Construção foi revelada pelo g1. Supremo foi acionado por parlamentares do PSOL, que pedem a sua demolição. Nunes disse que a prefeitura ainda não recebeu a notificação. Prefeitura de SP constrói muro de 40 metros de extensão e confina Cracolândia
O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), minimizou nesta segunda-feira (20) que a ação no Supremo Tribunal Federal (STF) questiona a construção de um muro na Cracolândia, no Centro da cidade, e disse achar “lamentável fazer com que um ministro do STF, com tanta ocupação,” tenha que se manifestar sobre o caso.
O comentário foi sobre a determinação de Alexandre de Moraes, na última quinta-feira (16), para que o governo municipal preste esclarecimentos sobre a construção que cerca o local onde usuários de crack se concentram. O prefeito disse ainda que não recebeu a notificação do STF.
O muro, de cerca de 40 metros de extensão e 2,5 metros de altura, na região da Santa Ifigênia, perto da estação da Luz, foi revelado pelo g1 e gerou forte repercussão. Antes, já havia tapumes de metal no local.
Lamentável fazer com que um ministro do STF, com tanta ocupação, seja provocado por uma situação só de discurso político.
Nunes ainda desdenhou da situação e disse que, quando soube da ação, achou “estranho um ministro do STF mandar uma notificação pra um prefeito para perguntar de um muro”.
“Nós não recebemos a notificação do STF. Até na sexta fui questionado e disse que devia ser alguma informação desencontrada. Achei estranho um ministro do STF mandar uma notificação pra um prefeito para perguntar de um muro, e fiquei sabendo pela procuradora que tem instruído lá no STF um processo sobre o tema. Mas até agora não fomos notificados”, afirmou.
Ele acrescentou que, se a prefeitura for notificada, “as respostas, inclusive, já estão prontas. Destacando que aquilo já existia ali”.
Nunes falou sobre o muro na reinauguração do Mercado Municipal, que foi entregue com um ano e meio de atraso.
Ação no STF
Na ação, os parlamentares afirmaram que a construção isola e exclui socialmente as pessoas que vivem na Cracolândia, violando direitos fundamentais da Constituição, ferindo princípios de igualdade, liberdade e acesso a direitos essenciais.
Na quarta-feira (15), a Defensoria Pública de São Paulo recomendou que a prefeitura retirasse o muro e os gradis da área.
Nesta segunda, o prefeito criticou também parlamentares do PSOL, que entraram com a ação pedindo a demolição do muro, e a ONG Craco Resiste, que atua no local. “A gente fez o muro em maio do ano passado, só foram falar agora. É porque eles nem lá vão”, disse.
Ele reforçou a posição da prefeitura de que o muro foi levantado para substituir um tapume e que não existe confinamento no local.
Muro na Cracolândia
Deslange Paiva/g1
Prefeitura constrói muro de 40 metros de extensão na Cracolândia
Relatório da Defensoria de SP chama área de ‘curral humano’
O que diz a Prefeitura de São Paulo
Em cinco notas encaminhadas para o g1, a Prefeitura de São Paulo afirmou que o muro não é para confinamento e proporciona mais segurança aos frequentadores da Cracolândia. (veja as notas completas abaixo)
Na primeira nota, a prefeitura disse que o muro foi levantado para substituir o tapume que havia no local, que era constantemente danificado. “A ação favorece a segurança de moradores, trabalhadores e demais transeuntes.”
Na segunda, a gestão afirmou que a obra foi para melhorar as condições de atendimento às pessoas dentro do fluxo, “favorecendo o trabalho dos agentes de saúde e assistência social, garantindo segurança para as equipes e facilitando o trânsito de veículos.”
Na terceira nota, contestou as informações da reportagem e disse que o muro “foi instalado onde já existiam tapumes de metal para fechamento de uma área pública”. Afirmou ainda que a troca foi realizada para proteger as pessoas em situação de vulnerabilidade, além de moradores e pedestres, e não para “confinamento”. A gestão disse também que fez melhorias no piso da área ocupada;
Na quarta nota, disse mais uma vez que a área, chamada de “Espaço da Saúde” é para melhorar as condições de atendimento às pessoas mais vulneráveis dentro do fluxo.
Na quinta, reiterou que “não há o que se falar em ‘confinamento” e que a extensão do muro de alvenaria “erguido no ano passado, totalizando 40 metros, foi inferior ao de tapumes existentes inicialmente no local.”
O que dizem especialistas
Imagens da Defensoria Pública de SP mostram os usuários colocados dentro da área cercada.
Divulgação/ DP-SP
Para Cristiano Marona, do Conselho Municipal de Políticas Públicas de Drogas e Álcool da OAB, a área delimitada cria uma “estrutura prisional”.
“As pessoas que estão naquele local, apesar de, em tese, terem o direito de liberdade preservado, na prática, elas estão submetidas a um regime quase prisional”, disse.
Na avaliação dele, a justificativa da prefeitura de que se trata de uma medida para viabilizar o trânsito não se sustenta porque já estavam utilizando grades com essa finalidade.
“Ele tem, evidentemente, o objetivo de esconder o que está acontecendo ali. De tornar as violências cotidianas, institucionalizadas, estruturais, que fazem parte do modo como a prefeitura trata essas pessoas, algo invisível para quem não está dentro do muro”, afirma.
Segundo Mauricio Stegemann Dieter, professor da Faculdade de Direito da USP, o cerco criado entre as ruas pode ser “potencial prática de crimes previstos na lei”.
Ele explica que, pelas imagens e relatos, é possível “visualizar uma potencial prática de uma série de crimes previstos no Código Penal e na legislação”.
Essa situação de produzir obstáculos verticais e constrangida permanência de algum cidadão em um espaço pré-definido, sem determinação legal, pode caracterizar, a depender da situação concreta da ação efetiva, as seguintes situações:
constrangimento ilegal;
crime de ameaça;
crime de perseguição;
cárcere privado, embora não seja muito bem delineado pela possibilidade de saída;
abuso de autoridade, que é exigir a obrigação que não está amparada em lei.
“Evidentemente essa é uma situação de flagrante de violação de direitos humanos. O artigo 5º, inciso 2º da Constituição da República diz que ninguém será obrigado a fazer nada, senão em virtude da lei”, afirma.
O professor de direito afirma ainda que, “se há uma obrigação imposta por uma opção estética, uma opção de, enfim, de alegada segurança, mas que não tem amparo em leis, que permita criar miniguetos, também se viola o artigo 5º, inciso 3º, de que ninguém vai ser submetido ao tratamento degradante”.
Evidentemente as fotos mostram uma situação degradante, desumana sendo não só perpetuada pelo poder público, mas imposta por ele.
“No entanto”, emenda, “a responsabilidade penal é somente para indivíduos. Então, em caso de penalidade, haveria responsabilização dos gestores em caso de determinação expressa de ação pelos subordinados ou com conhecimento expresso dessas práticas e omissão”.
Para Thiago Rodrigues, membro do Grupo de Estudos sobre os Novos Ilegalismos e professor da UFF, o muro demostra uma separação das pessoas que são “indesejáveis na sociedade”.
“Os muros são historicamente construções de separação rígida entre quem é desejado e quem é indesejado”, afirma.
Prefeitura de SP constrói muro na Cracolândia
Arte/g1