Antes de ser vice-presidente, Kamala foi promotora, procuradora-geral da Califórnia e senadora. Ela afirmou que, em toda a carreira, sempre trabalhou pelo povo. Kamala Harris defende união dos americanos e alerta para ameaças de Trump à democracia
O Partido Democrata dos Estados Unidos concluiu, na noite de quinta-feira (22), um processo acompanhado com atenção máxima no planeta inteiro. Passaram-se 56 dias desde o debate em que o presidente Joe Biden se mostrou confuso e frágil diante do adversário republicano, Donald Trump. Passaram-se 40 dias desde o tiro que feriu Trump na orelha em um comício. Passaram-se 32 dias desde que Biden desistiu de tentar se reeleger. E o partido fez o que ele pediu: oficializou a vice-presidente Kamala Harris como candidata à Presidência.
Essa cronologia mostra como a campanha será curta para Kamala Harris. Ela tem muitos poucos dias; ela não pode errar. Por isso, a principal missão do discurso de quinta-feira (22) para ela era se apresentar para os americanos que ainda não a conhecem – apesar de ela ser a vice-presidente há quatro anos.
Logo que ela passou a ser a candidata do Partido Republicano, ela passou a atrair um público que não votaria em Joe Biden – negros, jovens e mulheres. Agora, ela quer ampliar essa base. Não só eletrizar os democratas, mas também atrair independentes e republicanos que não pretendem votar em Donald Trump.
Com esse tempo curto, Kamala Harris vinha dizendo para os assessores dela que sabia que a noite de quinta-feira (22) era crucial. Assim, também, como o próximo debate com Donald Trump. Ela se preparou muito. Apareceu na arena em Chicago usando um tom diferente: mais sério e rindo menos do que ela ri nos comícios – um tom mais presidencial.
E ela agradou a muitos democratas. Muitas pessoas que estavam na arena contaram que saíram de lá otimistas e inspirados.
Em quatro dias de convenção, a arena nunca esteve tão lotada. A polícia chegou a fechar o acesso do público temporariamente porque a capacidade máxima tinha sido atingida. Mulheres de branco se destacavam na plateia. A cor representou a luta feminina pelo direito ao voto no século passado. Yolanda, do Arizona, contou que não queria perder a história sendo escrita.
“Ela me faz pensar em quem eu sou, minha origem, de onde eu vim”, contou Jasmin.
Maria, de Rhode Island, falou que é isso que o país precisa.
Ao som da música “Freedom” – “liberdade”, em português -, da cantora Beyoncé, Kamala Harris subiu ao palco. Foi a primeira vez na história que uma mulher negra chegou ali como a indicada para ser candidata à Presidência.
Kamala contou a história de vida dela: a mãe tinha 19 anos quando saiu da Índia para estudar no estado americano da Califórnia, onde conheceu o pai de Kamala, um estudante da Jamaica. Em seguida, a candidata lembrou um episódio da adolescência que a fez ser como é hoje.
“Quando eu estava no ensino médio, comecei a notar algo sobre minha melhor amiga, Wanda. Ela ficava triste na escola e havia momentos em que não queria ir para casa. Então, um dia, perguntei se estava tudo bem, e ela me confidenciou que estava sendo abusada sexualmente pelo padrasto. E eu, imediatamente, disse que ela tinha que ficar conosco. E ela ficou. Esta é uma das razões pelas quais me tornei promotora, para proteger pessoas como Wanda”.
Kamala Harris
Brendan Mcdermid/Reuters
Antes de ser vice-presidente, Kamala foi promotora, procuradora-geral da Califórnia e senadora. Ela afirmou que, em toda a carreira, sempre trabalhou pelo povo.
“Então, em nome do povo, em nome de todos os americanos, independentemente de partido, raça, gênero ou da língua que sua avó fala. Em nome da minha mãe e de todos que já tiveram a sua própria jornada improvável. Em nome dos americanos como as pessoas com quem eu cresci, pessoas que trabalham duro, vão atrás dos seus sonhos e cuidam uns dos outros. Em nome de todos cujas histórias só poderiam ter sido escritas na nação mais grandiosa na Terra, eu aceito sua nomeação para ser Presidente dos Estados Unidos da América”.
