15 de novembro de 2024

Mãe acusa hospital de negligência em morte de filhos gêmeos no interior do Acre: ‘a gente não sabe a quem recorrer’


Elizângela Freire Cabral teve os filhos prematuramente com 25 semanas e afirma que durante o parto, não teve acompanhamento de pediatra no Hospital da Mulher e da Criança do Juruá, em Cruzeiro do Sul. Caso aconteceu no dia 11 de setembro e mulher já registrou boletim de ocorrência na delegacia geral de Polícia Civil do município e foi ao Ministério Público, porém não obteve respostas. Momentos antes da morte dos filhos, Elizângela escutou os corações dos bebês que não apresentaram alterações
Arquivo pessoal
A acreana Elizângela Freire Cabral, de 38 anos, acusa o Hospital da Mulher e da Criança do Juruá, em Cruzeiro do Sul, no interior do estado, de negligência na morte dos filhos gêmeos logo após o nascimento, com 25 semanas de gestação, no dia 11 de setembro deste ano. O g1 entrou em contato com o Hospital da Mulher e da Criança do Juruá e com a Secretaria de Saúde do Acre (Sesacre), mas não obteve resposta até a última atualização desta reportagem.
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Ela, que é mãe de outros quatro filhos, já tinha tudo preparado à espera dos gêmeos Charleson Bernardo e Thaleson Benício. Ao g1, Elizângela contou todo o processo ocorrido em setembro deste ano. De acordo com ela, que é moradora da Lagoinha, na zona rural de Cruzeiro do Sul, a primeira vez que buscou atendimento no hospital foi no dia 9 de setembro, dois dias antes da morte dos filhos, e relata que não teve assistência médica no momento do ocorrido.
“Quando eu fui, não estava sentindo dor, mas eu já estava com peso na barriga. Como eram gêmeos, tinha que ter cuidado mais específico. Quando cheguei, fui atendida rápida, não demorou. Quando eu fui fazer o exame, estava com dilatação, e a médica me internou na hora”, disse.
De acordo com ela, a médica que estava de plantão no dia informado contou que ela precisaria ficar internada e só iria sair do hospital quando ganhasse os bebês. A médica ainda teria conversado com Elizângela comunicando que iria deixar organizado para acionar o Tratamento Fora de Domicílio (TFD), caso os bebês nascessem e não tivesse incubadora e o hospital não tivesse como receber os bebês.
“Ela pediu ultrassom e, após o exame, ela disse que se os bebês dessem mais de 500 gramas, eles sobreviveriam, só iriam ficar na incubadora, na UTI [Unidade de Terapia Intensiva] neonatal. Até então, estava ciente disso, estava feliz, apesar do medo, mas aliviada, porque eu sabia que ia ter acompanhamento”, explica.
Após esse atendimento, ela teria sido liberada por outro médico para esperar o momento do parto em casa. “Eles não me deram remédio para manter a gravidez, só mantiveram os que eu já tomava e acrescentaram só um pra pressão [arterial]”, complementou.
Bebês já estavam com 25 semanas quando nasceram
Arquivo pessoal
Dia do parto
No dia 11 de setembro, Elizângela amanheceu com dor, foi levada para o hospital para fazer uma nova avaliação e foi constatado que estava com 7 cm de dilatação. Neste momento ela define como ‘uma correria’, e a primeira médica que a atendeu disse que iria buscar incubadoras para os filhos, e não foi mais vista em nenhum momento pela mãe dos gêmeos, segundo ela.
“Fui encaminhada para a sala de parto do plantão, no horário da manhã, e a equipe só dizia que estava providenciando os documentos e os capacetes das incubadoras, porque os bebês precisariam. Pelo menos era o que eles me disseram e para minha cunhada. Foi passando o tempo e só me diziam, para que eu me mantivesse em repouso absoluto, sem fazer nada porque cada minuto dos meus bebês dentro da minha barriga, era importante para eles”, comenta ela.
