24 de setembro de 2024

Jovem que morreu após perder bebê no parto em maternidade recém-inaugurada fez 9 consultas pré-natal e marido acusa governo de mentir

Governo acusa Carmen Elisa Emiliano de Assis Silva, de 26 anos, de não ter feito pré-natal, o que é contestado pelo marido e pela secretaria Municipal de Saúde, responsável pelos postos de saúde. Carmen Emiliano, de 26 anos, morreu nesse sábado (21)
Arquivo Pessoal
“Ela estava normal, e eles [governo] estão inventando coisas para se proteger. Mentiram e eu sei a verdade”, disse nesta segunda-feira (23) ao g1 o autônomo Rodrigo Silva, de 31 anos, viúvo da jovem Carmen Elisa Emiliano de Assis Silva que morreu aos 26 anos no Hospital Geral de Roraima (HGR), após perder a segunda filha durante o parto na Maternidade Nossa Senhora de Nazareth, unidade recém reinaugurada pelo governo em Boa Vista.
Rodrigo afirma que o governo tem mentido ao dizer publicamente, por meio de notas da Secretaria de Saúde, de que Carmen não havia feito pré-natal. Ela estava grávida de oito meses e, segundo a secretaria Municipal de Saúde, fez nove consultas durante a gestação, o que refuta a versão do estado e reafirma a posição do marido. A jovem deixou um filho de 7 anos.
“O governo fala que houve problemas no pré-natal. Eu tenho provas de que ela compareceu a todas as consultas do pré-natal, e os médicos sempre diziam que estava tudo bem, tanto com o bebê quanto com ela. Posso levar a equipe ao hospital onde ela fazia o pré-natal, aqui no Jardim Primavera. Os exames estavam todos normais”, disse o marido.
Carmen morreu no último sábado (21), após ficar sete dias internada na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do HGR depois de ser transferida da Maternidade. Ela foi enterrada neste domingo (22) em um cemitério particular em Boa Vista.
Manifestantes questionam o motivo pelo qual a UTI na Maternidade não está funcionando
Samantha Rufino/g1 RR
Ela deu entrada na maternidade na madrugada do dia 14 de setembro, após sentir falta de ar em casa. No mesmo dia, foi submetida a um parto cesariana de emergência, mas a bebê, que se chamaria Alice Eloah, morreu – o marido afirma que chegou a ouvir o choro da filha, já a secretaria de Saúde do governo diz que ela nasceu morta.
“Disseram que ela chegou com eclâmpsia, mas isso é mentira. Ela chegou com dor no peito, e a pressão subiu. Era só uma falta de ar e uma crise de ansiedade”, reiterou o marido.
Sobre o pré-natal, a Sesau informou que no documento oficial para ingresso na Maternidade Nossa Senhora de Nazareth, constam apenas as datas: 30/04, 08/05, 18/07 e 31/07. Disse ainda que “não foi comprovada a realização de exames complementares essenciais para o acompanhamento adequado da gravidez, nem a tipagem sanguínea constava no documento”.
Anteriormente, o governo não havia explicado o motivo pelo qual ela foi transferida da maternidade para o HGR, tendo em vista que na reinauguração da unidade o governador Antonio Denarium disse que no local havia cinco leitos de UTI materna.
“A maternidade antiga não contava com vários serviços, inclusive não tinha UTI materna, agora aqui tem cinco leitos de UTI materna. Antes, quando a mãezinha tinha algumas complicação e o filho estava internado, a mãe tinha que ser transferida para o HGR para fazer o atendimento em UTI. Agora, vai ser atendida aqui junto com o seu filho e vai ter uma recuperação do bebê e do filho mais rápido”, disse o governador no dia 6 de setembro.
Agora, em nota, a pasta disse que por Carmen ter apresentado quadro de AVC hemorrágico e por ser neurológico, a indicação de tratamento é no HGR.
Pré-natal e ida à maternidade
Na nota enviada ao g1, a Secretaria Municipal de Saúde informou que Carmen fez 9 exames pré-natal na UBS Tancredo Neves — três a mais do que o recomendado pelo Ministério da Saúde. Afirmou ainda que Carmen iniciou o pré-natal precocemente com 8 semanas de gestação, conforme preconizado pelo Ministério da Saúde, que visa a captação até a 12ª semana de gestação.
Já a Sesau, responsável pelo atendimento tanto na Maternidade quanto no HGR, divulgou que ser “necessário informar que a paciente não havia feito pré-natal adequado, não realizou exames preconizados pelo Ministério da Saúde e não seguiu o protocolo para mulheres com histórico de pré-eclampsia anterior.”
