11 de novembro de 2024

Lesão corporal por acidente de trânsito cresce 21% na cidade de SP entre janeiro e julho de 2024

Segundo dados da Secretaria da Segurança Pública, casos de lesão corporal culposa por acidente de trânsito passaram de 6.915 registros nos primeiros sete meses de 2023 para 8.378 neste ano. Motorista por aplicativo Ornaldo da Silva Viana morreu após ter carro atingido pelo condutor de um Porsche em SP
Reprodução/TV Globo
O número de registros de lesão corporal culposa (quando não há intenção) por acidente de trânsito cresceu 21,16% na cidade de São Paulo nos primeiros 7 meses de 2024 no comparativo com o mesmo período de 2023, de acordo com dados divulgados pela Secretaria da Segurança Pública (SSP).
O levantamento aponta que entre janeiro e julho de 2024 foram 8.378 feridos em acidentes de trânsito. Em 2023, no mesmo período, foram registrados 6.915.
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O mês de julho também registrou aumento na comparação com o ano passado. Foram 1.244 registros de lesão corporal culposa por acidentes de trânsito em julho de 2024. Em julho de 2023, houve o registro de 1.031, o que representa um aumento de 20,66%
Dados da SSP apontam ainda que nos primeiros sete meses do ano o número de homicídios culposos por acidente de trânsito aumentaram 14,95% na capital paulista. Veja abaixo:
De janeiro a julho de 2023: 321
De janeiro a julho de 2024: 355
Aumento: 14,95%
Casos de homicídio doloso por acidente de trânsito também aumentaram nos primeiros sete meses do ano se comparado com o ano passado, passando de 3 para 7.
Mortes e Porsche
Dois casos emblemáticos ocorreram na capital envolvendo carros de luxo.
No final de julho, um motociclista morreu após ser perseguido e atropelado por um motorista de um Porsche amarelo. O condutor, Igor Ferreira Sauceda, está preso.
Já em março, o motorista de um Porsche azul matou um motorista de aplicativo em um acidente na Zona Leste. Fernando Sastre Filho fugiu do local e não prestou socorro. Ele foi preso dias depois.
Estado de SP
Os dados da SSP também apontam que o estado de São Paulo registrou aumento nos registros de lesão corporal culposa por acidente de trânsito, homicídio culposo por acidente de trânsito e homicídio doloso por acidente de trânsito nos primeiros meses de 2024 se comparado com o ano passado. Veja abaixo:
Lesão corporal culposa por acidente de trânsito
De janeiro a julho de 2023: 38.102
De janeiro a julho de 2024: 42.083
Aumento: 10,45%
Homicídio culposo por acidente de trânsito
De janeiro a julho de 2023: 2.108
De janeiro a julho de 2024: 2.448
Aumento: 16,13%
Homicídio doloso por acidente de trânsito
De janeiro a julho de 2023: 6
De janeiro a julho de 2024: 11
Aumento: 83,33%
Reaquecimento da economia, mais veículos na rua
Transito intenso na Avenida 23 de Maio, em São Paulo, na manhã desta quinta-feira (11)
Fábio Vieira/FotoRua/Estadão Conteúdo
O último relatório divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em agosto de 2023, aponta que 392 mil pessoas morreram em sinistros de trânsito entre 2010 e 2019 no Brasil, o que representa um aumento de 13,5% em comparação com a década anterior, de 2000 a 2009.
O objetivo do relatório foi avaliar a mortalidade e a morbidade durante a primeira década de ações para segurança no trânsito após a Assembleia-Geral das Nações Unidas editar, em março de 2010, uma resolução definindo o período de 2011 a 2020 como a “1ª Década de Ação pela Segurança no Trânsito”.
O anúncio foi feito pela ONU para conscientizar os países a adotar medidas concretas para reduzir os alarmantes números de mortalidade no trânsito que contabilizava, em 2009, cerca de 1,3 milhão de mortes por sinistros em 178 países.
Assim, como meta global, a ONU considerou a redução em 50% da mortalidade no trânsito até o final do período. O Brasil se alinhou com os objetivos, mas, de acordo com o relatório, não conseguiu alcançar a meta.
O Ipea, então, analisou essa década. Como 2020 foi atípico em função da pandemia de Covid-19, os pesquisadores optaram por trabalhar com dados de 2010 a 2019, e quando houvesse comparação com a década anterior, o período de comparação seria de 2000 a 2009.
“Em 2010, o Brasil lançou essa meta internamente. O trabalho do Ipea foi comparar os 10 primeiros anos com a década anterior. E observamos que o país não atingiu o objetivo de redução. Aumentou em 13%”, diz o pesquisador do Ipea Carlos Henrique Ribeiro de Carvalho.
