Rompimento ocorre após Ministério dos Transportes avançar com estudos, sem consultar grupo, e Agência Nacional de Transportes Terrestres incluir ferrovia em cronograma de leilões em 2025, dizem lideranças. Ferrogrão pretende ligar Sinop, em Mato Grosso, ao distrito de Miritituba, no Pará. Indígenas entregam carta de rompimento com grupo de trabalho da Ferrogrão no Ministério dos Transportes.
Indira Barros/Quartzo Comunicação
Indígenas romperam, nesta segunda-feira (29), com o grupo de trabalho (GT) criado para debater o projeto da ferrovia Ferrogrão. O empreendimento quer ligar Sinop, em Mato Grosso, ao distrito de Miritituba, no Pará.
De acordo com lideranças indígenas, o rompimento ocorreu por dois motivos:
O Ministério dos Transportes avançou com estudos sem consultar o grupo
A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) incluiu a ferrovia no cronograma de leilões em 2025
“O que deveria ser um espaço de diálogo transversal e interministerial terminou esvaziado, sem que a Casa Civil enviasse sequer um representante a uma única reunião”, diz a carta de rompimento.
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O g1 fez contato com o Ministério dos Transportes e com a ANTT. A agência informou que o cronograma de leilões é “uma demanda de planejamento próprio da Administração Pública, com regras definidas por leis e decretos” (veja nota completa abaixo).
O Ministério dos Transportes afirmou que recebeu com “surpresa” a decisão dos líderes indígenas (veja nota completa abaixo). Sobre os estudos, a pasta informou que ainda estão em fase de validação e que a atualização das pesquisas foi autorizada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
O grupo de trabalho foi criado no dia 18 de outubro de 2023, com coordenação do Ministério dos Transportes. Nesta segunda-feira, o Instituto Kabu, o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e a Rede Xingu+, membros da sociedade civil que integram o GT, anunciaram a saída do grupo (leia documento abaixo).
Lideranças indígenas dizem não receber informações
Projeto Ferrovia Ferrogrão EF-170
Arte G1
Indígenas da etnia Munduruku foram ao Ministério dos Transportes para entregar a carta de rompimento na tarde desta segunda (leia documento mais abaixo). Uma das lideranças da etnia, e presidente da Associação Indígena Pariri, Alessandra Korap, disse que “a luta continua para que direitos conquistados não sejam renegados”.
“Continuaremos lutando para que haja consulta prévia, livre e informada desde o planejamento, como manda a lei. E buscando impedir que direitos duramente conquistados sejam ignorados. A gente nunca se sentou na mesa para negociar nossos direitos e não vai ser agora, nem nunca que vamos fazer isso”, diz Alessandra Korap.
Manifestação de indígenas contra Ferrogrão durante o Acampamento Terra Livre em Brasília.
Fernanda Bastos/g1
O indígena Mudjere Kayapó, relações públicas do Instituto Kabu, destaca que não houve compartilhamento de informações, de estudos e nem de pesquisas por parte do governo federal.
“Estamos rompendo com o Grupo de Trabalho da Ferrogrão, mas foi o governo que rompeu primeiro com a gente: não estavam compartilhando as informações, nem os estudos. Nós, indígenas, e os representantes da sociedade civil não estávamos sendo informados sobre a atualização dos estudos, sobre intenção de realizar leilão sem nos consultar. É por isso que estamos saindo”, diz Mudjere Kayapó.
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Declaração de rompimento da sociedade civil com o GT da Ferrogrão do Ministério dos Transportes
“29 de julho de 2024
Há um ano, o Ministério dos Transportes sugeriu, no âmbito da ação contra a Ferrogrão (ADI 6553) no Supremo Tribunal Federal (STF), que fosse criado um Grupo de Trabalho (GT), com participação de diferentes representantes do governo e da sociedade civil, para debater o projeto da Ferrogrão (EF 170). Infelizmente, apesar dos esforços da Subsecretaria de Sustentabilidade do mesmo Ministério, depois de nove meses desde nossa primeira reunião, atesta-se que este GT, criado pela Portaria 994/2023, não cumpre seu papel.
