11 de fevereiro de 2025

Júri do Caso Patrícia Amieiro foi adiado após divergência sobre testemunha-chave; entenda o impasse


A Justiça não autorizou o depoimento de um taxista que diz ter visto Patrícia ser retirada com vida do carro. O Ministério Público recorreu da decisão, e agora a definição caberá à 8ª Câmara Criminal. Engenheira está desaparecida desde 2008
Reprodução
A poucos meses de completar 17 anos, o Caso Patrícia Amieiro segue sem uma definição. O Júri Popular que estava marcado para acontecer nesta terça-feira (11) foi novamente adiado após uma divergência envolvendo a participação de uma testemunha-chave no julgamento.
A Justiça não autorizou o depoimento de um taxista que diz ter visto Patrícia ser retirada com vida do carro. O Ministério Público recorreu da decisão, e agora a decisão caberá à 8ª Câmara Criminal. Entenda o impasse na reportagem.
A engenheira Patrícia Amieiro foi morta aos 24 anos, no dia 14 de junho de 2008, quando seguia para sua casa, na Barra da Tijuca, voltando de uma festa no Morro da Urca. O carro em que ela estava foi abandonado na saída do Túnel do Joá com diversas marcas de tiro. Seu corpo nunca foi localizado.
São réus os PMs Marcos Paulo Nogueira Maranhão e William Luís Nascimento, que vão responder por tentativa de homicídio, além de Fábio Silveira Santana e Marcos Oliveira, denunciados por fraude processual.
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Em 2019, Marcos Paulo e William Luís foram condenados a 3 anos de prisão por fraude processual. Já os PMs Fábio e Marcos Oliveira foram absolvidos. Contudo, em 2020, uma nova testemunha do caso se apresentou ao MPRJ e foi ouvida. O depoimento provocou a anulação do primeiro julgamento e a marcação de um novo júri.
Júri sem testemunha-chave
Segundo a família da engenheira, a testemunha é um taxista que estava atrás do carro de Patrícia e teria presenciado a ação dos policiais envolvidos.
Patrícia Amieiro
Reprodução/TV Globo
A família diz que a testemunha afirmou categoricamente, “com riquezas de detalhes”, ter visto Patrícia Amieiro ser retirada do carro ainda viva e que ela ainda mexia os braços quando foi retirada pelos policiais do veículo.
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Na última sexta-feira (7), a Justiça negou o pedido do Ministério Público do Rio (MPRJ) para que a testemunha considerada chave no caso pudesse ser ouvida perante os jurados.
De acordo com a decisão, no caso de anulação de um julgamento, a lei determina que um novo julgamento deve contar com as mesmas provas apresentadas na sessão de julgamento original. É proibida a inovação de prova no segundo julgamento.
“O novo julgamento deve se limitar à apreciação das provas constantes dos autos na data do julgamento original e à oitiva das testemunhas já arroladas anteriormente”, dizia um trecho da decisão do TJRJ.
Especialistas divergem
O g1 ouviu alguns criminalistas sobre a decisão da magistrada de não ouvir a testemunha-chave e que, após recurso do MPRJ, será decidida pela 8ª Câmara Criminal.
Para o advogado Wallace Martins, não tem motivo para a realização de um novo julgamento sem a participação da nova testemunha. O especialista acredita que a juíza errou ao impedir um novo depoimento da testemunha.
“Não há motivo idôneo para uma nova Sessão Plenária sem a presença da nova testemunha. A juíza equivoca-se gravemente ao indeferir seu depoimento, fundamental para o justo julgar do Conselho de Sentença.
“Preferiu se valer das normas do processo civil em detrimento do processo penal, que seria a norma aplicável. Tal decisão certamente será alvo de futuro pedido de anulação, embora esse já seja o segundo Júri”, comentou Martins.
Carro da engenheira Patrícia Amieiro
Reprodução/TV Globo
Já o advogado Igor Carvalho aponta que não há irregularidade na decisão contra o novo depoimento. Segundo ele, a defesa de Patrícia teria perdido o prazo para arrolar testemunhas.
“Não há ilegalidade na decisão da magistrada, uma vez que o processo penal é pautado por regras (daí vem o princípio do devido processo legal). Se a lei diz que o momento para arrolar testemunhas é o momento “x”, a lei deve ser respeitada”.
“Como já houve julgamento, o novo júri deve se pautar (para a acusação) pelas provas já produzidas. Não pode haver inovação probatória. Deve-se levar em conta que se trata de um novo julgamento, mas que deve respeitar limites de provas do julgamento anterior”, analisou Carvalho.
A criminalista Fernanda Baldanza discorda do colega e acredita que o juiz do caso pode sim ouvir novas testemunhas.