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Contudo, Carlos ressalta que, durante o estudo, foi observado que a partir de 2014 a taxa de mortalidade, que é o número de mortes por cada 100 mil habitantes, apresentou queda nos anos seguintes, mesmo o número absoluto de mortes aumentando.
O principal motivo, segundo o pesquisador, foi a crise econômica. Cada vez que a economia cresce, aumenta o trânsito de mercadorias e pessoas nas vias.
“A nossa discussão, então, foi que obviamente tiveram políticas públicas importantes para essa queda [de mortes]. Mas, na verdade, o que mais impactou essa queda da taxa de mortalidade foi a crise econômica que se estabeleceu nos anos de 2014, 2015. A crise econômica impacta a demanda de transporte. Estava caindo porque a atividade econômica estava diminuindo”, destacou.
“O nosso receio, que está se comprovando agora, é que com o reaquecimento da economia as taxas de mortalidade voltassem a crescer em ritmo muito forte. E é o que de certa forma está acontecendo agora no país e refletindo em São Paulo. A economia está reagindo, principalmente no período pós-pandemia. Tem ainda o agravante do transporte por aplicativos, principalmente motos, que está crescendo muito.”
Em 2020, quando terminou a campanha dos dez anos de redução, a ONU lançou novamente o desafio para os próximos 10 anos, que é o de reduzir novamente em 50% o número de mortes em acidentes de trânsito até 2030.
“Mas a gente está vendo que isso está difícil de acontecer porque, no reaquecimento da economia, os sinistros de trânsito com gravidades altas voltaram a crescer e não está tendo nenhuma medida impactante no sentido de mitigar essas mortes. E está aumentando a demanda por serviços públicos de hospitais, já que são mais de 300 mil pessoas com ferimentos graves por ano no país”, diz o pesquisador.
“Temos a preocupação de que essas taxas superem números que a gente observava antes da crise da economia, em 2015.”
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Divulgação/GCM
Segundo Carlos, para que o país consiga atingir a meta até 2030, são necessárias medidas públicas efetivas que tenham impacto nas estatísticas. E isso se reflete no estado de São Paulo.
“Educação no trânsito é fundamental. Campanhas permanentes. Por exemplo, o que está mais matando é sinistro com motociclistas. Hoje, eles respondem por mais de um terço das cerca de 40 mil mortes do Brasil. Isso cresceu bastante da última década para cá. E o que percebemos na última década é que os investimentos nesse grupo de políticas importantes vêm caindo.”
Ainda de acordo com o pesquisador do Ipea, “outro ponto é que tivemos um impacto positivo em políticas no controle da velocidade. Isso teve reflexo diretamente nas estatísticas”.
Ele destaca que os atropelamentos caíram 25% “porque houve política de ampliação das tecnologias de controle de velocidades e houve um boom dos municípios implantarem o controle de velocidade. Mas agora já chegou no limite, parou de investir. Então, você tem que continuar com essa política e controlar a velocidade máxima na legislação”.
E finaliza: “Outro ponto é investimento em infraestrutura de segurança de trânsito. O Brasil parou de investir. A principal fonte de recurso era a Cide, percentual sobre o preço da gasolina que praticamente foi zerado. Acabou esse recurso de investimento em infraestrutura, principalmente para segurança de trânsito”.
Embriaguez e risco de morte 17 vezes maior
O relatório do Ipea também aponta que a alta velocidade, a embriaguez ao volante e distrações, como com o uso de celulares, são alguns dos principais fatores de risco que aumentam a probabilidade de o motorista se envolver em um acidente com morte.
Quando se analisa a causa dos sinistros nas rodovias federais brasileiras, por exemplo, observa-se que a falta de atenção ou reação dos motoristas, motociclistas e pedestres se destacou nas ocorrências da década, sendo 36% de todas as ocorrências.
Além disso, questões comportamentais também estão associadas a grande parte dos sinistros, como desobediência das regras de trânsito (14,4%), excesso de velocidade (10%) e uso de álcool (5%).
Victor Pavarino, sociólogo e oficial de Segurança Viária e Prevenção de Lesões da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e da Organização Mundial da Saúde (OMS), ressalta que a embriaguez aumenta o risco de acidente fatal em 17 vezes. Ele ressalta que mesmo o uso de pequenas quantidades de álcool pode deteriorar funções essenciais para segurança ao volante, como visão e reflexos.