O que deveria ser um espaço de diálogo transversal e interministerial terminou esvaziado, sem que a Casa Civil enviasse sequer um representante a uma única reunião. O que deveria ser um espaço com participação da sociedade, dependeu da mobilização logística das próprias organizações e movimentos para assegurar suas presenças. E o que deveria ser um espaço de debates profundos terminou sendo um ambiente secundarizado e sem ressonância nos processos de tomada de decisão.
A tramitação de novos estudos sobre o projeto sem participação do GT é prova disso. A INFRA S.A. e o Ministério dos Transportes já divulgaram que os estudos, realizados pela mesma empresa autora dos anteriores, serão aprovados sem discussão, participação ou transparência. Além disso, a ANTT estipulou um cronograma de leilões para 2025 que já inclui a Ferrogrão, contrariando a decisão do STF e desrespeitando a urgente e obrigatória consulta livre, prévia e informada aos povos e comunidades da região.
Diante disso, o Instituto Kabu, o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e a Rede Xingu+, membros da sociedade civil que integram o GT, anunciamos que, a partir de hoje, não mais participaremos do grupo. Juntamente com a Aliança #FerrogrãoNão, manifestamos nossa discordância e profunda preocupação pelo tratamento dado ao tema. Não mediremos esforços para barrar esses trilhos de destruição e seguiremos os diálogos com o governo federal de outras maneiras e em outras instâncias.
Ressaltamos que já existe um grande passivo ambiental e fundiário na região e que o projeto inicial da Ferrogrão possui estudos falhos, ignora impactos sinérgicos e cumulativos e desrespeita o referido direito à consulta dos povos e comunidades afetadas. A ferrovia resultaria no desmatamento de mais de 2 mil km² de floresta nativa, impactaria 4,9 milhões de hectares de áreas protegidas e afetaria pelo menos 16 terras indígenas, e diversos quilombos e comunidades tradicionais. Tudo isso para aumentar os lucros de grandes empresas transnacionais exportadoras de soja e milho.
O governo brasileiro precisa reconhecer a inconstitucionalidade do traçado da Ferrogrão e cancelar esse empreendimento perigoso. Do mesmo modo, é urgente promover a regularização fundiária, titulação de territórios quilombolas, demarcação das terras indígenas e a execução do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal na região. Projetos de infraestrutura e logística não podem seguir promovendo a destruição da Amazônia, do Cerrado e do futuro de todase todos nós.”
O que diz o Ministério dos Transportes
“O Ministério dos Transportes recebeu com surpresa a decisão unilateral de interrupção da interlocução dos representantes da sociedade civil no Grupo de Trabalho Ferrogrão.
A estruturação desse importante espaço de diálogo ocorreu em cooperação com a sociedade civil, desde sua composição e plano de trabalho até a definição de técnicos, especialistas e gestores que participaram dos debates.
O Grupo de Trabalho tem atuado na defesa do debate democrático, garantindo liberdade de pensamento, defesa da conciliação e direito ao contraditório.
Os estudos ainda estão em fase de validação pela Infra S.A., após o Supremo Tribunal Federal (STF) autorizar atualização dos mesmos, e serão apresentados à sociedade civil.
A pasta reafirma o compromisso com o diálogo e a participação social para a melhoria do planejamento da infraestrutura de transportes do país.”
O que diz a ANTT
“A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) informa que não é parte formal da ação judicial junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), nem do Grupo de Trabalho (GT) coordenado pelo Ministério dos Transportes, responsável pelas diretrizes de políticas públicas do setor.
Com relação à atualização dos estudos, cumpre informar que, de acordo com a decisão judicial de 15/03/2021, foi determinada a suspensão dos efeitos da Lei 13.452/2017 e dos processos relacionados à Ferrogrão. Contudo, apesar da suspensão do andamento do processo de outorga em sede judicial, o projeto continua sob acompanhamento da atualização do EVTEA, com a participação de servidores em reuniões do GT da Portaria nº 994/2023, atuando a ANTT como entidade de apoio técnico-regulatório, dentro de suas competências.
Quanto ao cronograma de leilões, trata-se de uma demanda de planejamento próprio da Administração Pública, com regras definidas por leis e decretos. No momento, não há previsões quanto ao cronograma de leilão.”
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