Kamala Harris fez um apelo por união:
“Nossa nação, com esta eleição, tem uma oportunidade preciosa e fugaz de superar a amargura, o cinismo e as batalhas divisórias do passado. Uma oportunidade de traçar um novo caminho adiante, não como membros de um partido ou facção, mas como americanos”.
E criticou o adversário republicano, Donald Trump:
“Esta eleição não é apenas a mais importante de nossas vidas. É uma das mais importantes na vida de nossa nação. Donald Trump tentou jogar fora os votos de vocês. Quando ele perdeu, mandou uma multidão armada ir ao Capitólio dos Estados Unidos, onde eles agrediram policiais. Quando políticos do próprio partido imploravam para que ele parasse a multidão e enviasse ajuda, ele fez o oposto”.
Kamala disse que um segundo mandato de Trump pode ser ainda mais perigoso:
“Considere o que ele pretende fazer se lhe dermos poder de novo. Considere a intenção explícita dele de libertar extremistas violentos que agrediram aqueles policiais no Capitólio. A intenção explícita dele de prender jornalistas, oponentes políticos e qualquer um que ele veja como inimigo. A intenção explícita dele de mobilizar nossos militares da ativa contra nossos próprios cidadãos. Considere o poder que ele terá, especialmente depois que a Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu que ele seria imune a processos criminais. Imagine Donald Trump sem grades de contenção e como ele usaria os imensos poderes da Presidência dos Estados Unidos, não para melhorar a sua vida, não para fortalecer a nossa segurança nacional, mas para servir ao único cliente que ele já teve: ele mesmo. Mas, América, nós não vamos voltar para trás”.
Kamala listou as prioridades da plataforma de campanha dela: o aborto e a liberdade reprodutiva – que mobilizou milhares de jovens, não apenas democratas, a votar nas eleições legislativas de 2022 – são algumas das principais. Ela também prometeu cortar o custo de vida e ampliar oportunidades para os menos favorecidos.
Kamala Harris discursou nesta quinta (22), último dia da convenção democrata em Chicago
Kevin Wurm/Reuters
Ao mencionar o tema internacional mais divisivo do momento, Kamala se equilibrou entre afirmar o direito de Israel de se defender, condenar fortemente o massacre perpetrado pelos terroristas do Hamas e lastimar a tragédia vivida pela população civil em Gaza. Disse que ela e Biden estão correndo contra o tempo para chegar a um acordo de cessar-fogo em Gaza.
“Deixe eu ser bem clara: eu sempre defenderei o direito de Israel de se defender e sempre garantirei que Israel tenha a capacidade de se defender, porque o povo de Israel nunca mais deve enfrentar o horror que uma organização terrorista chamada Hamas causou em 7 de outubro, incluindo violência sexual indizível e o massacre de jovens em um festival de música. Ao mesmo tempo, o que aconteceu em Gaza nos últimos dez meses é devastador. Tantas vidas inocentes perdidas, pessoas desesperadas e famintas fugindo para a segurança, repetida vezes. A escala do sofrimento é de partir o coração”.
Kamala disse que não vai se curvar a ditadores e tiranos que, nas palavras dela, estão torcendo por Donald Trump:
“Eles sabem que Trump não responsabilizará autocratas porque ele mesmo quer ser um autocrata. E como presidente, eu nunca vacilarei na defesa da segurança e dos ideais da América porque, na luta duradoura entre democracia e tirania, eu sei onde estou e sei aonde os Estados Unidos pertencem”.
A candidata democrata também apelou para o patriotismo – sentimento que os americanos identificam mais ao Partido Republicano do que ao Democrata.
“Somos os herdeiros da maior democracia da história do mundo e, em nome de nossos filhos, netos e de todos aqueles que se sacrificaram tanto por nossa liberdade, devemos ser dignos deste momento. Agora é a nossa vez de fazer o que gerações anteriores fizeram. Fazer jus à incrível responsabilidade que vem com o maior privilégio da Terra: o privilégio e o orgulho de ser americano”.
Kamala Harris encerrou a convenção pedindo que os apoiadores se mobilizem por todo o país. Os balões caíram e consagraram Kamala Harris candidata do Partido Democrata. A convenção teve clima de festa. Agora, Kamala Harris vai ter que trabalhar pelos próximos 74 dias para transformar esse entusiasmo e energia em votos.