Revoltado com a situação, o marido fez um vídeo onde mostrou vários documentos referentes aos exames e consultas que a esposa fez ao longo da gestação. Para Rodrigo, a Maternidade é a responsável pela morte da filha e de Carmen.
“Ela estava com medo de ir para a Maternidade e queria pagar por um hospital particular. Ela tinha muito receio de ir para lá. Quando ela foi internada, e eu estava lá, vi que a demora foi muito grande. Ela estava em estado de emergência, mas foi tratada como se fosse um caso normal. Ela gritava de dor, e o medo de perder o bebê só aumentava”, disse Rodrigo.
Rodrigo Silva, viúvo de Carmen Elisa Emiliano de Assis Silva, de 26 anos, mostra os documentos provando que a esposa fez os exames
Reprodução/Redes sociais
Carmen Elisa era filha da artista indígena macuxi Carmézia Emiliano, reconhecida nacional e internacionalmente. Nas redes sociais, ela lamentou a morte da jovem.
“Estou sem entender até agora como uma mulher vai a uma maternidade para voltar com uma criança e nenhum dos dois volta. Deus te guarde minha filha amada, no céu dos nossos ancestrais”, publicou.
Nesta segunda-feira (23), manifestantes se reuniram em frente à Maternidade Nossa Senhora de Nazareth e, com cartazes, pediam justiça para Carmen e para Alice. Os manifestantes falavam em defesa à mulher e questionavam nos cartazes: “e se fosse sua mãe?”.
Manifestantes pedem justiça à Carmen Elisa com placa dizendo: ‘chega de morte’
Samantha Rufino/g1 RR
Morte de esposa e filha
Carmen Emiliano, de 26 anos, morreu nesse sábado (21)
Arquivo pessoal
Rodrigo era casado com Carmen havia 7 anos — mesma idade do filho mais velho do casal. Carmen esperava o segundo filho e já estava com o enxoval completo, casa pronta e tudo preparado para a chegada de Alice.
No dia em que foi à maternidade, a esposa relatava dor no peito e falta de ar. Segundo ele, ela ficou mais de uma hora em uma sala de observação. Depois, ela foi colocada em uma maca.
“Eu implorava para conseguirem uma maca para ela, pois ela estava medicada, mas caindo para o lado. Foi muito angustiante ver aquela situação. Agora a gente fica só com essa dor que não passa”, contou o Rodrigo.
Carmen foi então levada para o leito, onde a situação se agravou. “Não me deixaram ficar com ela; ela ficou com a prima, que depois veio em casa buscar um lençol”.
“A prima me ligou dizendo que ela tinha piorado, mas estava respirando e desacordada por causa do sedativo. A pressão continuava subindo”, relatou o marido.
Em seguida, ela foi intubada ainda grávida. Segundo Rodrigo, o estado da esposa deteriorou após a retirada do tubo, segundo ele, “de forma bruta”.
“Para mim, a situação se agravou por causa da intubação e da retirada do tubo, pois a pressão caiu. E isso tudo aconteceu dentro do maternidade, no leito. Disseram que ela já havia chegado assim, mas é mentira. Tudo piorou após a retirada do tubo”, disse.
Após a retirada dos tubos, os médicos fizeram o parto da bebê. De acordo com Rodrigo, a menina ainda chorou, mas não resistiu e morreu logo ao nascer, ainda no dia 14 de setembro. A causa da morte, de acordo com o atestado de óbito foi falta de oxigênio na placenta, crise convulsiva materna, hipertensão materna grave.
“Eu ouvi dois choros. Breves. Aí acabou, depois passou um tempo, depois demoraram, demoraram, e me deram notícia que… Escutei da sala os choros, tipo, da sala onde ela tava. Eu estava fora. Com certeza não estavam fazendo outra cesárea na mesma sala, pois eu não vi ninguém chegando. É porque eles estão escondendo, eles falam que ela já tava morta dentro da barriga dela. Mas isso aí é tudo mentira”, contesta o pai.
Transferência para o HGR
Para Rodrigo, não ficou claro o motivo pelo qual a esposa foi transferida para o HGR pois ele acreditava que a Maternidade tinha UTI Materna. Ele questiona a decisão.
“Ela foi levada ao HGR. Disseram que precisavam levá-la à UTI, e eu achava que havia UTI na Maternidade. Me despedi da bebê antes de levar minha esposa para o HGR”.
