20 de setembro de 2024

Marco Temporal: lideranças indígenas abandonam mesa de conciliação no STF

Comissão especial foi criada no STF para chegar a acordo sobre a tese, após impasse entre Poderes. Indígenas, no entanto, alegam que direitos fundamentais são inegociáveis e não há paridade de debate nas discussões. Audiência de conciliação no STF
Gustavo Moreno/STF
A Articulação dos Povos Indígenas (Apib) decidiu se retirar da comissão no Supremo Tribunal Federal (STF) que busca uma conciliação sobre o uso da tese do marco temporal para a demarcação de terras indígenas.
A medida foi tomada por lideranças dos povos originários nesta quarta-feira (28). No texto, lido pela representante Maria Baré, a associação informa que deixará as discussões porque entende que seus direitos são inegociáveis e que não há paridade no debate.
O objetivo do encontro promovido pelo STF é promover o diálogo por conta do impasse entre os Poderes.
Em setembro do ano passado, o Supremo decidiu que a tese é inconstitucional, mas o Congresso Nacional aprovou uma lei que consolidou o marco temporal na legislação. Em seguida, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vetou os trechos, restrição que acabou derrubada no Legislativo (relembre abaixo).
🔎O marco temporal define que indígenas só podem reivindicar a demarcação de terras que eram ocupadas pelos povos originários no momento da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988.
A associação que representa os interesses dos povos indígenas, no entanto, decidiu deixar a mesa de discussões nesta segunda sessão, sob argumento de que “qualquer negociação sobre direitos fundamentais já seria, a princípio, inadmissível”.
“O Brasil pega fogo hoje, de Norte a Sul, de Leste a Oeste, e são os indígenas que têm as respostas e as chaves para combater a emergência climática. Nesse sentido, nós, povos indígenas do Brasil, com a Apib nos retiramos dessa mesa de conciliação”, diz o texto lido pela representante.
Indígenas de todo o país fazem marcha contra o marco temporal na Esplanada dos Ministérios
Fora da reunião, Mauricio Terena, jurista Apib, defendeu à imprensa que “não dá para se fazer conciliação aos moldes tradicionais com povos que não têm a mesma lógica”.
“Acontece, ao meu ver, que o Congresso, num nítido revanchismo à decisão do Supremo Tribunal Federal, provoca esses projetos de lei que o Supremo vem discutindo”, afirmou.
“É importante que o Supremo, com um missão institucional desses Três poderes, tem o dever de proteger as minorias e nós acreditamos nisso, que ele vai se atentar a essa questão — que é uma questão constitucional do nosso país”.
Além de abandonar as discussões, a Apib entrou com uma ação no STF solicitando o encerramento das atividades da comissão de conciliação.
Negociações no STF
Esta é a segunda audiência de conciliação sobre o tema no STF, convocada pelo ministro Gilmar Mendes.
O magistrado é relator de ações protocoladas pelo PL, PP e Republicanos para manter a validade do projeto de lei que reconheceu o marco temporal como requisito para a demarcação de terras indígenas.
A comissão conta com representantes da Apib, do Congresso Nacional, do governo federal, dos estados e municípios e dos autores das ações (partidos políticos e associações).
O que dizem os principais atores dos processos
Os indígenas são contrários ao marco legal. Argumentam que o critério de ocupação no dia 5 de outubro de 1988 não é preciso.
Isso porque alguns povos são nômades e podem estar ligados a uma terra, mesmo não a habitando naquela data específica. Eles explicam também que a ditadura retirou muitos povos de suas terras históricas.
A bancada ruralista no Congresso, no entanto, defende o marco legal. Os parlamentares temem que, sem esse entendimento, terras hoje em mãos do agronegócio podem ser demarcadas como territórios indígenas.
Histórico
Em setembro do ano passado, o Supremo julgou inconstitucional a tese do marco temporal. Concluiu que a demarcação das áreas dos povos tradicionais independe de ocupação da região na data da promulgação da Constituição.
Em uma reação à decisão da Corte, o Congresso Nacional aprovou uma lei fixando a ocupação da terra no momento da promulgação da Constituição como um requisito para a definição da área dos indígenas — ou seja, consolidou o marco temporal na legislação.
No fim de 2023, partidos e associações entraram com ações no Supremo. Os favoráveis à regra pediram que a o tribunal confirmasse sua validade; os contrários, que ela fosse declarada inconstitucional.
Em abril deste ano, o ministro Gilmar Mendes, relator destes pedidos, suspendeu a tramitação de todos os processos judiciais sobre o tema que tramitam nas instâncias inferiores do país.

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