O Departamento de Estado dos EUA não esclareceu quais medidas seriam tomadas contra o Panamá. Mulino disse à imprensa que não vê uma ameaça de ação militar nem que o tratado esteja em risco. O presidente do Panamá, José Raúl Mulino (esq.), e o secretário de Estado dos Estados Unidos, Marco Rubio (centro).
Mark Schiefelbein/Pool via Reuters
O secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, advertiu neste domingo (2/2) que o governo norte-americano tomará medidas contra o Panamá se a influência da China no canal não for reduzida.
O principal representante da diplomacia dos EUA se reuniu com o presidente panamenho José Raúl Mulino em uma visita oficial ao país.
De imediato, o governo de Mulino anunciou que não renovará um entendimento assinado com a China em 2017 no âmbito da a Iniciativa Cinturão e Rota, conhecida como a nova rota da seda, um plano estratégico com ramificações geopolíticas e econômicas que é um dos pilares da política externa de Pequim.
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De acordo com a agência de notícias AFP, Rubio informou no encontro que o presidente dos EUA, Donald Trump, sustenta que o Panamá violou os termos do tratado de devolução do canal concretizado em 1999.
Na reunião, “deixou claro que esse status quo é inaceitável e que, na ausência de mudanças imediatas, seria necessário que os EUA tomassem as medidas necessárias para proteger seus direitos sob o tratado”, disse a porta-voz do Departamento de Estado, Tammy Bruce.
O presidente panamenho declarou que o controle do canal não está em discussão.
“A soberania do Panamá não está em questão, isso é muito importante e expliquei isso em detalhes [a Rubio]”, afirmou. “O canal é operado pelo nosso país e assim continuará sendo”.
O Departamento de Estado dos EUA não esclareceu quais medidas seriam tomadas contra o Panamá. Mulino disse à imprensa que não vê uma ameaça de ação militar nem que o tratado esteja em risco.
Em 7 de janeiro, Trump deu sinais de que não vai desistir da ambição de obter o controle da Groenlândia e do Canal do Panamá e que não descartava o uso de força militar ou econômica para assumir o controle nos dois casos.
O Panamá foi, por muito tempo, uma província da Colômbia. Sua independência se tornou realidade em 1903 graças ao interesse norte-americano pelo projeto do canal. Os EUA garantiam que manteriam a independência do Panamá desde que o país concedesse a concessão perpétua do canal. Mas um acordo firmado em 1977 pelo então presidente Jimmy Carter estabeleceu a devolução para mãos panamenhas em 1999.
Embora o canal seja do Panamá, Rubio e Trump argumentam que a China ganhou tanto poder em torno da infraestrutura que poderia fechá-lo em um possível conflito, com consequências catastróficas para os EUA.
Mulino disse em outras ocasiões que não há “absolutamente nenhuma interferência chinesa” no canal.
Na reunião, também foram discutidos temas como imigração e crime organizado.
O Panamá se ofereceu para receber migrantes de outros países, desde que os custos das repatriações de não panamenhos sejam cobertos pelo governo norte-americano.
“Vamos explorar a possibilidade de ampliar o memorando de entendimento que assinamos em 1º de julho com o Departamento de Segurança Interna para articular mais a questão dos repatriados do Darién”, comentou o presidente.
Análise: a linguagem dura de Rubio
Tom Bateman, repórter da BBC News que está na Cidade do Panamá, analisa que a declaração de Marco Rubio, após o encontro com o presidente panamenho, equivale a um ultimato.
É a linguagem diplomática mais dura até agora em um impasse no qual os EUA estão alertando os nações latino-americanas sobre a relação com a China.
Para muitos panamenhos, que têm memórias vívidas da invasão do Panamá pelos EUA durante uma operação militar em 1989, isso provavelmente soará uma escalada acentuada do impasse desencadeado pela promessa trumpista de retomar o controle do canal.
Rubio e Mulino também saíram da reunião de duas horas com diferentes interpretações sobre o que pode acontecer.
Mulino disse aos repórteres que não via uma ameaça séria de força militar dos EUA para retomar o canal, dizendo que havia oferecido conversas para abordar as preocupações de Trump sobre a influência chinesa.
Marco Rubio visita América Central
O secretário de Estado dos EUA visita, além do Panamá, El Salvador, Guatemala, Costa Rica e República Dominicana.
