Andrea Góes vive com o irmão em casa doada por construtora, mas não tem posse da área. Custo da operação pode chegar a R$ 2 milhões. Andrea Góes recebeu ordem de despejo pela Defesa Civil do Recife
Reprodução/Instagram
O Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) determinou o despejo de uma mulher que mora há 55 anos no terreno do Edifício 13 de Maio, imóvel abandonado localizado na Rua da União, no bairro da Boa Vista, no Centro do Recife que será demolido. Na decisão, a Justiça também definiu que Andrea Góes, de 57 anos, pague os custos da demolição à prefeitura do Recife, responsável pela ação.
Dona de casa e cuidadora do irmão idoso, que tem uma deficiência, Andrea contou ao g1 que o terreno da casa onde vive foi cedido à família dela pela construtora do prédio na década de 1960. De acordo com o advogado da mulher, o valor da demolição pode chegar a R$ 2 milhões.
“Faz muito tempo que eles fazem de conta que eu não existo. A primeira coisa que eles tinham que ver era se tinha uma família lá, e tem”, disse a moradora.
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O imbróglio do despejo começou em 2019, quando a gestão municipal recebeu autorização para demolir o imóvel. O problema para Andrea Góes é que, para ela deixar a casa, a prefeitura ofereceu um auxílio moradia de R$ 300 e a família não tem outro lugar para ficar.
Em 10 de abril deste ano, o juiz Júlio Olney Tenório de Godoy, da 6ª Vara da Fazenda Pública da Capital, autorizou a desocupação do terreno e deu permissão para a derrubada do edifício. Na decisão, o magistrado também determinou que os custos da demolição fossem repassados para o proprietário da área.
Como a construtora fechou e o engenheiro responsável pelo empreendimento já morreu, Andréa Góes passou a ser considerada responsável pelo terreno no entendimento do Judiciário.
“Entendo que o município tem a responsabilidade pela demolição. Porém, os gastos oriundos do evento da demolição deverão ser suportados pelos proprietários do imóvel ou terceiros que demonstrem vínculo com o mesmo e, no decorrer do processo, possam ser responsabilizados”, afirmou o juiz na decisão.
De acordo com o advogado Rodrigo Couto, como Andréa Góes mora no terreno e reivindica a posse da casa onde sua família mora há mais de 50 anos, a Justiça entende que existe um vínculo entre ela e o prédio — que fica no mesmo terreno —, mesmo sem a dona de casa ter a posse da moradia, nem o registro formal do terreno.
“Sob este prisma, [para o Judiciário] a posse é mais importante do que o domínio. Tenho insistido no processo que, sendo ela pobre, na forma da lei, não deve arcar com quaisquer despesas processuais. Mas isto é matéria de direito e caberá ao juiz decidir no final da ação”, afirmou Couto, que acompanha o caso desde 2015.
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A primeira ordem de despejo foi emitida pela Justiça em 2021, por causa da demolição do prédio, mas de forma temporária. Após alguns meses morando na casa de vizinhos, Andréa e o irmão voltaram para a residência, mas o prédio continuava erguido e a casa dela estava com marcas de vandalismo e abandono.
“A Defesa Civil tinha jogado minhas coisas fora. Eu ligava para a polícia, dizia que estava cheio de marginal aqui dentro, mas ninguém vinha. Vi a hora de haver um incêndio”, disse a dona de casa.
Terreno da casa foi doado na década de 60
A família de Andréa Góes chegou ao local, no Centro do Recife, na década de 1960, quando o padrasto trabalhava como eletricista na construção do prédio na Rua da União.
Ele ganhou da construtora do edifício, identificada no processo como Construtora União, uma área dentro do lote de terra para fazer a própria casa e, assim, poder vigiar a obra. Desde então, a família nunca mais deixou o local, mesmo depois de o projeto ser abandonado pela empresa — que não existe mais.
Segundo informações do processo, o dono da construtora, um engenheiro identificado como Ernani de Souza Leão Pinto, morreu.
