5 de outubro de 2024

Maiores jatos cósmicos já registrados são descobertos por astrônomos; entenda

Entenda o que são exatamente esses fenômenos, por que eles vêm de buracos negros e como eles desempenham um papel importante no processo de formação e evolução de galáxias. Ilustração artística do maior sistema de jatos de buracos negros já observado, chamado Porphyrion.
E. Wernquist / D. Nelson (IllustrisTNG Collaboration) / M. Oei
Cientistas anunciaram no último mês de setembro a descoberta dos maiores jatos cósmicos já observados no Universo: fluxos de plasma extremamente energéticos com uma impressionante extensão de 23 milhões de anos-luz.
Para colocar em perspectiva, essa distância equivale a alinhar 140 galáxias como a nossa Via Láctea, uma após a outra.
A descoberta foi realizada por uma equipe internacional de astrônomos usando o telescópio de rádio LOFAR (Low Frequency Array), que utiliza uma rede de antenas distribuídas por vários países europeus
Devido à sua dimensão colossal, a estrutura foi apelidada de “Porphyrion”, em referência a um gigante da mitologia grega que tentou atacar Hera, esposa de Zeus.
Mas o que são exatamente esses jatos, por que eles vêm de buracos negros e como eles desempenham um papel importante no processo de formação e evolução de galáxias? Entenda abaixo.
O que são jatos cósmicos?
Quando um buraco negro “se alimenta”, ele atrai enormes quantidades de matéria que formam um disco ao seu redor, conhecido como disco de acreção.
Em alguns casos, parte dessa matéria é acelerada a velocidades próximas à da luz e é ejetada em direções opostas, criando esses impressionantes jatos de energia que atravessam o espaço.
🌌🌀 RELEMBRE: Um buraco negro é uma espécie de abismo cósmico que suga para si tudo o que se aproxima – a uma determinada distância – dele. Nem mesmo a luz escapa de ser atraída por esses objetos. Por isso que os buracos negros são, de fato, negros. E isso acontece porque a atração gravitacional desses corpos é extremamente forte.
No caso do Porphyrion, esses jatos gigantes foram expelidos de um buraco negro supermassivo localizado em uma galáxia distante que é cerca de 7,5 bilhões de anos-luz da Terra.
E esse sistema de jatos, que é o maior encontrado até agora, se formou quando o Universo tinha aproximadamente 6,3 bilhões de anos, ou seja, menos da metade de sua idade atual de 13,8 bilhões de anos.
Agora a composição exata desses jatos ainda é um grande enigma para os cientistas.
O maior consenso diz que eles são compostos principalmente por partículas leves, como elétrons e positrões (uma espécie anti-elétrons).
Esses componentes são empurrados para frente a velocidades incríveis, tão altas que, de acordo com a relatividade, isso faz com que o tempo passe mais devagar para as partículas que compõem esses jatos. Isso é um fenômeno conhecido como dilatação do tempo.
Imagem capturada pelo telescópio de rádio LOFAR da Europa, mostrando o par de jatos de buracos negros mais longo já conhecido, chamado Porphyrion.
LOFAR Collaboration / Martijn Oei (Caltech)
Como esse jatos se formam?
A formação desses jatos também é um mistério que ainda intriga os cientistas. Basicamente, o material que se aproxima do buraco negro se transforma em um plasma magnético.
E o movimento dos campos magnéticos gera um forte campo elétrico que acelera os elétrons e positrões, criando um efeito “avalanche”.
👨‍🚒É isso que gera os jatos como o da imagem acima, que se projetam em direções opostas, como se fossem os dois extremos de uma mangueira d’água.
“Os jatos se formam quando o material que está caindo em um buraco negro é acelerado a velocidades próximas à da luz e é expelido em direções opostas,” diz ao g1 Martijn Oei, pesquisador de pós-doutorado da Caltech e autor principal do estudo sobre o Porphyrion.
💦 Para visualizar melhor, Oei, pede para imaginarmos uma mangueira que, em vez de simplesmente jorrar água, produz poderosos jatos de plasma cósmico.
