Caso ocorreu em julho de 2023, quando um servidor público de Sorocaba (SP) comparou o cabelo da advogada Julietta Elizabette com uma vassoura piaçava. Homem foi afastado de suas funções. Servidor trabalhava no atendimento ao público do Fórum Trabalhista de Sorocaba (SP)
Foto: Sreet View/Reprodução
A Justiça realiza, a partir das 13h30 desta quarta-feira (19), a primeira audiência virtual do caso do servidor público que é suspeito de cometer injúria racial com uma advogada, em Sorocaba (SP).
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Julietta Elizabete de Jesus Oliveira Teofilo, de 26 anos, alega que teve seu cabelo comparado com uma vassoura piaçava por Geraldo Baptista Benette, de 72, durante uma reunião da Justiça do Trabalho da cidade, em 27 de abril de 2023.
A audiência será feita por videoconferência. A juíza Daniella Camberlingo Querobim destacou que “a denúncia é clara, objetiva e descreve adequadamente, ainda que de maneira não detalhada, a conduta típica imputada a cada acusado”.
Um dia antes de protocolar a denúncia, em 24 de abril, o Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP) afirmou que o acordo não é socialmente recomendado, já que a instituição deve evitar a utilização de qualquer instrumento de consenso – como acordo de não persecução penal e suspensão condicional do processo -, nos procedimentos investigatórios e processos criminais envolvendo crimes de racismo ou injúria racial.
A defesa do funcionário, em 7 de maio deste ano, negou o crime, defendeu o acordo e disse ainda que o servidor vem passando por tratamento médico, não consegue se alimentar e dormir direito. Além disso, os advogados reforçam que o acusado respondeu sindicância, no qual o crime não teria sido constatado.
O caso tramita na 3ª Vara Criminal de Sorocaba. O servidor foi intimado sobre a audiência na sexta-feira (24). O documento que atesta o recebimento pelo intimado afirma que ele foi rude ao receber a intimação, beirando a grosseria e que se recusou a fornecer e-mail e telefone.
A Comissão da Igualdade Racial, subseção Sorocaba da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), por meio da presidente Rayane Proença, diz que espera a condenação do servidor.
“Com o avanço do processo criminal, nossa expectativa é que o acusado seja condenado e haja perda da função pública. A advocacia continua inquieta perante esse caso, e a sociedade não aceita mais ofensas raciais sendo tratadas como se não fossem crime. A condenação do servidor servirá como punição pelos seus atos, mas também em caráter pedagógico para os demais.”
Entenda o caso
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Arquivo Pessoal
O servidor público, que é da Prefeitura de Sorocaba e está “emprestado”, tem 73 anos. Ele chegou a ser afastado em função da suspeita de injúria racial contra uma advogada. O caso ocorreu durante uma reunião online.
Após a situação, ao g1, a advogada Julietta Elizabette relatou como o caso ocorreu. Ela contou que a sessão faz parte da rotina de trabalho dela, para acompanhar o andamento de processos na Justiça. Na sala virtual, estavam ela e dois servidores do atendimento.
“Eu entrei na reunião e estavam estes dois servidores, uma mulher e um homem. Eu já conhecia os dois, mas neste dia quem me atendia era a servidora. Quando eu liguei minha câmera, a pedido dela, ela elogiou meu cabelo, disse que era bonito. Eu sou uma mulher negra e uso um penteado estilo ‘black power'”, relembra.
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Segundo a servidora, após o elogio, o outro funcionário presente na reunião teria feito um comentário preconceituoso.
“Depois do elogio, eu escutei o homem que estava na sala com ela comentar ao fundo, rindo. ‘Bonito? parece mais uma ‘vassoura piaçava”. No mesmo momento, eu disse que havia escutado o comentário dele e que aquilo era crime”, disse.
Julietta relata que estava acompanhada de uma colega de trabalho no momento da reunião, a advogada Gabriela Bueno Abujamra Lobo, que teria ouvido o comentário e presenciou toda a cena.
Abalada, a advogada procurou ouvidoria do Tribunal do Trabalho da 15ª Região (TRT-15) e relatou o caso, cobrando providências. A Comissão de Igualdade Racial da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Sorocaba acionou o Ministério Público.