“Especificamente, o risco de sofrer um sinistro fatal no trânsito é 17 vezes maior para uma pessoa dirigindo sob efeito de bebida alcoólica, em comparação com uma pessoa sóbria. No caso de drogas psicoativas, o risco varia conforme a substância. Por exemplo, o risco de sinistro fatal para quem consumiu anfetaminas é cerca de cinco vezes maior do que para quem não as consumiu”.
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Victor ainda explica que velocidades mais altas aumentam a probabilidade de que o condutor perca o controle do veículo e reduzem o tempo disponível para que o motorista possa identificar e reagir a perigos iminentes.
“O excesso de velocidade é um dos principais fatores de risco à insegurança viária no mundo por várias razões. Um ponto importante é que os outros usuários da via podem subestimar a velocidade de um veículo rápido, o que dificulta a prevenção de sinistros”, observa.
“Para ilustrar, a 50 km/h, um carro geralmente precisa de 13 metros para parar, enquanto a 40 km/h, a distância é reduzida para menos de 8,5 metros. Se levarmos em conta o tempo de reação do condutor, que varia entre 1,5 e 4 segundos, a distância total percorrida a 50 km/h pode ser cerca de 8 metros a mais do que a 40 km/h. Portanto, quanto maior a velocidade, menor é o tempo que o motorista tem para parar e evitar um sinistro.”
E complementa: “Em um choque com um carro a 30 km/h, por exemplo, a probabilidade de um pedestre ou ciclista morrer é de 10%. A 40 km/h, essa chance sobe para 30% e, a 50 km/h, para 85%”.
Anonimato e direção agressiva
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Juliana de Barros Guimarães, diretora científica da Associação Brasileira de Psicologia de Tráfego e Conselheira Federal do Conselho Federal de Psicologia, ressaltou ao g1 que as políticas públicas para evitar acidentes de trânsito precisam se atentar que embriaguez ao volante e alta velocidade são condições comportamentais.
“O que ocorre no trânsito é o anonimato, ninguém sabe quem é você. É apenas alguém ao volante de um veículo. Então, se você xingar, buzinar ou fizer algo, você não presta conta no seu olhar social (família, amigos e colegas), a não ser que haja acidente. Sua vida continua mesmo que seja agressivo”, afirma.
E complementa: “Nas outras situações, você tem que se controlar porque têm pessoas te olhando. Já no trânsito tem esse espaço de anonimato que te ‘protege’ e permite que condições de saúde mental que estão te afetando por diversas razões reflitam na condução”.
“O motorista não sente o olhar do outro sobre ele para controlar seu comportamento. Amanhã não será cobrado, a não ser que tenha uma consequência, mas elas nunca acham que vão acontecer. E muitas vezes, se ocorrer consequência, as pessoas fogem, não são identificadas”, diz a psicóloga.
Juliana ainda reflete sobre como as políticas públicas precisam se atentar para a saúde mental dos condutores.
“Cria-se uma lei que manda reduzir a velocidade, mas criam-se veículos cada vez mais potentes, vias mais alargadas e com curvas suavizadas para não frear tanto e propagandas para que o motorista no trânsito receba informações. É a política pública em termos contraditórios. O comportamento humano, na verdade, é o principal fator de risco.”
A especialista destaca que embriaguez ao volante, comportamento agressivo e excesso de velocidade são condições comportamentais. “A gente sabe que 99,9% das pessoas têm conhecimento da velocidade permitida, sabe que não se deve passar no semáforo vermelho e mesmo assim ultrapassam. Isso é uma questão comportamental”, enfatiza.
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A psicóloga ainda afirma que muitos banalizaram o entendimento de que o trânsito é um espaço público, de convívio social. Por isso, é importante um processo de educação que não se limite apenas a campanhas, mas também deixem a legislação mais efetiva.
“Eu diria que temos que focar nas políticas públicas que necessitam de áreas de estudo, trabalho de educação que foque na educação de médio e longo prazo, para que se entenda que o espaço de trânsito é de convívio social que precisa ser respeitado, não é um espaço particular seu, que você paga imposto e pode fazer o que quiser, implica a vida de outrem.”
E complementa: “Eu não acho que precisa de uma legislação mais rigorosa, mas uma aplicação da legislação existente. A legislação vigente não é aplicada corretamente e se não olho para a saúde do condutor nesses espaços, e eu acabo tendo implicações. O condutor tem uma arma, e eu preciso que o estado tenha mais cuidado ao dar a posse dessa arma. O veículo é uma arma pelo número de vítimas que ele causa, não tem como não considerar que é e eu preciso tratar melhor disso”.

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