Espécie é comum no país, mas geralmente possui íris vermelho-acastanhadas. Feito inédito requer estudos sobre influência genética. Fêmea de pica-pau-de-barriga-vermelha foi registrada em um condomínio na cidade de Winter Haven, condado de Polk, no dia 27 de março de 2023
Thomas Michel Ambiel
No mundo da observação de aves, cada nova descoberta é uma emoção, mas quando se trata de uma anomalia tão rara quanto íris de cor branca em pica-paus, a notícia é ainda mais empolgante.
Recentemente, dois pica-paus-de-barriga-vermelha (Melanerpes carolinus) com íris brancas foram registrados na Flórida, Estados Unidos, e a história por trás de uma dessas observações tem um toque especial: o jovem observador de aves brasileiro Thomas Michel Ambiel, de 19 anos.
Durante a viagem feita com o pai em 2023, que não teve como foco principal a observação de aves, Thomas se deparou com uma fêmea de pica-pau-de-barriga-vermelha no ninho. Até aí nada de novo, afinal, a espécie é bastante comum na América do Norte.
Ao postar o registro feito na plataforma digital da Bibloteca Macaulay, maior arquivo mundial de mídia animal, o pesquisador Eamon Corbett, do Departamento de Ciências Biológicas e Museu de Ciências Naturais da Universidade do Estado da Luisiana, contatou Thomas e o informou da raridade do registro.
A foto tirada por Thomas foi em um condomínio, na cidade de Winter Haven, condado de Polk, no dia 27 de março de 2023. Há exatos 13 dias antes, um casal havia fotografado um macho em Wildwood, condado de Sumter.
O macho registrado apresentava os dois olhos com íris branca e a anomalia de cor não parecia afetar o comportamento da ave, que estava forrageando pelo local.
Já a fotografia da fêmea, feita pelo brasileiro, permite visualizar somente o olho esquerdo da ave e, portanto, não se descarta a possibilidade de heterocromia, condição em que cada olho possui uma cor ou um dos olhos possui duas cores diferentes.
O registro de Thomas é significativo porque amplia o entendimento sobre a variação na coloração ocular dessas aves
Thomas Michel Ambiel
A coloração anômala dos olhos em aves é um fenômeno raro e intrigante. Normalmente, os pica-paus-de-peito-vermelho têm íris vermelho-acastanhadas, então encontrar um com íris brancas é uma descoberta notável. O registro de Thomas é significativo porque amplia o entendimento sobre a variação na coloração ocular dessas aves.
Acho que a explicação mais provável é que a cor branca seja causada por pigmentos pteridínicos brancos, que normalmente estão presentes, mas escondidos nessa espécie. Nesse cenário, haveria tanto pigmento vermelho-amarronzado quanto branco no olho normal do pica-pau, e uma mutação causou a perda do pigmento vermelho-amarronzado, deixando apenas o pigmento branco. Não sabemos isso com certeza, mas sabemos que olhos brancos em outros pica-paus são causados por pigmentos pteridínicos
No artigo, os pesquisadores explicam que foram revisados 45 indivíduos de pica-pau-de-barriga-vermelha que estão na coleção do Museu de Ciências da Universidade com o intuito de revisitar as cores das íris.
Normalmente, os pica-paus-de-peito-vermelho têm íris vermelho-acastanhadas
parsingphase/iNaturalist
Desses 45 espécimes, 62% foram descritos com combinações de vermelho/vermelho-alaranjado, 53% com marrom/marrom-acastanhado, 37% laranja e 29% “escuro”. Nenhum foi notado com a íris completamente branca.
“Este dois registros foram os dois primeiros dessa anomalia nesse gênero Melanerpes, que é o mesmo do pica-pau-branco, que temos no Brasil, e também de alguns beneditos, como o benedito-de-testa-amarela e o benedito-de-testa-vermelha”, conta Thomas.
Contribuição da ciência cidadã
Pela escassez de dados na literatura e por não haver amostras de indivíduos da espécie com a mesma anomalia em museus, os pesquisadores explicam que ainda não é possível identificar o que levou a essa “aberração na coloração no olho”, podendo ser um traço genético incorreto ou até ser decorrente da alimentação da ave.
De acordo com Corbett, ainda há muito o que a ciência estudar sobre os genes e pigmentos que controlam a cor dos olhos nas aves, mas descobertas como essas são um passo na direção certa.
“O fato de que um pica-pau, que normalmente tem olhos escuros, pode desenvolver olhos brancos sem afetar a cor das penas sugere que pode haver um único gene essencial para adicionar pigmento vermelho-amarronzado ao olho, e que esse gene está de alguma forma defeituoso nesses indivíduos incomuns”.
Por enquanto, os pesquisadores têm apenas fotos e observações, mas eles esperam que algum dia possam obter dados genéticos de aves como essas, com coloração anormal dos olhos, e usar isso para entender o que é diferente nos genomas dessas aves.
Pica-pau-de-barriga-vermelha se reproduz principalmente no leste dos Estados Unidos, indo ao sul até a Flórida e ao norte até o Canadá
woodswoman/iNaturalist
Essa descoberta não só enriquece o banco de dados sobre pica-paus, mas também destaca como o trabalho de observadores amadores pode contribuir para a ciência.
“Seria muito interessante acompanhar esses indivíduos com íris brancas em campo, mas, atualmente, não temos planos para isso. Os observadores de aves podem nos ajudar nessa questão, verificando se o comportamento ou a expectativa de vida deles são afetados pelos olhos incomuns”, ressalta Corbett.
Portanto, se você é um amante das aves ou simplesmente curioso sobre o que a natureza tem a oferecer, lembre-se de que até mesmo as observações mais inesperadas podem revelar novos e fascinantes aspectos da vida selvagem. E, quem sabe, a próxima grande descoberta pode vir da sua própria janela.
O feito considerado raro pela ciência foi publicado na revista Southeastern Naturalist.
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