Cerca de 620 mil atingidos, incluindo municípios, igrejas e empresas, reivindicam R$ 260 bilhões em indenizações. Estrutura rompeu em 2015, causando 19 mortes e destruição de comunidades. Representantes da comunidade indígena dos Krenak, atingidos pela tragédia da Samarco em Mariana, durante julgamento na Justiça inglesa
Divulgação/Matthew Pover
O processo movido na Justiça inglesa por atingidos pelo rompimento da barragem de Mariana, na Região Central do estado, entrou na segunda semana de julgamento. Comunidades, municípios, igrejas e empresas reivindicam mais de R$ 260 bilhões em indenizações da BHP Billiton, uma das controladoras da Samarco, com antiga sede em Londres, na Inglaterra.
A primeira testemunha a prestar depoimento no caso foi o ex-vice-presidente da BHP e ex-diretor do conselho da Samarco, Christopher Campbell. Durante interrogatório nesta segunda-feira (28), ele admitiu que a exploração da estrutura era um negócio bastante lucrativo.
“Ela produzia um bom fluxo de caixa”, afirmou Campbell ao responder perguntas do advogado das vítimas, Alain Choo Choy.
O ex-dirigente ainda disse ao tribunal que havia “bom alinhamento” nos interesses das três empresas — BHP, Vale e Samarco — e que só se lembrava de um desentendimento sobre uma decisão administrativa.
“Não me lembro de ter visto divergência de interesses entre os diretores da Vale e da BHP ou, de fato, entre os acionistas da BHP e da Vale […]. Na época em que eu estava no conselho, não vi nenhum desalinhamento além da questão potencial do P4P. Portanto, não observei uma posição em que houvesse uma decisão tomada pelos diretores no melhor interesse da Samarco que pudesse ter sido diferente do que eles preferiam como acionistas. Não vi nenhum desalinhamento [de interesses]”, relatou o executivo.
Segundo o escritório Pogust Goodhead, que representa os autores da ação, P4P refere-se ao projeto da Samarco de iniciar a produção de uma quarta usina de pelotização, o que está ligado à expansão da barragem antes de seu colapso, pois a unidade criou uma necessidade de aumentar a capacidade de armazenamento.
Apesar do desastre, a testemunha descreveu a equipe de gestão como “competente”, com “bons engenheiros de mineração”.
“Todas as indicações que vi foram de uma equipe de liderança que entendia de segurança”, reiterou o gestor.
Campbell passará por mais um interrogatório nesta terça (29). Outros executivos da BHP também serão interrogados nas próximas três semanas de audiência.
Primeira semana de julgamento
Na primeira semana de julgamento, o advogado dos atingidos afirmou à corte inglesa que as decisões na Samarco só podiam ser tomadas com acordo conjunto entre acionistas da BHP e da Vale.
“A participação direta e o envolvimento da BHP em orientar, controlar e influenciar a Samarco, ou seja, na diretoria executiva e em todos os aspectos significativos das operações da Samarco, são igualmente relevantes e impactantes”, afirmou Alain Choo Choy.
A defesa também alegou que a multinacional anglo-australiana sabia, pelo menos três anos antes do colapso, que a Vale estava despejando 1,3 milhão de toneladas de rejeitos de mineração na barragem anualmente e, mesmo assim, decidiu manter o contrato.
“A decisão da BHP, que foi executada, era que a Vale continuasse despejando seus resíduos até o colapso da barragem. Milhões de toneladas de rejeitos da mina Alegria foram despejados atrás da barragem. A BHP aprovou esse arranjo, mesmo sabendo que era inseguro e antieconômico para a Samarco”, disse o advogado.
Alain Choo Choy ainda declarou que a BHP orientou seus representantes a não “forçarem” a suspensão do contrato com a mineradora brasileira por causa da “alta dependência” em relação a ela, além de ter aprovado planos para aumentar a altura da barragem, com o objetivo de comportar o despejo de rejeitos.
“Até onde sabemos, foi assim que a BHP lidou com o uso da barragem pela Vale para despejo dos rejeitos da mina Alegria. Eles permitiram que isso acontecesse, pois era conveniente para os objetivos maiores de crescimento da Samarco de que a BHP desejava se beneficiar”, destacou Choo Choy.
Outros pontos discutidos na primeira semana de julgamento:
O Pogust Goodhead alegou que a BHP propôs uma ação paralela no STF brasileiro com o intuito de retirar os 46 municípios do processo na Justiça inglesa, sob a justificativa de que isso representa uma ameaça à soberania judicial do Brasil.
“Afirmamos que os municípios não têm capacidade, de acordo com a Constituição Federal do Brasil, para ajuizar ações em tribunais estrangeiros. Afirmamos que, se estivermos certos em nossa alegação, então as reivindicações dos municípios não podem ter êxito perante este tribunal”, sustentou o advogado da BHP.
