Governo russo tem conseguido manter estabilidade econômica com subsídios e mirando comércio asiático para fugir das sanções do Ocidente. Cenário pode mudar rápido, mas deve durar a tempo de o presidente se reeleger. Vladimir Putin durante sessão de perguntas e respostas com o público, em 14 de dezembro de 2023
Alexander Zemlianichenko/Pool via REUTERS
Produtos básicos importados, como frutas, café e azeite, e artigos de luxo tiveram seu preço disparado na Rússia. A maioria das marcas globais desapareceu – ou reencarnou como equivalentes russos. Muito mais carros chineses estão circulando pelas ruas da capital Moscou.
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Fora isso, pouco mudou economicamente para a maioria das pessoas na Rússia dois anos após o início da Guerra na Ucrânia, nem mesmo com as sanções do Ocidente.
Essa sensação de estabilidade é um trunfo fundamental para o presidente russo, Vladimir Putin, orquestrar sua vitória pré-determinada nas eleições da Rússia, que acontecem de 15 a 17 de Março.
Caso reeleito, como previsto, Putin terá seu quinto mandato de seis anos de duração.
A inflação está mais alta do que a maioria das pessoas gostaria, acima de 7% – acima da meta de 4% do banco central. Mas o desemprego é baixo e a economia deverá crescer 2,6% este ano, segundo o Fundo Monetário Internacional, o dobro da previsão anterior. Isto está muito acima da expansão de 0,9% prevista para a Europa.
“Existem dificuldades, é claro, mas elas estão mais relacionadas com a situação geral no mundo”, disse à agência de notícias Associated Press o russo Andrei Fedotov, 55 anos, que caminhava pela avenida comercial central da Rua Tverskaya, a poucos quarteirões do Kremlin, em Moscou.
Os preços mais elevados “me incomodam, é claro – como qualquer consumidor, vejo eles subirem”, disse Fedotov, que trabalha na área da educação. “Tem a ver com os tempos em que vivemos e que irão passar.”
A gestora de marca Irina Novikova, 39 anos, mostrou-se otimista apesar dos preços mais elevados nas lojas: “Apareceram mais produtos nacionais, mais produtos agrícolas. E agora estamos olhando mais para nossos amigos chineses”.
Putin tem tentado driblar os enormes gastos na guerra da Ucrânia e a inflação alta com manobras na economia. Uma delas é um programa de apoio a pessoas que querem comprar apartamento com hipotecas subsidiadas e, em troca, garantindo impulso e investimento do setor da construção.
Outro dos principais apoios dessa equação reside na Crimeia, a península ucraniana anexada por Moscou em 2014. Após conquistar a região — em uma anexação não reconhecida pela grande maioria dos países do mundo — a Rússia sofreu uma série de sanções de alimentos provenientes da Europa que deixou de poder importar.
Autossuficiência
Com isso, o setor alimentício do país aprendeu a ser mais autossuficiente.
Já as importações paralelas, através de países como a Geórgia, o Cazaquistão ou o Uzbequistão, permitiram que russos com mais poder financeiro continuassem a comprar produtos ocidentais – desde tênis a celulares e automóveis.
Um BMW SUV, por exemplo, ainda está facilmente disponível no país, embora pelo dobro do preço na Alemanha. A Ikea, gigante sueca de móveis para casa, fechou as suas 17 lojas russas, mas os seus móveis e bens domésticos podem ser comprados online.
Desafios
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Não que não haja tensões na economia. As empresas enfrentam escassez de mão-de-obra depois de centenas de milhares de homens terem deixado o país após o início dos combates na Ucrânia para evitar a mobilização, e centenas de milhares de outros terem assinado contratos militares.
Entretanto, as exportações de petróleo da Rússia transferiram-se da Europa para a China e a Índia devido aos boicotes dos aliados da Ucrânia.
Para evitar sanções, a Rússia teve de desembolsar milhões para comprar uma frota paralela de petroleiros envelhecidos. E também perdeu o seu lucrativo mercado de gás natural na Europa depois de cortar a maior parte do seu fornecimento de gasodutos.
A indústria automobilística foi dizimada depois que fabricantes estrangeiras como Renault, Volkswagen e Mercedes se retiraram.
No entanto, a China substituiu a União Europeia como principal parceiro comercial da Rússia, e os veículos chineses rapidamente dominaram metade do mercado automóvel no ano passado, de acordo com a Ward’s Intelligence.
“A economia desempenha um papel muito importante em todas as eleições de Putin”, disse Janis Kluge, especialista em economia russa do Instituto Alemão para Assuntos Internacionais e de Segurança. “Para a maioria dos russos, que optam por ignorar a guerra, a economia é realmente o maior problema.”
A estabilidade económica “é um sinal que Putin pode usar em relação às outras elites de que ainda é capaz de mobilizar as massas. E para isso, tem que ser genuíno e não apenas um número manipulado”, disse Kluge.
Mas um grande aliado de Putin para perpetrar-se no poder é o pouco conhecimento da população sobre a economia. O Produto Interno Bruto (PIB) continua a ser “um número abstrato” para as pessoas comuns, e a taxa de câmbio do rublo é apenas um símbolo, já maioria das pessoas não pode viajar, e há menos produtos importados.
Kluge disse que o fator-chave para a reeleição de Putin é a capacidade da Rússia de continuar a exportar petróleo e gás natural para novos clientes na Ásia. Enquanto o preço do petróleo se mantiver, a Rússia poderá manter o seu elevado nível de gastos nos programas militares e sociais “indefinidamente”, disse o professor.
Futuro incerto
A longo prazo, no entanto, as perspectivas da economia são mais incertas:
A falta de investimento estrangeiro limitará novas tecnologias e produtividade;
O financiamento do governo à compra de imóveis poderá exceder a capacidade do Banco Central de gerir a inflação.
O principal risco para a estabilidade atual é uma queda acentuada no preço do petróleo, atualmente negociado em torno de US$ 70 (R$ 348) por barril pela mistura russa dos Urais — graças, em parte, às sanções e aos boicotes, isso representa um desconto em relação aos cerca de US$ 83 (R$ 413) do petróleo Brent, referência internacional.
Mas, por enquanto, as finanças do Estado são mais sólidas do que muitos esperavam.
“Não tenho boas notícias” para as pessoas que esperam que a economia da Rússia entre em colapso “amanhã” devido às sanções, escreveu Alexandra Prokopenko, ex-funcionária do banco central russo. “É animal grande e resistente.”