O Hospital Materno Infantil Nossa Senhora de Nazareth foi entregue reformado no último dia 6 de setembro e é chamado de “nova maternidade” pelo estado.
A secretária de Saúde, Cecília Lorenzon, tambéma afirmou na inauguração que as mães não precisariam mais ser levadas ao HGR para receber tratamento intensivo – o que não ocorreu com Carmen.
“Temos ainda UTI materna aqui nessa nossa nova estrutura. Não precisamos mais fazer a remoção dessas pacientes para o HGR. Então, tanto o bebê quanto a mãe poderão ser assistidos integralmente nessa nova estrutura”.
Prédio reformado da maternidade
Governo entrega prédio reformado da Maternidade Nossa Senhora Nazareth, a maior de Roraima
O Hospital Materno Infantil Nossa Senhora de Nazareth foi entregue reformado no último dia 6 de setembro. A maternidade estava em reforma desde 2021 e deveria ter sido entregue no mesmo ano, mas passou por uma série de atrasos.
A unidade ficou conhecida como “maternidade de lona”, pois há três anos utilizava as instalações das tendas do hospital de campanha feito durante a pandemia.
A obra de reforma e ampliação da maternidade custou mais de R$ 40 milhões aos cofres públicos estaduais. A unidade possui uma área de 14 mil metros quadrados e tem 294 leitos de enfermaria, 72 leitos de UTI neonatal e cinco leitos de UTI maternal. Ela tem 13 blocos e sete anexos.
“Antes as mãezinhas que tinha algum tipo de complicação durante o parto tinha que ir para UTI lá no HGR, agora vai ficar na UTI aqui na maternidade, do lado do seu filho”, disse Denarium no dia da inauguração.
Agora o governo pretende continuar a obra do que chamou de ampliação da unidade. O trabalho só deve ser finalizado no dia 28 de julho de 2025.
A ampliação prevê a construção de um bloco com dois pavimentos, sendo um térreo com: três salas de enfermaria obstetrícia com 15 leitos, sala de curativo, sala de acolhimento, três salas para a Unidade de Cuidados Intermediários Convencionais (Ucinco) com 22 leitos, sala para unidade de Terapia Intensiva Neonatal (Utin) com dez leitos e sala de preparo e isolamento.
Manifestantes pedem justiça pela morte de Carmen e da filha, Alice
Samantha Rufino/g1 RR
Nota na íntegra da Sesau
1. A Polícia Civil instaurou um inquérito para investigar os fatos relacionados ao caso, por solicitação da Sesau.
2. A Sesau abriu uma sindicância para apurar as circunstâncias e a conduta no atendimento prestado à paciente.
3. No Cartão da Gestante, documento oficial para ingresso na Maternidade, constam apenas as seguintes consultas e datas: 30/04, 08/05, 18/07 e 31/07. Além disso, não foi comprovada a realização de exames complementares essenciais para o acompanhamento adequado da gravidez, nem a tipagem sanguínea constava no documento.
4. A paciente apresentou um quadro de hipertensão na manhã do dia 13/09, porém somente às 19h43 deu entrada na Maternidade com pico hipertensivo, foi medicada e acompanhada pela equipe médica e às 22h45, entrou em crise convulsiva, sendo estabilizada e encaminhada ao Centro Cirúrgico.
5. Ressalta-se ainda a declaração do esposo à equipe médica da Maternidade, onde ele informou que a “primeira gestação foi interrompida por cesariana devido à pré-eclâmpsia”.
6. Diante do quadro clínico da paciente, o ideal seria o acompanhamento com pré-natal de alto risco, o que não foi realizado.
7. ⁠A paciente foi transferida para a UTI do HGR por ter apresentado quadro de AVC hemorrágico e por ser neurológico, a indicação de tratamento é no HGR.
Nota da prefeitura
A Prefeitura Municipal de Boa Vista informa que a usuária Carmen Elisa Emiliano de Assis Silva foi acompanhada durante todo o seu período gestacional pela equipe de saúde da UBS Tancredo Neves, tendo iniciado o pré-natal precocemente com 8 semanas de gestação, conforme preconizado pelo Ministério da Saúde, que visa a captação até a 12ª semana de gestação.
Informa ainda que o número mínimo de consultas previstas pelo Ministério da Saúde são seis (6), e que a gestante realizou nove (9) consultas ao todo, além de todos os outros procedimentos previstos para o acompanhamento do pré-natal.
Reforça que as informações de prontuário da gestante são pessoais, ficando sob responsabilidade da família.
Leia outras notícias do estado no g1 Roraima.

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