A mulher relata que, por volta das 18h, informou para a equipe que os bebês iam nascer. De acordo com ela, estava acompanhada do marido, mas não havia ninguém do hospital e então pediu para que o esposo chamasse alguém do local.
“A mulher chegou e eu disse que eles estavam nascendo, mas a mulher que eu acho que é uma enfermeira ou técnica, dizia que não estavam, mas eu sentia que sim. Eu pegava na cabeça de um deles com a mão. Nesse momento, a mulher disse que iria ligar pro médico, pro pediatra, mas eles demoraram muito pra chegar. Ela ainda disse: ‘esse médico não vai vir não?’. A equipe que estava lá não estourou a bolsa, e eles nasceram junto com a bolsa”, explica.
O médico teria chegado ao hospital antes do nascimento dos filhos de Elizângela, porém não a avaliou e não se manteve dentro da sala de parto no momento do nascimento das crianças. Ainda conforme o relato, a mulher que a estava atendendo disse que não podia estourar a bolsa para que não passassem bactérias e nem houvesse infecção nos bebês.
“Tive eles de parto normal, o primeiro nasceu bem. Eu agradeci muito a Deus, porque eu sabia que ele tinha nascido bem, nasceu chorando. Aí, ela levou ele. Eu pensando que ela iria colocar ele na incubadora, no oxigênio, entubar, alguma coisa assim, tomar os cuidados necessários que um prematuro precisa. Só que não foi isso que aconteceu. Fiquei lá com o outro [dentro da barriga], e ela foi e mandou chamar o médico”, relatou.
O primeiro filho de Elizângela foi mantido na mesma sala, atrás de um biombo, não foi encaminhado à encubadora e nem à UTI, nenhum pediatra esteve durante esse momento. O médico ginecologista também não havia aparecido ainda.
“O médico veio porque o bebê não estava coroando. Ela disse que achava que o bebê estava atravessado, que achava que ia precisar levar pra cesárea, ou então, o bebê estava pélvico. Nesse momento ele enfiou a mão dentro de mim e machucou meu bebê tentando virar. Ele só apareceu pra machucar o meu filho. Porque o meu filho estava de pé. Ele [o médico] não virou, não fez nenhuma manobra na minha barriga para o bebê virar. Ele ficou só me tocando, machucando o meu filho, porque o meu filho tava com as pernas pretas, as pernas dele estavam todas machucadas, depois ele saiu e foi embora”, expõe.
Elizângela mostra pernas de bebê, que afirma que foram machucadas por médico
Arquivo pessoal
A mãe dos gêmeos diz que os escutou chorar, porém ela acredita que nenhum dos dois recebeu os cuidados necessários ao nascerem.
“Eles não tomaram os cuidados. O que eles falaram e meu esposo escutou, foi: ‘ah, não, isso aí é aborto’. Não fizeram nada pra tentar ajudar ou salvar os meus filhos. Tipo assim, eles decidiram que eles tinham que morrer, e morreram. Porque se realmente eles quisessem ajudar, tivesse assistência com recém-nascido precisa, meus filhos hoje estavam vivos. Eu ouvi eles chorarem. Eles nasceram vivos”, lamenta ela.
Após a morte
Elizângela também denuncia que logo após a morte dos filhos, não obteve assistência do hospital e não entende como foi feito o atestado de óbito por uma médica que não estava no momento do ocorrido, colocando até mesmo uma hora diferente para a morte.
“Como é que ela atestou isso, se nem lá ela estava? Não fizeram nenhum exame, nada. Só quem estava lá eram os enfermeiros mesmo, porque se ela estava lá, ela era invisível. Em nenhum momento eles vieram conversar comigo para me explicar nada, para dizer que os meus bebês morreram, que eram prematuros, em nenhum momento eles chegaram para conversar comigo”, alega ela.
