17 de novembro de 2024

Instrumentos emprestados, falsa composição e álbum póstumo: 50 anos depois, moradores contam as histórias de icônico show de Raul Seixas no interior de MG

Há 35 anos o cantor nos deixava, mas anos antes, em maio de 1974, fazia show em Patrocínio, no Alto Paranaíba, que em 2022 se tornou disco de vinil. Contemporâneos do Maluco Beleza contaram ao g1 sobre as histórias da passagem que durou 3 dias e marcou a cidade. Capa do LP Eu Não Sou Hippie, com a gravação do show de Raúl Seixas em Patrocínio. A foto da capa é parte de um ensaio posterior ao show.
Record Collector/Divulgação
Há 35 anos Raul Seixas nos deixava. Chamado por muitos de Pai do Rock Brasileiro, o cantor, compositor e multi-instrumentista baiano gravou 17 discos durante 26 anos de carreira. E mais do que isso, arrastou multidões e ainda conta com uma legião de fãs.
Apesar da morte precoce aos 44 anos, o Maluco Beleza deixou milhares de histórias. Uma delas, bem curiosa e inesperada no interior de Minas Gerais.
Em 1974, como que em uma sociedade alternativa, Raul passou um fim de semana hospedado no Hotel Santa Luzia, em Patrocínio, na região do Alto Paranaíba. Na cidade, ele fez um show para pouco mais de 200 pessoas no Cine Patrocínio.
Sem registros de imagens da passagem do cantor pela pequena cidade de pouco mais de 35 mil habitantes à época, nos anos seguintes o show ganhou contornos místicos para os moradores à medida que o cantor atingia o estrelato em todo o canto do país.
Todo patrocinense já ouviu, ao menos uma vez, uma história de quem esteve presente na apresentação: desde músico emprestando guitarras para a banda de Raul até uma ida ao dentista que virou parte do folclore local.
O g1 conversou com pessoas que foram ao show e com o produtor que, 45 anos depois da apresentação, lançou um vinil com uma gravação da apresentação resgatada por um fã. Um tesouro que está longe de ser ouro de tolo.
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Chegada na cidade
Inicialmente seriam duas apresentações, que foram contratadas por José Teixeira, que era dono de uma loja de discos, a Patrossom. Animado com as vendas do álbum Krig-Ha, Bandolo! , o primeiro disco solo do cantor, Zé Teixeira localizou Raul em São Paulo e o contratou para dois shows na cidade.
A data é incerta, mas o show, junto com as apresentações de 29 de maio a 2 de junho em Belo Horizonte e em Brasília, é considerado parte das apresentações de pré-lançamento do LP Gîtâ, que estreou em julho de 1974.
Segundo pesquisas de Frederico Cesquim, um dos produtores do LP do álbum Eu não sou Hippie, que é a gravação do show em Patrocínio lançado pela Record Collector, Raul e os músicos chegaram como cowboys fora-da-lei em uma Kombi em um sábado pela manhã e se hospedaram no Hotel Santa Luzia, no quarto 02, informação que também foi confirmada pelo atual gerente do Hotel.
Naquele dia, Raul foi levado para a loja Patrossom, onde autografou cópias do LP Krig-Ha, Bandolo! para os clientes e curiosos, mas nenhuma foto da passagem de Raul pela cidade foi localizada, nem matérias em jornais.
De acordo com Zé Teixeira para o encarte do Eu não sou Hippie, não houve confecção de cartazes. Ele afirma que era época do governo militar e no interior chegavam boatos que Raul havia criado rixa com os militares. Também era um pouco incerta a vinda dele, podendo não comparecer. A divulgação foi toda no boca a boca e com notas transmitidas pela Rádio Difusora de Patrocínio.
Fato é, que apesar das dúvidas do contratante, assim como a luz das estrelas e a cor do luar, Raul foi!
Músicos sem instrumentos
Edson Bragança, uma das pessoas que estavam no show, foi, também, uma das pessoas que possibilitaram a apresentação. Aos 25 anos, Edson era baixista da banda local Super Som 201, e emprestou instrumentos para Raul e a banda.
Ele trouxe músicos, mas não trouxe instrumentos. Nós montamos baterias, amplificadores, pianos e microfones, tudo, para eles se apresentarem no Cine Patrocínio, lembrou Edson.
A Super Som 201 costumava tocar de tudo e se manter atualizada no que tocava em rádios e discotecas. Depois da passagem de Raul na cidade, chegaram a tocar músicas dele pela região.