Reuters via BBC
O chefe da diplomacia dos EUA, que é descendente de cubanos, visitará países da América Central e Caribe, com paradas em El Salvador, Guatemala, Costa Rica e República Dominicana.
Sua agenda estará focada principalmente em duas das preocupações fundamentais deste segundo mandato de Trump: o controle da imigração ilegal e o combate ao crime organizado.
Mas, com o Panamá, os interesses dos EUA vão além.
“Estão nos enganando no Canal do Panamá”, disse o republicano fazendo referência às taxas cobradas aos navios norte-americanos, antes mesmo de tomar posse da Casa Branca.
Se isso não mudar, ameaçou Trump, “exigiremos que o Canal do Panamá seja devolvido aos EUA em sua totalidade, rapidamente e sem questionamentos”.
E Trump parece não ter mudado nem um pouco essa posição. Em seu primeiro discurso após tomar posse, reiterou suas aspirações e acrescentou que “maravilhosos soldados da China” estão “operando amorosamente, mas ilegalmente, no Canal do Panamá”.
A estratégica via navegável, responsável por cerca de 5% do volume do comércio marítimo mundial, é administrada pela Autoridade do Canal do Panamá, uma entidade do governo panamenho, e não por soldados chineses.
Empresas chinesas têm uma presença significativa atualmente no Canal do Panamá, tanto pelo volume de carga que transita na via, tornando a China o segundo maior usuário após os EUA, como pelos investimentos significativos em portos e terminais adjacentes ao canal, como os de Balboa e Cristóbal.
Horas antes de embarcar para a Cidade do Panamá, Rubio reiterou que “o presidente Trump está bem claro de que quer administrar o canal novamente”.
Mulino, por sua vez, enfatizou que a soberania do Canal do Panamá é e continuará sendo dos panamenhos.
“Não posso negociar e muito menos abrir uma negociação sobre o canal”, disse.
De acordo com o New York Times, estava previsto que Rubio também se reunisse com o próprio administrador do Canal do Panamá.
Neste fim de semana, ocorreram protestos na Cidade do Panamá contra a visita de Rubio.
EPA via BBC
Histórico do canal
Os EUA construíram o Canal do Panamá no início do século 20 e controlaram seu funcionamento até 1999.
Isso aconteceu depois que o Panamá se tornou independente da Colômbia, com o apoio dos EUA. Washington fomentou as ambições separatistas após a rejeição do congresso colombiano à concessão para a construção do canal, pela qual os americanos haviam oferecido US$ 40 milhões.
O Panamá declarou sua independência em 3 de novembro de 1903, para depois assinar o tratado Hay-Bunau Varilla com os EUA.
Nesse acordo, os EUA se comprometeram a manter a independência do Panamá, enquanto era dada a concessão perpétua do canal, além do domínio da chamada Zona do Canal.
O Canal do Panamá revolucionou o comércio mundial.
Getty Images via BBC
No entanto, as tensões entre os dois países não demorariam a aparecer. Na prática, o Panamá ficou dividido: os americanos e suas famílias viviam em uma zona separada, regida por suas próprias leis, enquanto trabalhavam na obra, inaugurada em 1914.
Essa zona era inacessível para os panamenhos sem uma permissão especial, o que alimentou o ressentimento da população local em relação aos privilégios dos chamados “zoneítas”.
Com o tempo, esse mal estar se traduziu em protestos pela recuperação do controle do canal.
A situação explodiu em 9 de janeiro de 1964, quando estudantes panamenhos tentaram içar sua bandeira em uma escola da zona, mas foram detidos pela polícia americana, o que resultou em uma repressão violenta.
Esse incidente, conhecido como o “Dia dos Mártires”, foi o catalisador para que, mais de três décadas depois, o Canal do Panamá fosse finalmente transferido para o Panamá.
Após longas negociações, em 7 de setembro de 1977, com a assinatura do presidente dos EUA, Jimmy Carter, e do líder panamenho, general Omar Torrijos, ambas as partes assinaram o acordo.
Foi estabelecido que a soberania da Zona do Canal ficaria sob a legislação do Panamá e que a transferência do controle do canal para o país centro-americano ocorreria em 31 de dezembro de 1999.