A mulher evidencia que estava frágil, triste e os profissionais não a ajudaram nem física nem psicologicamente. Além disto, fala também que os bebês foram levados para o necrotério e, no dia seguinte à morte das crianças, uma assistente social apareceu com o atestado de óbito.
Após a morte dos filhos, Elizângela narra que não consegue dormir e que o sonhos de ter os filhos gêmeos nos braços a atormenta a todo momento. “Você sabe o que é você se preparar para aquela gestação inteira, os cuidados que eu tive, o tanto de ultrassom que eu fiz acompanhando eles, o tanto de consulta pré-natal, e vê que seus filhos escapuliram de você, sem ter uma explicação?”, lamenta.
A mãe, que já estava com as coisas de Charleson e Thaleson compradas e o enxoval completo, explica que horas antes da morte, eles estavam bem e o coração havia sido ouvido.
“Tinham ouvido o coraçãozinho deles, e não tinha nenhuma alteração. Todos dois com o coraçãozinho batendo normal. Já fui atrás de vários órgãos, para tentar esclarecer, para me tirar dessa angústia. Não aguento mais”, diz.
Elizângela também revela que ouviu no hospital que, por ter quatro filhos vivos, eles não sentiriam a morte dos dois. “Na hora que eu senti que meus filhos estavam morrendo, eu comecei no desespero chorar, a enfermeira que estava comigo me respondeu: ‘a senhora tem outros filhos, Deus sabe o que faz’, foi o que ela me disse. Como se um filho substituísse os outros”, conta.
Elizângela já tinha carteirinhas de vacinação dos bebês prontas
Arquivo pessoal
Pedido de investigação
Após o ocorrido, a moradora da zona rural procurou a Delegacia de Polícia Civil e registrou um boletim de ocorrência para que o caso seja investigado, o que ela afirma se tratar de negligência médica.
“É muito difícil para mim, a gente não sabe a quem recorrer. A gente apela pra todo lado para tentar esclarecer. Nem o médico, nem as enfermeiras e nem o pediatra chegaram e conversaram comigo. Eu não sei nem que cor é desse pediatra, não sei nem que cor é desse médico que depois atestou o óbito dos meus filhos”, frisa ela.
Ela também procurou o Ministério Público (MP-AC) para que o caso seja investigado.
“Fui na delegacia, fiz boletim de ocorrência, fui no Ministério Público e denunciei, mas está muito lento. Já vai fazer dois meses que isso aconteceu e até então eu não tive resposta. De vez em quando eu vou lá na delegacia, eles só dizem assim: ‘essa semana eu tô chamando todo mundo pra ouvir’. Aí passa uma semana, chego lá e dizem que estão chamando ainda, mas nada de resposta. A desculpa que dão é que tem profissional que trabalha em outro canto e às vezes tá de plantão”, explica.
Elizângela perdeu os filhos gêmeos após o nascimento
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O g1 entrou em contato com a Sesacre na última sexta-feira (8) para saber se há algum posicionamento do órgão acerca da situação. No entanto, segundo a assessoria, eles não obtiveram retorno da equipe médica do hospital sobre o que, de fato, ocorreu durante e após o parto. O contato foi retornado nesta quinta (14), antes da publicação da reportagem, e a resposta foi a mesma. O espaço segue aberto para demais esclarecimentos.
A reportagem também entrou em contato com o delegado Vinicius Almeida de Andrade, responsável pela Delegacia de Polícia Civil de Cruzeiro do Sul, que foi quem abriu o Boletim de ocorrência no dia 16 de setembro. Inicialmente, Andrade informou não saber do caso. Porém, posteriormente, ao receber o registro, informou que o caso foi encaminhado ao delegado Jadson Santos. Até a última atualização dessa reportagem, ainda não foi possível confirmar qual o andamento do inquérito.
Ao g1, o MP-AC informou que recebeu a denúncia e que “requisitou à Polícia Civil a instauração de Inquérito Policial para apurar as circunstâncias do caso”.
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VÍDEOS: g1

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