23 de outubro de 2024

Moradora do Aracy é a 1ª mulher negra eleita vereadora em São Carlos: ‘esperança da periferia de ter representatividade’

Educadora, ativista de ONG e ex-conselheira tutelar, Larissa Camargo teve a 10ª maior votação do município e é a primeira representante do PCdoB eleita no município. Larissa Camargo é a primeira mulher negra e primeira vereadora do PCdoB na Câmara de São Carlos
Fabiana Assis/g1
Mulher, preta, da periferia, de esquerda. Larissa Camargo, 37 anos, carrega consigo muitos estigmas. Por isso, a sua eleição como vereadora, com a décima maior votação de São Carlos (SP), tem o peso de uma grande representatividade.
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Em sua estreia na disputa pelo cargo de vereadora, Larissa é a primeira mulher preta eleita para a Câmara Municipal de São Carlos. Conseguiu a cadeira pelo PCdoB, partido que nunca havia elegido vereador no município, com 2.361 votos, algo que a surpreendeu. Ela recebeu votos em pelo menos 50, dos 62 locais de votação de São Carlos.
“Nós estávamos projetando em 1,6 mil votos e foi uma surpresa muito feliz. Não vou dizer que a gente não trabalhou para isso, nós trabalhamos muito, muito mesmo”, disse.
Desde 1865, quando a Câmara foi instalada, São Carlos elegeu apenas 13 mulheres vereadoras. A primeira eleita foi Elydia Benette, que assumiu em 1º de janeiro de 1948.
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Contato com o que dá e com o que não dá certo na sociedade
Larissa Camargo atuou como conselheira tutelar e trabalha na ONG Proara
Arquivo pessoal
A decisão pela candidatura foi tomada em 2022, quando Larissa atuava como conselheira tutelar, mas a sua atuação em movimentos sociais é bem mais antiga.
Ela é filha de Valentim Camargo, fundador do Proara, um dos principais projetos sociais de São Carlos, que oferece inclusão, por meio de atividades esportivas e artísticas, para centenas de crianças e jovens, há mais de 20 anos no Cidade Aracy, bairro onde Larissa mora há quase 30 anos.
Passou parte da infância em outro projeto social, o Educandário, hoje chamado de Salesianos, e foi menor aprendiz no Núcleo de Atendimento Integrado (NAI).
“Ao morar e conhecer uma realidade social dentro de uma periferia, naturalmente, a gente se envolve, a gente se incomoda. Mas no Conselho Tutelar eu tive contato todos os dias com tudo que não dá certo na sociedade. Não é só a criança e o adolescente que está com o direito violado, é uma família toda. Todos os dias você tem que correr atrás do prejuízo de algum direito que não foi estabelecido”.
“Ter que judicializar uma vaga escolar, judicializar um transporte para uma pessoa com deficiência me fez ver que gente tem meios de fiscalizar. O poder público tem que se responsabilizar, junto com a família e com a sociedade por aquilo que é devido e as pessoas não fazem. E aí eu me senti muito motivada a estar desse lado da fiscalização. Muito mais do que propor lei, que é o papel do vereador, é fazer cumprir o que já está estabelecido”, defende.
Câmara Municipal de São Carlos
Amanda Rocha/g1
Formada em publicidade e propaganda e cursando atualmente serviço social, Larissa trabalha como educadora do Senac na área de Desenvolvimento Social. Para a Câmara ela pretende levar muitas bandeiras.
“A gente representa a luta pela questão da negritude, que é uma bandeira que não tem como não carregar porque eu sou feita disso, dessa luta ancestral por uma liberdade, de um povo que ainda não está com a sua liberdade de fato estabelecida. A bandeira da criança e adolescente. Durante esses quase 20 anos de contato com a rede de proteção, tenho certeza que nos deu o respeito das pessoas que trabalharam comigo, que caminharam comigo nessa luta por estabelecer e garantir de fato o direito de criança e adolescente. E também muita gente que estava procurando uma cara nova na política, com outra perspectiva.”
Larissa é uma das poucas caras novas na nova Câmara que começa em 2025. Entre os 21 candidatos eleitos, 13 já exercem mandato de vereador, três voltam à Câmara após um mandato afastados e cinco são novos, o que representa uma renovação de 38%.
Apenas quatro mulheres foram eleitas – uma a mais do que na eleição passada, em 2020.
Política de esquerda
A política entrou na vida de Larissa – no sentido literal – em 2009, quando foi convidade pelo PC do B, no governo de Oswaldo Barba (PT).
“Eles conheceram meu trabalho do Proara e aí eu começo a entender o que que é esse bem comum. Como eu me importo se eu tenho que comer dentro de casa e se meu vizinho também tem, se o vizinho da frente também tem, como que a gente socializa o que é de direito que é de devido para todos e não para uma parcela da sociedade. E aí eu começo a entender um pouco mais de dentro para fora, o que que é isso de fazer o bem para todo mundo, da gente tentar caminhar para nossa cidade mais justa e mais igualitária”, afirma.
Em 2020, Larissa passou a atuar como conselheira tutelar, o que a colocou ainda mais diante dos problemas da população sãocarlense.
“Você vai pegar casos enraizados assim de estruturais com a avó alcoólica, depois a mãe se tornou alcoólica e agora tá na terceira geração, e falta de trabalho, e falta de segurança alimentar, falta de moradia digna, não tem vacina, a matrícula tá atrasada na escola, às vezes você fica ali muito envolvido com um monte de problemas”, conta.
Esse conhecimento das mazelas da cidade foi reforçado durante a campanha eleitoral e agora, Larissa carrega a responsabilidade de levar esses problemas para a Câmara e representar pela primeira vez o PC do B entre os vereadores.
Larissa Camargo foi a primeira mulher negra a ser eleita vereadora em São Carlos
Arquivo pessoal
“Eu acho que tudo que a gente verifica na Câmara Municipal têm uma relação com Direitos Humanos e muitos vereadores não entenderam isso. Então, se a gente conseguir significar para algumas pessoas toda a nossa luta é pela dignidade humana, a gente pode ter esperança de fazer um bom mandato. Não penso em ficar com uma ideia de oposição por oposição, não dá porque o interesse público são as pessoas. Eu acho sempre que o diálogo é o melhor caminho”, diz.
Larissa acredita que um de seus desafios no novo cargo será batalhar pela mudança de mentalidade na forma de fazer política.
“As periferias estão gritando ‘olhem para nós’, e a política é de lá para cá. Isso que precisava mudar: tem que ser daqui para lá, da necessidade de quem mais precisa para o restante da cidade. O meu coração está bem aberto para esse momento de ouvir as pessoas, de estar muito próximo do povo. Tem muito de uma esperança da periferia de ter representatividade de quem vive e conhece essa realidade. Eu tenho muito senso dessa responsabilidade, mas acho que vai dar bom porque a gente tem um povo junto.”
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