“Entendo que se a testemunha é crucial para o esclarecimento dos fatos, a juíza pode ouvi-la com base no art 209 do CPP, ‘o juiz, quando julgar necessário, poderá ouvir outras testemunhas, além das indicadas pelas partes’”, explicou a advogada.
“Considero ainda que o comparecimento da testemunha visual, que tem alto valor probante, não deveria ser indeferida por ser imprescindível ao esclarecimento dos fatos perante o Conselho de Sentença”, completou Baldanza.
Depoimento garantido
Independente de poder ou não ouvir a testemunha-chave no dia do júri, o depoimento do taxista que diz ter visto a ocorrência envolvendo Patrícia e os PMs poderá ser lido para os jurados sorteados para o caso. Isso porque, em 2021, a Justiça acolheu o depoimento da nova testemunha.
Caso Patrícia Amieiro: testemunha diz que policiais tiraram engenheira viva do carro
O taxista disse em depoimento ao Ministério Público que os policiais envolvidos na ação se mostraram desesperados ao perceberem que se travava de uma mulher dentro do carro.
No relato, ao qual o g1 teve acesso, a testemunha afirmou ter ouvido um dos policiais dizer: “Calma, a gente vai resolver”, logo após retirarem Patrícia de dentro do veículo.
A testemunha enfatizou em seu depoimento que os policiais transpareceram desespero ao perceberem que havia uma mulher baleada ao volante. Ele disse que a vítima ainda se mexia e que viu sangue entre o nariz e a boca dela quando seu corpo foi retirado do carro pelos militares.
O taxista disse ter presenciado tudo, desde os barulhos dos tiros, a capotagem do carro e a ação dos policiais, que retiraram o corpo da engenheira do veículo. Ele foi ouvido pela promotora Carmen Eliza Bastos, no Centro do Rio, e seu depoimento já foi anexado ao processo.
Documentos perdidos
Além da polêmica sobre a participação da testemunha-chave no júri, o caso Patrícia Amieiro contou com outra situação envolvendo o taxista que diz ter visto a cena do crime.
Segundo o MP, assim que a testemunha prestou seu depoimento em 2020, o relato dele foi incluído no processo. Contudo, por uma questão de segurança, o termo não contava com o endereço, telefone ou o nome completo da testemunha.
Ainda de acordo com o MP, uma segunda via do depoimento, com a qualificação completa da testemunha, foi enviada para o Cartório do I Tribunal do Júri para ser acautelada. O documento seria necessário para intimar o taxista no futuro, caso fosse necessário.
Recentemente, os procuradores do MP descobriram que o Cartório do I Tribunal do Júri não tinha mais em seus arquivos as informações pessoais da testemunha-chave. Segundo o órgão, faltou “zelo do cartório” com uma informação fundamental para que o taxista fosse novamente intimado a depor.
Em nota, o MP afirmou que vai cobrar providências e “apurar a responsabilização sobre o desaparecimento do endereço e qualificação da testemunha”.
O que dizem os citados
Em nota o Ministério Público informou que em setembro de 2020 “tomou o termo de oitiva da testemunha citada. Por protocolo de segurança, deste termo, que foi juntado aos autos do processo, constaram apenas as iniciais do nome da testemunha, não constando seus dados qualificativos. Uma segunda via, está com a qualificação completa da testemunha, foi enviada para o Cartório do I Tribunal do Juri, para lá ser acautelada”.
“A Promotoria de Justiça está adotando as providências administrativas para apurar a responsabilização sobre o desaparecimento do endereço e qualificação da testemunha, tanto em sede disciplinar como penal e recorrerá nesta segunda-feira (10/02), ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, de decisão que negou no domingo (09/02) o pedido de reconsideração do Ministério Público para que a testemunha-chave do caso Patrícia
Amieiro seja ouvida. A promotoria considera que haverá um enorme prejuízo ao processo caso a testemunha não seja ouvida”.
O Tribunal de Justiça do Rio respondeu ao g1 informando que “no caso de anulação de um julgamento, a lei determina que um novo julgamento deve contar com as mesmas provas apresentadas na sessão de julgamento original. É proibida a inovação de prova no segundo julgamento”.
Já a Polícia Militar informou que os quatro policiais que passarão por um novo julgamento são Marcos Paulo Nogueira Maranhão e William Luís Nascimento, denunciados por tentativa de homicídio, e Fábio Silveira Santana e Marcos Oliveira, que respondem por fraude processual.
Segundo a PM, eles “seguem afastados do serviço externo, realizando funções administrativas, enquanto respondem a um processo que corre no Conselho Disciplinar da Corregedoria da corporação”.
Questionada pelo g1, a PM não esclareceu quando a investigação interna foi aberta e por que ainda não foi concluída.

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