar um desfile de carnaval. Na época, os responsáveis já ameaçavam seguir para a clandestinidade.
Foliões se divertem no Imprensa Que Eu Gamo, em Laranjeiras, no Rio
Raphael Dias/Riotur/Divulgação
Rita também destaca a falta de pessoas interessadas em herdar os blocos tradicionais. Segundo ela, os filhos dos atuais gestores e amigos mais novos dos organizadores não quiseram assumir o controle desses grupos.
“O fim de alguns blocos tem a ver com não ter para quem passar. É o caso do Suvaco, é o caso do Imprensa, do Bloco de Segunda, do Escravos da Mauá. Não necessariamente nossos filhos ou herdeiros de profissão vão querer o carnaval naquele formato. Eles querem outra coisa. Naturalmente as coisas vão mudando”, analisou.
Evolução da folia de rua
Jornalista e estudiosa do carnaval, Rita Fernandes é autora do livro “Meu bloco na rua: a retomada do carnaval de rua do Rio”, que conta a evolução da festa popular na cidade. Ao g1, ela analisou que o momento atual do carnaval de rua é de mudança. Para ela, essa evolução é constante.
“Se você voltar lá atras, você vai ter grandes sociedades, cordões, ranchos, escolas de samba, blocos de rua, fanfarras. Você vai ver que existe um ciclo. Cresce, cresce, cresce, normatiza, declina e vem outra coisa que ocupa. Faz o mesmo ciclo e assim vai”, explicou.
Sobre o momento atual, Rita acredita que a transição teve início na década passada e tem a ver com movimentos sociais e políticos.
“O carnaval foi mudando desde 2013, com ocupação da rua, com movimento anticorrupção, black blocs. E foi chegando uma garotada com um novo modelo, que são as fanfarras. Elas são muito mais fluídas, usam as ruas da cidade de uma forma que volta para quando a gente começou”, relembrou Rita.
Boi Tolo desfila no Centro do Rio neste domingo (19)
Leonardo Almeida/Arquivo Pessoal
Ao citar o início do Imprensa Que Eu Gamo, lá em 1995, Rita fala sobre um período de redemocratização, de uma sociedade que havia deixado a Ditadura Militar há pouco mais de dez anos.
“Teve um período que a gente começou com as críticas politicas nos sambas. Eram necessárias e muito fortes, porque a gente tava saindo de um tempo de Ditadura. A gente faz a transição e surgem os primeiros blocos (Simpatia É Quase Amor, Suvaco do Cristo e Barbas)”.
“Na década de 90, ainda reocupando essa rua politicamente e culturalmente, veio o rock brasil e uma explosão de movimentos de ocupação da cultura, que depois vira o boom dos anos 2000. Vem as escolas de percussão com o Monobloco, muda o lugar do folião. Ele deixa de ser só o folião e quer participar. Ele passa a tocar, a cantar, ele faz as musicas e tem os encontros das pessoas nas aulas de percussão”, explica a especialista.
Atualmente, segundo Rita, estamos vendo o crescimento dos blocos de fanfarra.
“O primeiro movimento é o Desliga da Justiça, que não dialoga com os poderes. Não quer ser controlado de jeito nenhum. Mas começaram muito pequenos. Hoje, cresceram e não podem deixar de ser controlados. Um Boi Tolo, que desfila com 50 mil pessoas, fecha tuneis e tal, ele também começa a ter que dialogar. Ele que antes era escondido e não tava na mídia, passa a estar na mídia. Então ele já não é mais secreto”, analisou.
“É o velho paradigma do carnaval. O que é fluído e o que é livre, contra o controle, que naturalmente acaba acontecendo pelos órgãos da cidade e da própria organização social”, finaliza Rita.
Imprensa que Eu Gamo
Fernando Maia/Riotur

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