De acordo com os advogados dos atingidos, o financiamento dessa ação pelo Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) foi uma tentativa “vexatória” e “opressiva” da BHP de “interferir” no julgamento em Londres.
A BHP negou à Justiça britânica que seja responsável pelo colapso da barragem de Fundão, em Mariana, alegando que não teve nada a ver com as operações no Brasil.
Serão 12 semanas de depoimentos, sustentações orais, apresentação de evidências e testemunhos de especialistas. No dia 5 de novembro, a tragédia, que deixou 19 pessoas mortas, destruiu comunidades e contaminou o Rio Doce, completa nove anos.
Ação bilionária sobre rompimento de barragem em Mariana é julgada em Londres
Embate judicial
O processo corre desde 2018, mas, somente em julho de 2022, a Justiça inglesa decidiu julgar a ação. Os atingidos, incluindo municípios, comunidades indígenas, igrejas e empresas, reivindicam cerca de 36 bilhões de libras esterlinas em indenizações, o que é equivalente a aproximadamente R$ 266 bilhões.
A defesa das vítimas alega que a BHP tinha conhecimento dos riscos de rompimento da barragem e, como acionista da Samarco, deve responder pelos danos causados.
Vista aérea de Bento Rodrigues após o rompimento de barragens de rejeitos da mineradora Samarco
Ricardo Moraes/Reuters
Veja o cronograma previsto para o julgamento, segundo o escritório de advocacia Pogust Goodhead:
21 a 24 de outubro: declarações iniciais de ambas as partes;
28 de outubro a 14 de novembro: interrogatório das testemunhas da BHP;
18 de novembro a 19 de dezembro: oitiva de especialistas em direito civil, societário e ambiental brasileiros;
20 de dezembro a 13 de janeiro: recesso;
13 a 16 de janeiro: oitiva de especialistas em questões geotécnicas e de licenciamento;
17 de janeiro a 23 de fevereiro: preparação das alegações finais;
24 de fevereiro a 5 de março: apresentarão das alegações finais.
De acordo com a defesa dos atingidos, a expectativa é que a sentença seja proferida em meados de 2025.
Se a BHP for condenada a pagar indenizações, a Vale, acionista brasileira da Samarco, vai arcar com metade do montante. Em julho, as duas companhias fecharam um acordo em relação às ações judiciais em curso na Europa e combinaram que, em caso de condenação em qualquer um dos processos, vão dividir igualmente entre si os valores devidos.
Além da ação no Reino Unido, ajuizada contra a BHP, há uma em andamento na Justiça holandesa, em que a Vale é a ré — nesse caso, os atingidos pedem mais de R$ 18 bilhões em indenizações.
Em nota, a BHP afirmou que “refuta as alegações acerca do nível de controle em relação à Samarco, que sempre foi uma empresa com operação e gestão independentes” e “continua com sua defesa na ação judicial no Reino Unido, que duplica e prejudica os esforços em andamento no Brasil”.
A empresa disse também que a Fundação Renova, criada para a reparação dos danos causados pela tragédia, já destinou mais de R$ 37 bilhões às ações.
A Vale afirmou que “entende que o caso parece lidar com questões já abarcadas no Brasil, seja por processos judiciais, seja pelo trabalho de reparação realizado pela Fundação Renova”.
Acordo no Brasil
MAB acompanha julgamento da BHP Billiton
Isis Medeiros
Enquanto o caso é julgado pela Justiça inglesa, a Samarco, a Vale, a BHP e o governo brasileiro fecharam um termo de reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem da Samarco.
O valor total do acordo é de R$ 170 bilhões, que incluem R$ 38 bilhões já gastos em medidas de recuperação executadas desde a tragédia, há quase nove anos.
Veja como serão aplicados os R$ 170 bilhões do novo acordo de Mariana
Relembre
Rompimento de barragem em Mariana em 2015
AFP PHOTO / Douglas Magno
A barragem de Fundão, da Samarco, rompeu em Mariana no dia 5 de novembro de 2015.
Cerca de 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração destruíram comunidades e modos de sobrevivência, contaminaram o Rio Doce e afluentes e chegaram ao Oceano Atlântico, no Espírito Santo. Ao todo, 49 municípios foram atingidos, direta ou indiretamente, e 19 pessoas morreram.
Até o momento, ninguém foi responsabilizado criminalmente pela tragédia. Os réus — Samarco, Vale, BHP e VogBR, consultoria que atestou a estabilidade da barragem e sete pessoas físicas — foram interrogados em novembro de 2023, mas ainda não houve sentença.
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