De acordo com a presidente da comissão, Rayane Mayara Lucas de Proença, foi solicitado ao MP que peça investigação policial pelo crime de injúria racial e racismo. Além disso, a comissão da OAB também pediu à corregedoria do TRT-15 a penalização administrativa do servidor.
Julietta Oliveira Teofilo denunciou o caso na ouvidoria do Tribunal do Trabalho da 15ª Região, cobrando providências.
Arquivo Pessoal
Servidor foi afastado da função
À época, o TRT-15 informou que o servidor Geraldo Benette respondeu por processo administrativo. O TRT-15 informou ainda que o homem foi afastado das funções de atendimento ao público, sendo transferido para trabalhar em outra área no Fórum Trabalhista.
O TRT-15 também ressaltou que aplica a todos os servidores, inclusive aqueles cedidos por outros órgãos, os princípios e normas de conduta estabelecidos pelo código interno de ética, entre eles, o tratamento respeitoso.
Em 28 de maio, lembrou que o funcionário é da Prefeitura de Sorocaba e está cedido para a Justiça do Trabalho por meio de convênio. Lembrou também que ele foi afastado das funções de atendimento ao público e está respondendo a processo administrativo, “instaurado de forma imediata após recebimento da denúncia e submetido internamente à Comissão Permanente de Disciplina do TRT-15”.
Também à época, a defesa de Geraldo Benette divulgou uma nota informando que ele não praticou qualquer ato de racismo porque não atendeu a advogada no dia. Também disse que o servidor trabalha há mais de 20 anos no atendimento ao público da Justiça do Trabalho de Sorocaba e que nunca houve qualquer tipo de problema com advogados ou jurisdicionados.
Ainda conforme a defesa, o servidor e seu advogado repudiam qualquer ato de racismo.
OAB
A Subseção Sorocaba da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), por sua Comissão da Igualdade Racial, repudiou o “ao ato discriminatório e racista de que foi vítima advogada em pleno exercício de suas funções profissionais por ato de servidor lotado na Justiça do Trabalho”. Confira a nota na íntegra.
“Não se pode pactuar, menos ainda aceitar, que a intolerância travestida de frases ditas supostamente em tom jocoso de pseudo-brincadeira ou “sem a intenção de ofender” (mas, que efetivamente ofendem e injuriam) grassem em ambientes onde o respeito à igualdade deveria orientar postura de quem lá desempenha suas atividades e presta atendimento.
O convívio e o respeito à diversidade são pilares do Estado Democrático de Direito e deve ser aplicado a todos indistintamente. A advogada, até pela natureza das suas atribuições, é a interlocutora, a porta-voz das aspirações daqueles que são ultrajados. O vil e excludente ataque de que foi alvo a profissional consiste, mais, em ataque ao exercício da cidadania.
Até por isso, a Subseção Sorocaba da OAB adotou as medidas cabíveis e reitera sua solidariedade e apoio à advogada inscrita em seus quadros, ressaltando que não admitirá ultraje àqueles a quem representa.”
Crime de Injúria Racial
Em caso de injúria racial, a vítima pode procurar uma delegacia e mover, por si mesmo, um processo contra o agressor, sem a necessidade de ação do Ministério Público (MP).
De acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o crime de injúria racial está previsto no Código Penal Brasileiro e é quando uma pessoa é discriminada pela cor ou raça, usando palavras que ofendam a honra da vítima.
Entenda a diferença entre o crime de injúria racial e racimo
Arte/g1
Ainda segundo o CNJ, o crime de racismo está previsto na Lei 7.716/1989 e ocorre quando o agressor atinge um grupo ou coletivo de pessoas, discriminando uma etnia de forma geral. Nesses casos, só o Ministério Público tem legitimidade para apresentar denúncia contra o agressor.
A lei enquadra uma série de situações como crime de racismo, por exemplo, negar ou dificultar emprego, recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial ou prédios públicos, entre outras. A pena para o crime de racismo é de três a cinco anos de prisão.
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