11 de janeiro de 2025

‘Mortos e desaparecidos na ditadura’: mapa mostra novas certidões de óbitos emitidas ou corrigidas pelo país


As certidões de óbito de 202 mortos durante a ditadura têm que ser corrigidas. Já os 232 desaparecidos durante o regime militar terão finalmente direito a um atestado de óbito. São Paulo tem 101 certidões a serem corrigidas. Certidão mudada após a regulamentação do CNJ
Reprodução/TV Globo
Os cartórios brasileiros começaram a corrigir as causas das mortes e a emitir novas certidões de óbitos de mortos e desaparecidos na ditadura. Um mapa mostra a quantidade de documentos e os locais onde foram indicadas as mortes ou desaparecimentos (veja abaixo).
No entanto, a entrega de certidões retificadas não será realizada pelos cartórios. O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania informou que a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) deverá providenciar as entregas dos documentos em solenidade com pedidos de desculpas e homenagens.
“Elas não precisam vir ao cartório. Elas serão contactadas no momento oportuno já com as certidões em mãos para que elas possam ter seu direito de reparação consagrado”, afirma Gustavo Renato Fiscarelli, vice-presidente do Operador Nacional do Registro Civil.
Os cartórios estão cumprindo uma resolução aprovada por unanimidade pelo CNJ – Conselho Nacional de Justiça em dezembro. As certidões de óbito de 202 mortos durante a ditadura têm que ser corrigidas. Já os 232 desaparecidos durante o regime militar terão finalmente direito a um atestado de óbito. E todos os registros terão que informar que essas pessoas foram vítimas da violência cometida pelo Estado. A Comissão Nacional da Verdade foi quem reconheceu o número total de 434 mortos e desaparecidos na ditadura.
Segundo os dados, os estados que puxam o topo da lista das vítimas são São Paulo, Rio de Janeiro, Pará, Pernambuco e a região onde atualmente está o Tocantins.
O documento em nome de Ari Lopes de Macedo é um dos novos. O estudante foi morto em Brasília (DF) aos 20 anos após ter sido detido pelo 26º Batalhão de Caçadores de Belém (PA), em 1963. A versão oficial apresentada foi a de suicídio, de acordo com o Memorial da Resistência de São Paulo.
O alfaiate Geraldo da Rocha Gualberto, nascido em Minas Gerais, era o mais velho de uma família de 11 filhos. Ainda segundo o Memorial, ele morreu em 7 de outubro de 1963 no “Massacre de Ipatinga”, que foi uma operação policial contra uma multidão de trabalhadores grevistas, que manifestavam contra as condições de trabalho impostas por uma siderúrgica. Ao menos oito pessoas morreram e 90 ficaram feridas.
Em Recife (PE), o padre Antônio Henrique Pereira da Silva Neto era Coordenador da Pastoral da Juventude, desenvolvia atividades de inclusão social e recuperação de jovens, promovia reuniões com a juventude e com pais para discussão de problemas sociais, de acordo com o Memorial.
Conforme os registros, ele foi sequestrado na noite de 26 maio de 1969, torturado e morto na madrugada do dia 27 de maio de 1969 por um grupo do Comando de Caça aos Comunistas e por agentes da polícia civil de Pernambuco. A última vez em que foi visto, o padre havia participado de duas reuniões com jovens e pais na noite do dia 26.
Mapa de mortos e desaparecidos na ditadura
Reprodução/g1 com informações de ARPEN
Certidão emitida em SP
Nesta semana, as irmãs Crimeia Almeida e Amélia Teles foram as primeiras a emitirem a certidão de um óbito de um amigo após a resolução do CNJ.
“Eu sempre tive esperança. A verdade sempre vence. E esse atestado anterior aqui era mentira”, afirma a enfermeira aposentada Crimeia Almeida.
Crimeia Almeida e Amélia Teles foram presas, torturadas e testemunharam a morte sob tortura de Carlos Nicolau Danielli no DOI-CODI, na capital paulista, em 1972. Na certidão de óbito do amigo constava como causa da morte “anemia aguda traumática”. Na terça-feira (7), o documento foi retificado e passou a informar que a morte de Carlos não foi natural e sim violenta, causada pelo Estado.
Cartórios de todo o país começam a emitir certidões corrigidas de vítimas da ditadura
“A violência que ele sofreu foi causada pelo Estado autoritário, um Estado ditatorial. Está escrito aqui. Isso é uma questão de justiça”, diz a professora aposentada Amelinha Teles.
Até agora, as certidões de óbito de mortos na ditadura só eram corrigidas depois de longas batalhas na Justiça. Só há 5 anos, a aposentada Angela Mendes de Almeida conseguiu retificar a causa da morte do companheiro, o jornalista Luiz Eduardo da Rocha Merlino, morto em 1971.
“Fique, claro, nacionalmente que houve pessoas que enfrentaram a ditadura militar e que por causa disso morreram em condições atrozes”, diz.
A advogada e ativista Eunice Paiva, retratada no filme “Ainda Estou Aqui”, de Walter Salles, no qual foi interpretada por Fernanda Torres, lutou pelo reconhecimento do assassinato de seu marido, Rubens Paiva. Após 25 anos, em 23 de fevereiro de 1996, Eunice recebeu a certidão de óbito do seu marido, desaparecido desde 1971.
Já a família do jornalista Vladimir Herzog conseguiu só em 2012 a alteração da causa da morte de suicídio para lesões e maus tratos nas dependências do Exército. A coordenadora do instituto que leva o nome de Herzog diz que a resolução do CNJ corrige um erro histórico.
“É reconhecer que o Estado brasileiro faz parte desse processo e que ele precisa se responsabilizar também por isso”, afirma Lorrane Rodrigues, coordenadora de Memória, Verdade e Justiça do Instituto Vladimir Herzog.

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