Andrea contou que, com o passar dos anos, o padrasto tentou oficializar a propriedade. Com a morte dele, a mãe da moradora continuou tentando obter uma escritura de propriedade e a família também entrou com pedido de posse por usucapião, em 2012.
Entretanto, como o terreno fica em área de Marinha, a dona de casa não teve dinheiro suficiente para quitar os débitos acumulados para regularizar a situação junto à Secretaria do Patrimônio da União (SPU).
Agora, a ordem da Justiça é que Andréa Góes e seu irmão desocupem definitivamente o imóvel, por conta da degradação da construção — que tem risco de cair. Para Andréa, restam neste momento a incerteza sobre onde morar e o medo por não saber quanto tempo ainda ficará na casa onde passou toda a sua vida.
“Vão ficar com a minha casa. Eles não dizem nada, só falam em me colocar para a rua. Já coloquei novamente grade, porta, janela, e agora estou sendo obrigada a sair, deixar toda a minha casa, que em todos esses anos minha família construiu. E vou para rua com R$ 300”, disse a moradora.
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Reprodução/Google Maps
Inicialmente, o prazo dado pela prefeitura foi de 15 dias. No entanto, Andréa também entrou com uma ação por meio da Defensoria Pública para aumentar o prazo e espera receber a garantia de que terá um local para morar com o irmão.
“Não chega uma pessoa para falar e dizer ‘é até tal dia’, nada, não dá nenhuma garantia. Eu estou me acabando, sou eu sozinha para resolver isso. Minha mãe adoeceu de tanto estresse. Morreu de câncer e todo esse estresse”, disse.
Na quarta-feira (14), o TJPE manteve o mandado de desocupação em caráter de urgência, inclusive com permissão de arrombamento de portas, portões e muros.
Desta vez, entretanto, a decisão definiu que a prefeitura do Recife se responsabilize por um plano de realocação seguro para Andrea e o irmão, com condições de acessibilidade para ele e acompanhamento das necessidades básicas da família.
O que diz a prefeitura
Procurada pelo g1, a prefeitura do Recife disse que garantiu à Andrea, desde julho, o auxílio moradia no valor previsto na legislação municipal, o transporte dos móveis e abrigo, caso seja do interesse dela.
Ainda de acordo com a gestão, a desocupação do imóvel foi apontada como necessária num relatório da Secretaria Executiva de Defesa Civil (Sedec) devido ao risco de desabamento do edifício.
“Este risco abrange não apenas a casa ocupada pela senhora Andrea Angelita Goes Alves da Silva, mas todo o perímetro estabelecido pela Sedec, o qual receberá equipamentos de segurança para proteger a vida das pessoas e dos transeuntes”, diz a nota encaminhada pela prefeitura ao g1.
Em relação à última decisão do caso, que coloca a prefeitura do Recife como responsável por garantir uma moradia à família, a gestão afirmou que ainda não foi oficialmente notificada pela Justiça.
A prefeitura também disse também que:
As obras de escoramento precisam ser realizadas com máxima urgência para garantir a segurança dos transeuntes e dos moradores do entorno;
Na segunda-feira (12), equipes da Secretaria Executiva de Controle Urbano (Secon) e da Seduc acompanharam a ação da oficiala de Justiça para notificar Andréa para sair do local, considerado de alto risco;
A primeira decisão judicial determinando a desocupação foi em 2021 e foi, inicialmente cumprida, mas a família retornou ao imóvel;
Embora a manutenção, a recuperação ou a demolição do imóvel sejam de responsabilidade dos proprietários, o município precisou pedir uma ordem judicial para demolir o prédio, devido à dificuldade em “localizar e obrigar os responsáveis a cumprir suas obrigações”;
Após a demolição, cabe à Justiça decidir se a moradora poderá retornar ao imóvel;
Após a demolição do prédio, a Procuradoria Geral do Município (PGM) poderá buscar o ressarcimento dos custos de demolição junto aos proprietários.
* Estagiária, sob a supervisão da editora Juliana Cavalcanti.
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