10 de fevereiro de 2025

Jardins filtrantes, sensores e estruturas permeáveis: como a tecnologia pode evitar enchente e queda de barreira em dia de chuva


Na última semana, temporal causou transtornos e deixou cinco mortos no Recife. Especialistas detalham ações para melhorar o sistema de drenagem e combater os alagamentos na cidade. Especialista cita ações que podem melhorar a drenagem e evitar os alagamentos no Recife
Nos últimos dias, a cidade do Recife ficou, mais uma vez, debaixo d´água. A combinação de chuva forte com maré alta fez canais transbordarem e encharcou o solo de morros e encostas, deixando ruas e avenidas alagadas e causando deslizamentos de barreiras. Só na capital, cinco pessoas morreram em acidentes provocados pelo temporal (saiba mais abaixo).
Problema histórico no município, as inundações estão ligadas às falhas no sistema de drenagem, que existe para fazer a água da chuva escoar e evitar que ela se acumule nas áreas urbanas (veja vídeo acima). Diante disso, o g1 e a TV Globo conversaram com especialistas em busca de soluções que podem resolver o problema de forma mais sustentável e definitiva.
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De acordo com o engenheiro Jaime Cabral, professor de drenagem urbana da Escola Politécnica da Universidade de Pernambuco (UPE) e da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), a geomorfologia do Recife torna a cidade mais suscetível a desastres naturais, já que está próxima ao nível do mar e tem muitos morros. O cenário é agravado pela vasta quantidade de solo asfaltado.
“A água, quando chove, converge toda para a parte da planície. Fora isso, a impermeabilização é um processo que foi muito prejudicial. Nos últimos 40, 50 anos, cada vez mais se asfaltou, concretou, encheu de pedra a cidade. Então a água não tem onde se infiltrar. […] Além da geomorfologia desfavorável, a impermeabilização contribuiu bastante com os problemas que temos de drenagem”, comentou o professor.
Procurada, a prefeitura do Recife disse que, nos últimos anos, investiu em obras de infraestrutura para eliminar os pontos de alagamento e reduzir o risco de deslizamentos de terra (confira resposta mais abaixo).
Soluções de engenharia
Segundo o presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Pernambuco (CAU/PE), Roberto Salomão do Amaral e Melo, há diversas soluções de engenharia, utilizadas em todo o mundo, que podem ser adotadas para reduzir os impactos causados pelas chuvas. Ele elencou cinco delas:
Jardins filtrantes;
“Renaturalização” das margens dos rios e canais;
Sensores inteligentes em comportas de canais;
Infraestrutura permeável e telhados verdes;
Revegetação, muros permeáveis e drenagem subterrânea nos morros.
Jardins filtrantes
Do que se trata: são canteiros feitos com material permeável que usam a vegetação para absorver, filtrar e purificar a água da chuva, reduzindo a carga sobre o sistema de drenagem.
Onde se aplicam: podem ser construídos não só em espaços públicos, como parques e praças, como em imóveis privados, principalmente em locais abertos perto da rua.
Benefícios: redução do risco de enchentes, melhoria da qualidade da água drenada nos canais e aumento da permeabilidade do solo e da recarga dos aquíferos.
Exemplo no mundo: os jardins filtrantes de Paris.
Em 2024 a prefeitura do Recife inaugurou um “parque alagável”, com esse tipo de tecnologia, às margens do Rio Tejipió, na Zona Oeste da cidade. No entanto, para o presidente do CAU, ele por si só é insuficiente para resolver o problema dos alagamentos.
“Você precisa de muito mais numa cidade como o Recife. É preciso ter um olhar sistêmico, para a cidade como um todo. Não dá para resolver isso pontualmente”, disse Roberto Salomão.
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Parque Tejipió é o primeiro construído com proposta ‘alagável’ no Recife
Prefeitura do Recife/Divulgação
“Renaturalização” das margens dos rios e canais
Do que se trata: são obras para retirar, ao menos parcialmente, o concreto impermeável que cobre as margens de rios e canais, alargar os cursos d’água e recompor a vegetação nativa.
Benefícios: redução da velocidade do escoamento da água e do assoreamento dos rios, aumento da biodiversidade, absorção de poluentes e melhoria da qualidade da água.
Exemplo no mundo: a despoluição do Rio Han, em Seul.
Também há obras desse tipo nas margens do Rio Tejipió. Entretanto, segundo o presidente do CAU-PE, Roberto Salomão, para que o projeto dê resultados em toda a cidade, seria necessário implantá-lo noutras áreas, com a desapropriação e a realocação de comunidades que vivem às margens de rios, córregos e canais — o que exigiria mais investimentos em moradia popular.
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Sensores inteligentes em comportas de canais
Do que se trata: instalação de sensores inteligentes que monitoram o fluxo das águas dos canais, alertando para o risco de transbordamento e fazendo a água escoar automaticamente.
Onde se aplicam: nas comportas de canais que servem para armazenar a água quando o nível de acúmulo sobe drasticamente em dia de chuva, evitando que ela transborde para a rua.
Benefícios: acompanhamento e controle em tempo real do nível das águas dos canais e prevenção de inundações com mais agilidade e eficiência.
Exemplos no mundo: sistemas de monitoramento em canais de Amsterdã e Copenhague.
Hoje o Recife tem duas comportas no canal Derby/Tacaruna, que corta a Avenida Agamenon Magalhães. Elas foram construídas em 1999 para regular o fluxo da maré e impedir — ou ao menos dificultar — que a água invada a via. No entanto, funcionam manualmente e não dão conta dos estragos causados em dias de chuva.