Mas nessa caso a diferença crucial aqui é que um desses jatos aponta para o norte e o outro para o sul, criando uma estrutura espetacular no espaço.
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A importância da rotação
Agora para que esses jatos atinjam tamanhos tão impressionantes como o de Porphyrion, Oei explica que o buraco negro deve continuar girando sem desviar seu eixo.
Isso é fundamental, pois qualquer mudança de ângulo poderia espalhar a energia dos jatos em diversas direções, como uma mangueira que se move de um lado para o outro.
E quando um buraco negro se alimenta de matéria durante bilhões de anos, ele pode gerar jatos extremamente poderosos, que produzem uma quantidade de energia equivalente a trilhões de sóis, como é justamente o caso do Porphyrion.
“Um buraco negro em crescimento pode acumular massa suficiente para criar jatos muito maiores ao longo do tempo,” afirma Oei.
O que é um buraco negro?
Vale lembrar que quando qualquer objeto cruza o horizonte de eventos de um buraco negro, ou seja, a “borda” deles, ele não tem mais escapatória.
A gravidade é tão intensa nesse ponto que esse objeto passa por um processo conhecido como espaguetificação: ele é dilacerado pelo campo gravitacional do buraco negro num formato que lembra um espaguete, em formas finas e alongadas.
Isso acontece porque ao centro do buraco negro temos um ponto tão pequeno e massivo que sua densidade chega ao infinito, o que é algo inexplicável pela física e matemática atual.
Esse coração do buraco negro, chamado de singularidade, é onde o espaço e tempo deixam de existir como os conhecemos atualmente.
O coração do radiotelescópio LOFAR (LOw Frequency ARray), composto por dezenas de subestações espalhadas pela Europa, principalmente na Holanda (foto).
ASTRON
Nossa conexão com o cosmos
Outro fator interessante sobre esses jatos é o fato de que eles têm um impacto significativo nas galáxias ao seu redor.
Isso acontece porque o calor gerado por eles pode influenciar a temperatura do meio cósmico, afetando a formação de novas estrelas e galáxias, por exemplo.
Na prática, se o jato estiver ativo em uma fase inicial do Universo, ele pode retardar a formação de galáxias, uma vez que a matéria precisa de temperaturas mais frias para colapsar e se agrupar em estrelas.
Uma das nossas principais descobertas é que jatos tão longos podem prosperar na primeira metade da vida do Universo, enquanto quase todos os jatos longos conhecidos até agora foram encontrados nos últimos bilhões de anos do Universo. Essa observação sugere que os jatos desempenham um papel importante na evolução galáctica durante períodos mais antigos do cosmos.
E o que torna Porphyrion ainda mais especial é o fato de que se reduzíssemos sua dimensão à escala da Terra, o buraco negro que o originou teria apenas o tamanho de uma ameba ou de um grão de areia. Isso significa que, na prática, uma única ameba poderia gerar um jato de energia do tamanho do nosso planeta.
“Esta descoberta nos diz que os buracos negros podem ser fontes significativas de jatos muito maiores do que imaginávamos anteriormente,” acrescenta Oei.
Muito ainda para compreendermos
Para os cientistas, todos esses achados indicam que a dinâmica dos buracos negros mudou ao longo do tempo, e que, no passado, eles eram capazes de produzir jatos extremamente longos devido à maior disponibilidade de gás e matéria ao seu redor.
🔭๋࣭ 🌌 E isso muda bastante o nosso entendimento sobre o Universo, que no seu passado remoto pode ter sido um local onde esses jatos eram mais comuns. Por isso, Oei diz que o futuro da pesquisa sobre jatos cósmicos é bastante empolgante.
Martijn Oei, pesquisador que liderou uma equipe internacional de astrônomos que descobriu o maior par de jatos de um buraco negro já observado.
Caltech
Com novas tecnologias, como o supertelescópio espacial James Webb, ele e sua esquipe espera desvendar mais mistérios sobre como esses jatos são formados e como afetam o Universo ao nosso redor.
“Futuros telescópios serão fundamentais na próxima década para avançar nosso conhecimento sobre esses jatos de buracos negros gigantes, especialmente em períodos anteriores da história cósmica”, conta o pesquisador.
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