24 de dezembro de 2024

MPB recusou o ‘cálice’ da ditadura e produziu canções de resistência contra o golpe militar deflagrado há 60 anos

Vigorosas, as músicas da época permanecem fortes na memória de quem viveu nos anos de chumbo e lembram página infeliz da História do Brasil. Capa da edição digital do álbum ‘Comportamento geral’ (2014), de Marya Bravo
Arte de Eduardo Kurt
♪ MEMÓRIA – Deflagrado em 31 de março, há 60 anos, o golpe de 1964 permanece como uma das páginas mais infelizes da História do Brasil. Página que deve estar para sempre virada, mas jamais esquecida para evitar o revival por governos totalitários.
A efeméride traz à tona memórias da MPB, sigla que abarca diversos gêneros musicais, ainda que tenha se tornado, ela própria, um gênero que caracteriza música produzida a partir da segunda metade dos anos 1960 por compositores de formação universitária. Compositores geralmente engajados que se juntaram contra a ditadura, usando a música como arma, com letras para denunciar os algozes.
Sim, a MPB se recusou a beber do cálice da ditadura e produziu canções de resistência contra o autoritarismo. Curiosamente, o período do golpe, em vigor até 1985, coincidiu com a fase áurea da produção dos maiores compositores do Brasil no segmento da MPB.
Essa turma engajada incluiu Caetano Veloso, Chico Buarque (o compositor mais identificado com o combate à ditadura), Gilberto Gil, Gonzaguinha (1945 – 1991), Milton Nascimento – este ao lado de fundamentais parceiros letristas como Fernando Brant (1946 – 2015) e Marcio Borges – e Ivan Lins (a partir de 1974, em parceria com Vitor Martins).
Sem falar em Geraldo Vandré, em Paulo César Pinheiro, em João Bosco – cuja obra desferiu golpes certeiros contra a ditadura no corte afiado das letras do bardo Aldir Blanc (1946 – 2020) – e em Jards Macalé, parceiro de poetas conscientes como Waly Salomão (1943 – 2003).
Muitas dessas canções de resistência foram amplificadas em gravações de intérpretes como Elis Regina (1945 – 1982), Gal Costa (1945 – 2022) e Maria Bethânia, cantoras que também merecem ser lembradas e louvadas hoje e sempre porque ergueram literalmente as vozes para denunciar a asfixia do Brasil nos anos de chumbo.
Todos esses artistas se posicionaram do lado certo da História com grandes músicas. Sim, independentemente da ideologia das letras, as músicas eram fortes, contundentes, muitas vezes inebriantes.
Boa amostra dessa produção está eternizada no álbum Comportamento geral – Canções da resistência (2014), lançado pela cantora Marya Bravo há dez anos, com capa que expôs arte de Eduardo Kurt e com 13 músicas lançadas entre 1968 e 1978 (a década mais sombria da ditadura), para lembrar em 2014 o cinquentenário do golpe de 1964.
Nesse disco, editado pela gravadora Joia Moderna, estão petardos como Roda viva (Chico Buarque, 1968), Apesar de você (Chico Buarque, 1970), Comportamento geral (Gonzaguinha, 1972), Pesadelo (Maurício Tapajós e Paulo César Pinheiro, 1972), Cálice (Chico Buarque e Gilberto Gil, 1973) e Cartomante (Ivan Lins e Vitor Martins, 1977).
“Cai o rei de espadas / Cai o rei de ouros / Cai o rei de paus / Cai, não fica nada”, previam os versos metafóricos de Vitor Martins em Cartomante, amplificados em 1977 no canto de Elis quando era preciso recorrer às metáforas para dizer nas entrelinhas o que censura proibia, perseguindo, em maior ou menor escala, todos os compositores supracitados que, se tinham um verso cortado, logo escreviam outro, ansiando pela imposição da democracia.
E, sim, a previsão de Vitor Martins em Cartomante se confirmou. Caiu tudo, nada ficou, exceto as lembranças e essas canções de resistência que atravessaram gerações e, por vezes, voltaram a ficar perigosamente atuais como em anos recentes de outra página infeliz da história do Brasil.
E é bom que elas estejam aí, firmes e fortes, para lembrar o que precisa ser lembrado hoje, amanhã e todos os dias: ditadura nunca mais!

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