“Temos que atualizar essas comportas, para elas ficarem bem ágeis para abrir e fechar, podemos colocar sensores […] para quem for tomar a decisão poder tomar uma decisão mais acertada. E colocar as bombas. Tem poucas bombas, então tem que aumentar o número”, afirmou o professor Jaime Cabral.
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Comporta do canal Derby/Tacaruna, que corta a Avenida Agamenon Magalhães, no Recife
Reprodução/TV Globo
Infraestrutura permeável e telhados verdes
Do que se trata: uso de cobertura vegetal e pavimentos permeáveis, com microporos que facilitam a absorção de água pelo solo.
Onde se aplicam: na pavimentação de ruas, nas estruturas de prédios e outros imóveis e em canteiros centrais de vias públicas.
Benefícios: melhor infiltração da água no solo, redução da sobrecarga nos sistemas tradicionais de drenagem e diminuição da formação de enxurradas e erosões.
Exemplos no mundo: a infraestrutura verde de Nova York.
Em 2015, o então prefeito do Recife, Geraldo Julio (PSB), sancionou uma lei que institui a implantação de telhados verdes em novas edificações. Porém, ela não costuma ser respeitada e há pouco estímulo para que a legislação seja posta em prática, de acordo com o presidente do CAU-PE.
“A gente até tem uma lei de telhado verde aqui no Recife, só que a gente não estimula. Apesar de ter a lei, ela não é cumprida e tem toda uma mudança de cultura que precisa ter”, disse Roberto Salomão do Amaral e Melo.
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Telhado verde implantado sobre prédio da Escola de Finanças e Administração de Frankfurt
Frank Rumpenhorst/dpa/Picture-Alliance/AFP/Arquivo
Revegetação, muros permeáveis e drenagem subterrânea nos morros
Do que se trata: uso de muros de contenção feitos de concreto permeável, recomposição da vegetação nativa e sistema de remoção da água que se infiltra no solo.
Onde se aplicam: nas encostas dos morros.
Benefícios: redução dos riscos de deslizamento, melhoria da estabilidade do solo, prevenção de erosão, redução dos custos de manutenção e melhor recuperação das áreas atingidas.
Exemplo no mundo: obras de infraestrutura verde na periferia de Medellín, na Colômbia.
Na avaliação de Roberto Salomão do Amaral e Melo, para implantar essas medidas, a cidade também precisa atualizar o Plano Municipal de Redução de Riscos Climáticos e investir na melhoria do sistema de monitoramento e alerta de riscos para a população.
“Está tudo disponível para a gente. O investimento é alto. Mas, se a gente não começar fazer isso de forma sistêmica, dentro da cidade como um todo, a gente sempre vai ficar atrás dos prejuízos”, comentou o presidente do CAU-PE.
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O que diz a prefeitura do Recife
Procurada, a prefeitura do Recife enviou uma nota informando que:
nas áreas planas, investiu na recuperação e na macrodrenagem de limpeza de canais, além de barragens móveis, microdrenagem e eliminação de 21 pontos de alagamento;
está finalizando a primeira etapa da dragagem do Rio Tejipió para solucionar os alagamentos na região;
ainda em 2025 vai começar os estudos para modernizar o sistema de comportas no canal da Avenida Agamenon Magalhães;
desde 2021 investiu R$ 494,5 milhões em obras em áreas de morro na cidade, promovendo 6.231 intervenções e beneficiando diretamente mais de 70 mil pessoas;
do total de obras, 5.918 foram concluídas, incluindo construção de contenção de grandes encostas, recuperação de escadarias e implantação de corrimãos;
a Autarquia de Urbanização do Recife (URB) concluiu 139 obras de contenção definitiva de encostas em toda a cidade, que beneficiaram mais de 20 mil pessoas, totalizando R$ 237,2 milhões em investimentos;
outras 24 intervenções estão em andamento, com aporte de R$ 87 milhões;
serão investidos mais R$ 75 milhões na construção de 15 contenções de barreira no município, por meio do Programa Promorar.
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Sete mortes
Ao todo, sete pessoas morreram em dois dias de chuva forte no Grande Recife. A maior parte delas aconteceu na capital pernambucana. As vítimas foram:
Juan Pablo da Silva Melo, de 21 anos, encontrado submerso numa área alagada na Rua Dom Bosco, no bairro da Boa Vista, no Centro do Recife, com suspeita de choque elétrico.
Um homem de nome e idade não informados, encontrado próximo à estação do metrô Santa Luzia, no bairro da Estância, na Zona Oeste do Recife.
Outro homem de nome e idade não divulgados, achado na ponte no bairro da Vila da Fábrica, em Camaragibe.
Myriam Vitória Amorim da Silva, de 24 anos, vítima de choque elétrico na Avenida Antônio Cabral de Souza, bairro de Nossa Senhora da Conceição, em Paulista.
Maria da Conceição Braz de Melo, de 51 anos, e Nikolle Keli Melo de Souza, de 23, mãe e filha que foram atingidas por um deslizamento de barreira na Rua Córrego da Bica, bairro do Passarinho, na Zona Norte do Recife;
Valdomiro Simões da Silva Neto, de 18 anos, eletrocutado ao encostar na parede de uma casa abandonada em rua alagada.
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Alagamento em dia de chuva no Recife
Reprodução/TV Globo
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