10 de janeiro de 2025

Justiça classifica amamentação como ‘economia do cuidado’ e antecipa progressão para semiaberto de presa com bebê

Decisão inédita, segundo a Defensoria Pública de SP, reduziu em 2 meses o prazo para remição de pena. Amamentação é trabalho materno que ‘qualifica e dignifica a mulher’, defendeu desembargador. Fachada do prédio do Palácio da Justiça de São Paulo
Jesielt
A Justiça de São Paulo determinou a redução do prazo para concessão de progressão do regime fechado para o semiaberto de uma mulher presa considerando como trabalho o período em que ela amamentou o filho recém-nascido em um presídio paulista.
Assim, ela poderá antecipar em dois meses o prazo para migrar de regime. A Defensoria Pública disse que esta é uma decisão inédita no estado de São Paulo.
A decisão da 12ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo ocorreu em abril deste ano, após um recurso da Defensoria. O pedido de remição de pena com base na chamada “economia do cuidado”, pela amamentação, havia sido negado em primeira instância. O conceito trata da contribuição que as mulheres fazem de maneira gratuita no trabalho de geração e manutenção da vida.
A Defensoria sustentava que a amamentação em presídios está inserida em contexto econômico, na forma de trabalho, cabendo a concessão do benefício. O Ministério Público foi contra a concessão. O recurso pedia a extensão da amamentação como economia do cuidado e, consequentemente, classificação como trabalho.
“Por economia do cuidado entendem-se as atividades desempenhadas por pessoas que se dedicam à satisfação das necessidades físicas e psicológicas de terceiros, seja esse cuidado remunerado ou não. No contexto doméstico brasileiro, desenvolvido sob uma estrutura sexista, este cuidado foi deixado majoritariamente às mulheres, responsáveis – quase que exclusivamente – pelos cuidados dos idosos e filhos, como se este cuidado fosse condição do próprio sexo feminino”, disse o pedido.
Regras para remição
A mulher que obteve a decisão favorável do TJ-SP foi presa por roubo em novembro de 2022. Ela foi condenada a 6 anos e 8 meses de prisão, e já cumpriu 2 anos e 8 meses da pena em regime fechado. Neste período, ela deu à luz e amamentou o filho pelo prazo permitido em lei.
A permanência de crianças, sob o cuidado de suas mães, no sistema prisional, é direito previsto na Lei de Execução Penal, que prevê que as penitenciárias femininas sejam adequadas para receber as crianças e suas genitoras. Permite também que mulheres presas fiquem com seus filhos no presídio durante seis meses e possam trabalhar e/ou estudar.
Segundo o Tribunal de Justiça de São Paulo, as remições de pena são concedidas na proporção de 3 dias trabalhados para 1 dia de remição. Então, um sentenciado que tenha trabalhado 90 dias tem o direito de reduzir 30 dias da pena. Assim, a Justiça usou como base os 180 dias de amamentação para calcular, como prevê a lei, que ela possa antecipar em 60 dias a data do benefício de progressão para o semiaberto.
A previsão inicial era 28 de novembro de 2024. Com o deferimento da remição, o prazo foi antecipado para 28 de setembro.
Amamentação como trabalho materno
Segundo o desembargador Mazina Martins, relator do agravo em execução em segunda instância, “não há dúvidas sobre a prioridade que o ordenamento normativo brasileiro dedica às crianças em estágio inicial de desenvolvimento”.
Os magistrados usaram como base o artigo 126 da Lei 7.210/1984, que permite que o condenado que cumpra a pena em regime fechado ou semiaberto “poderá remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da pena”.
Em seu voto, Martins defende que a amamentação é um trabalho materno que “qualifica e dignifica a mulher, a exemplo de todas as outras atividades que, para mulheres e homens, se possam incluir no vasto repertório do artigo 126 da Lei 7.210/1984” e que “amamentar sempre foi, nesse sentido mais elevado, um jeito de trabalhar porque sempre foi também um meio de dividir, de compartilhar, e, mais ainda, um jeito importante de coexistir”.
A decisão também cita outras atividades que permitem remição de pena, como costura manual de bolas de futebol, montagem de antenas, empacotamento de luvas ou leitura de livros, para reforçar a importância do trabalho da mulher ao amamentar o filho, mesmo que encarcerada.
“Ora, se há então uma economia do cuidado é porque, na sua base, certamente subsiste um trabalho do cuidado. Afinal, não se forma economia alguma sem um trabalho de alguém que sustente essa economia. Ou, ainda, não existe economia sem o trabalho conjunto de muitas pessoas que façam e construam essa dada economia”, escreveu.
“A situação específica da mulher encarcerada, e particularmente da criança que dela nasce, justifica e legitima a medida especial aqui reclamada”, completou o juiz.
O julgamento teve a participação dos desembargadores Paulo Rossi e Vico Mañas.
A GloboNews procurou o TJ-SP para verificar se já havia concedido decisões semelhantes, mas o tribunal informou que não é possível fazer um levantamento sobre o assunto.

Mais Notícias