Tínhamos Sociedade Alternativa, Gîtâ, O trem das 7 e Ouro de Tolo no nosso repertório, que era bem pop-rock, disse o músico.
Ói! Ói o Trem!
Falando em O trem das 7, há uma lenda na cidade de que a música foi composta em Patrocínio por Raul e um um morador que já faleceu, o Jeferson Botelho – Jefé Consolação, para os íntimos.
O jornalista Zé Elói Neto, explicou que como vovô já dizia, tudo não passou de invenção.
Diziam que durante uma viagem lissérgica na Serra do Cruzeiro, onde os trilhos do trem passam abaixo, eles compuseram a música. A história não é verdadeira – foi invenção da nossa turma pra inflar o ego do Jefé. A música foi composta pelo Raul com o Paulo Coelho, afirmou Neto.
Edson, que também fazia parte da turma jovem de Patrocínio na época, contou que Jefé sonhava em ser compositor.
Quando o Raul veio fazer o show, a gente já tinha essa música no reportório. Não tem como ele ter composto essa música aqui!.
Plateia inusitada
Ainda segundo a pesquisa de Cesquim, aos domingos o Cine Patrocínio exibia filmes para o público infantil. É o que explicaria a grande presença de crianças na plateia do show, como é possível ouvir durante os aplausos e na citação de Raul sobre elas no final da faixa “Ouro De Tolo”.
Às 18h do domingo, Raul subiu ao palco para cerca de 200 privilegiados, na contagem estimada de Edson Bragança.
Para Frederico Cesquim, o show transcorreu com um Raul muito tranquilo, comentando com bom humor as músicas que se seguiam, não descuidando de deixar sua opinião sobre o sentido social e filosófico das letras, ainda que se arriscando por conta da ditadura instaurada no país.
Foi Zé Teixeira que gravou todo o show com um gravador portátil, direto do palco. Foi essa gravação que deu origem ao álbum Eu não sou hippie, lançado em CD pela Eldorado em 2014 e em vinil pela Record Collector em 2022.
Álbum
O título do disco, aliás, foi dado por Sylvio Passos, presidente do fã-clube e amigo do cantor que colaborou para a vinda do álbum ao mundo.
Sylvio contou a mesma história que relatou para o encarte do disco, sobre como teve acesso a gravação que Zé Teixeira fez a beira do palco em 1974.
“Consegui esse registro em 2006 numa ida a Belo Horizonte para participar de um evento em homenagem ao Raul Seixas. Um velho amigo, o Roberto Amormino, foi ao evento e me entregou um envelope dizendo que havia 17 anos que ele queria me entregar. Naquela muvuca, guardei o envelope. Quando cheguei em São Paulo, já em casa, abri e me cai nas mãos uma fita onde estava escrito ‘Raul Seixas Ao Vivo em Patrocínio 1974’, contou Sylvio.
Passos colocou o cassete para rodar e logo no início ficou arrepiou. Apesar da qualidade técnica não ser das melhores, havia sonoridade e clareza na voz e nas palavras de Raul.
À medida que a fitinha ia rolando eu ficava cada vez mais empolgado e já imaginado que aquele registro poderia se transformar em um disco, bastava entrar em estúdio e fazer um trabalho básico de restauração de áudio”.
O trabalho foi feito e lançado em 2014, mas foi em 2022 que Frederico Cesquim entrou na história, fazendo a pesquisa para descobrir tudo o que era possível sobre o show.
Nosso selo é especializado em discos, então entramos em contato com os responsáveis pelo CD inicial e nos deram a licença para relançar em LP. Pegamos a gravação original com o Sylvio e a partir dai a gente conseguiu limpar o som, tirou todo o ruído de fundo, melhorou os diálogos e inseriu todos, explicou Cesquim.
É um dos primeiros registros completos de um show do Raul, com um apelo histórico inquestionável, afirmou.
Tanto é, que a Record Collector lançou mil cópias do disco duplo. A tiragem, segundo Frederico, já está no fim e restam apenas 50 cópias a venda. Por se tratar de um disco de colecionador numerado, não deve ser reprensado.
Além de O trem das 7, Raul também cantou as seguintes músicas no show:
Se o Rádio Não Toca
Ouro de Tolo
Cachorro Urubu
Gîtâ
Água Viva
Sessão das 10
As Minas do Rei Salomão
Não Pare na Pista
Let Me Sing, Let Me Sing
Rock Around The Clock
Ready Teddy
Metamorfose Ambulante
As Aventuras de Raul Seixas na Cidade de Thor
Sociedade Alternativa
Raul Seixas canta no Fantástico
Reprodução
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