21 de setembro de 2024

Máfia dos cigarros impede empresas de vender produto legalizado em áreas da Região Metropolitana do Rio

Empresas não conseguem vender o produto em áreas da Baixada, Rio, Niterói e São Gonçalo. Quem desagrada aos criminosos pode pagar com a vida. Máfia dos cigarros impede empresas de vender produto legalizado em áreas da Região Metropolitana do Rio
A atuação da máfia do cigarro no Rio vai além da disputa pelo mercado ilegal. Não satisfeita em falsificar o produtro contrabandeado do Paraguai, para conseguir o monopólio da ilegalidade, a atuação das quadrilhas avança sobre o mercado formal.
Dados atuais da indústria de cigarros mostram que o estado do Rio tem áreas em que o produto legalizado não pode ser vendido.
Só em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, uma das principais fabricantes do Brasil não consegue mais vender os cigarros em 10 localidades.
Em Seropédica, também na Baixada, o cigarro legalizado não chega em 12 localidades.
Na Zona Oeste da capital, a empresa não entra em 21 regiões – de Bangu, Santíssimo, Santa Cruz, Campo Grande, Guaratiba, Jardim Maravilha e Senador Camará.
A máfia também se expandiu para outras cidades da Região Metropolitana, como em São Gonçalo, Itaboraí e Itaguaí.
Mapa mostra áreas da capital onde empresas legalizadas tem problemas para vender cigarros
Reprodução/RJ2
Mercadão de Madureira
O Mercadão de Madureira, na capital, é um dos principais redutos da máfia. Ali a indústria formal ainda entra, com produtos legalizados a baixo custo – R$ 5 reais é o preço mínimo permitido no Brasil – por um decreto do governo federal cigarros não podem custar menos do que este valor – A ideia é desestimular o consumo, já que fumar faz mal à saúde.
As quadrilhas não se importam com isso. A preocupação da máfia é outra: impedir concorrência. Para isso, recorre à violência.
Eralmo Rodrigues Campos foi morto em outubro do ano passado no Mercadão de Madureira.
Segundo o inquérito que investiga a morte, o camelô vendia cigarros contrabandeados havia um ano e meio. O inquérito ainda não foi finalizado, mas outras investigações mostram que a máfia passou a matar quem contrabandeava cigarros do Paraguai e não vendia o produto falsificado.
Situação persiste há 5 anos
Números de 2019 já revelavam o impedimento de empresas legalizadas de vender em algumas áreas do Rio.
No último estudo feito pela indústria formal de cigarro e obtido pela reportagem, mapas já mostravam a reduzida área de atuação.
Na capital, era proibido vender em todo o Complexo de São Carlos, no Estácio. Na Zona Norte, o Morro do 18 e o Complexo do Chapadão eram localidades proibidas.
Em outras regiões, a indústria formal só conseguia vender parcialmente – só chegava em alguns pontos
Como o Complexo do Alemão, da Maré, Manguinhos, Caju, Barreira do Vasco, regiões na Ilha do Governador, além do Pavão-pavãozinho, na Zona Sul.
As empresas admitem que nos últimos anos, a situação piorou.
Especialista aponta pecualiaridades da situação no Rio
Falsificação e contrabando de cigarros são crimes praticados em todo o Brasil. Pesquisa do Ipec do ano passado mostra que os cigarros ilegais chegam a 36% do mercado, ou seja, a cada 100 vendidos no Brasil, 36 são falsificados ou contrabandeados.
Mas o Rio é o único estado do país onde a máfia do cigarro fabrica o produto e tem o domínio sobre o território de venda.
“Isso é uma realidade nacional. Mercados ilícitos são importantes, pressão sobre a polícia e o estado, e o que acontece no Rio é mais agudo por conta da incapacidade das policias em aplicar a lei”, diz o professor e coordenador do programa de pesquisa em segurança da USP Leandro Piquet.
“O problema do cigarro é absurdo, o Rio tem fábrica de cigarro, tem proteção legal para fabricar esses cigarros ilegais, e impedindo a venda pelas empresas legalizadas que pagam impostos. Na ausência de controle e de fiscalização por parte do estado, essas atividades se expandem e controlam territórios. Isso é um fenômeno que não está limitado ao cigarro, mas o cigarro é muito importante desse processo”, acrescenta.
Diferentemente de outros produtos e serviços apropriados pelo crime organizado no Rio – como o transporte alternativo, gás, internet, água, em que cada quadrilha explora a região que domina – o cigarro tem mais uma peculiaridade: a máfia tenta o monopólio sobre esta atividade ilegal seja em área de milícia, com acordos. ou em áreas de tráfico, pagando pedágios.
Como o RJ2 mostrou nas últimas reportagens, os cigarros falsificados pelo grupo estão em mais da metade do estado.
A quadrilha usa de extrema violência para ganhar mercado – com pelo menos 20 mortes nos últimos dois anos – e contam com a colaboração de agentes corruptos do estado.
Essa colaboração aparece em um diálogo entre dois integrantes da quadrilha, entre eles, um policial militar.
“Tu viu na televisão o que que aconteceu? Eu tô achando que vai parar uns dias hein. Prenderam 15 pessoas, o dono da fábrica já tá foragido de novo, entendeu? Eu acho que eles vão ter que trocar a fábrica de lugar mais uma vez igual eles fazem”, diz um deles.
A mensagem é do dia 24 de novembro de 2022. No dia anterior, foi deflagrada a operação Smoke Free, da Folícia Federal.
Nela, o bicheiro Adilson Coutinho Oliveira Filho, Adilsinho, foi apontado como o chefe do esquema. APolícia Federal cumpriu mandados de busca e apreensão em fábricas de cigarro ligadas ao grupo.
Dois dias depois, o mesmo PM relata que a fábrica clandestina já estava funcionando em outro lugar: “Eles trocaram a fábrica de lugar sem falar para ninguém, por causa desse último problema que teve. Aí o que acontece, eles montaram a máquina, mas não montaram direito. Foram montar às pressas, para não parar de produzir”.
Os advogados do bicheiro Adilsinho conseguiram suspender a ação no Superior Tribunal de Justiça. A defesa dele vem negado qualquer ato ilícito.
“Um negócio dessa magnitude exige muita proteção. Tem muita gente ganhando dinheiro com isso. Sem ajuda federal, de polícias federais, não vejo como avançar”, diz Leandro Piquet.

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