Solicitações do MPF ocorre após indígenas ocuparem a sede da Secretaria de Estado de Educação do Pará (Seduc), em Belém. Manifestantes são contra a troca de aulas presenciais, garantidas pelo Somei, por aulas on-line. Sala de aula em escola indígena.
Jonathan Lins / g1
Neste sábado (18), completou cinco dias que indígenas ocupam a sede da Secretaria de Estado de Educação do Pará (Seduc), em Belém. O Ministério Público Federal solicitou ao Ministério da Educação um posicionamento sobre o assunto.
No documento foi enviado nesta sexta-feira (17) à Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão (Secadi), ligada ao MEC. O g1 solicitou um posicionamento da Secadi e aguarda retorno.
O MPF pede que a União se manifeste sobre o modelo de aulas telepresenciais previsto pelo governo do Pará para povos da floresta, do campo e das águas.
Os manifestantes pedem a permanência do Sistema de Organização Modular de Ensino Indígena (Somei) nas localidades.
Os indígenas são contra a troca de aulas presenciais, garantidas pelo Somei, por aulas on-line (por meio da atual política do Centro de Mídias da Educação Paraense, o Cemep).
No ofício encaminhado ao MEC, a procuradora Manoela Cavalcante solicita uma nota técnica sobre o assunto e quais providências a Secadi pretende adotar diante das reivindicações dos manifestantes.
Indígenas de diferentes regiões do Pará ocupam a sede da Secretaria de Estado de Educação do Pará (Seduc), na Avenida Augusto Montenegro, em Belém (PA), nesta terça-feira, 14 de janeiro de 2025.
Raimundo Paccó/Estadão Conteúdo
Em uma ação de 2018 na Justiça, o MPF e o Ministério Público do Estado do Pará (MPPA) defendem que cada um dos povos e comunidades tradicionais do Pará deve ser consultado antes de qualquer tomada de decisão do Estado sobre esse tema.
Nesse processo judicial, em 2020, a União, por meio da Advocacia-Geral da União (AGU), manifestou-se favorável à mudança das aulas presenciais em on-line.
Segundo os indígenas, a lei nº 10.820, sancionada em 19 de dezembro de 2024 pelo Governo do Pará, traz insegurança jurídica ao não mencionar o funcionamento do Somei — entenda mais abaixo.
O protesto conta com representantes indígenas de várias etnias, como Tupinambá, Borari, Munduruku, Arapiuns, Tembé, Tupaiú e Waiwai.
O que é o Somei?
O Sistema de Organização Modular de Ensino Indígena (Somei) é uma extensão do Sistema Modular de Ensino (Some), uma modalidade de ensino que garante o ensino médio em localidades distantes do estado. São comunidades onde, segundo o governo, não é possível construir uma escola com toda a estrutura do Ensino Regular por terem menos alunos.
A gestão estadual detalhou que o sistema funciona como uma parceria, em que o município fornece o espaço e a Seduc é a responsável pelos professores, alimentação escolar e outros recursos pedagógicos.
No Somei, onde existe foco nas especificidades culturais e sociais dos povos originários, professores não indígenas são enviados às comunidades para ministrar aulas presenciais, garantindo que os estudantes indígenas possam ter acesso à educação sem precisar sair de suas aldeias.
Segundo a instituição, as áreas continuarão a ser atendidas pelo programa, que chega a pagar até R$ 27 mil para que professores atuem em localidades remotas. O órgão não informou se os professores desta modalidade falam línguas indígenas.
Protesto
Segundo os indígenas, a Lei nº 10.820 revogou a Lei nº 7.806, de 29 de abril de 2014, que trazia diretrizes sobre o funcionamento do Sistema de Organização Modular de Ensino (Some), voltado para comunidades rurais, ribeirinhas e quilombolas, e da extensão dele, o Somei, direcionado para os indígenas.
Porém, a nova Lei nº 10.820, que dispõe sobre o Estatuto do Magistério do Pará, cita apenas o Some e não traz nada sobre o funcionamento do Ensino Modular Indígena. Por conta disso, os indígenas querem a revogação da Lei nº 10.820.
Segundo o secretário de Estado de Educação, Rossieli Soares, o governo está em diálogo com os indígenas, mas afirma que não há possibilidade de revogação da Lei 10.820 – confira na entrevista abaixo.
Indígenas ocupam sede da Seduc em Belém e pedem revogação da Lei 10.820 de 2024
Segundo Auricélia Arapiuns, do Conselho Indígena do Tapajós e Arapiuns (Cita), os manifestantes querem ser consultados antes de qualquer tomada de decisão do Estado sobre esse tema.
“Nossa reivindicação é que eles venham até a gente ou arrumem um local onde caibam todas as lideranças indígenas”, disse.
Em nota, a Seduc comunicou que o atendimento do Some não será encerrado, assim como o ensino médio presencial não será substituído por educação a distância. Ou seja, as áreas que já contam com o Some continuarão sendo atendidas por ele, no mesmo formato.
Indígenas empurraram e abriram um dos portões de entrada do prédio para conseguirem acessar o local. Policiais foram acionados.
Reprodução / Redes sociais
O secretário de Educação do Pará afirmou que uma nova regulamentação deve ser feita em breve sobre o Some e que já há diálogo com os povos indígenas sobre o assunto.
O Cemep e as aulas on-line
O Sistema Educacional Interativo (SEI) é um programa de ensino remoto criado pelo governo do Pará em 2018, com o objetivo de levar o ensino médio a comunidades rurais, ribeirinhas, indígenas e outras áreas de difícil acesso.
Em 2024, a modalidade de ensino passou a ser reconhecida como Centro de Mídias da Educação Paraense, o Cemep.
O Cemep utiliza tecnologias como internet via satélite, televisores e notebooks para transmitir aulas gravadas ou ao vivo.
O Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério Público do Estado do Pará (MPPA) entraram com uma ação em 2018 para que o Governo do Pará interrompa qualquer medida de mudança do formato da educação indígena e garanta a educação presencial.
De acordo com o MPF, o processo aguarda julgamento. Em dezembro de 2024, o MPF recomendou à Seduc a suspensão imediata da implantação do Sistema Educacional Integrativo (Sei), atual Cemep, em comunidades indígenas.
A Seduc disse que não é verdade que o ensino médio presencial será substituído por educação a distância. Porém, não mencionou sobre a ação do MPF.
Início da manifestação
De acordo com os grupos envolvidos, no protesto iniciado desta terça-feira (14) há lideranças e representantes das etnias Munduruku, Tembé, Xikrim, Borari, Arapium e outras.
Policiais militares foram deslocados ao local após alguns indígenas derrubarem um dos portões e adentrarem na secretaria.
“O nosso objetivo é fazer com que o secretário e a vice-coordenadora nos atendam. A gente não veio aqui para brigar com ninguém […]. Nós viemos aqui para trazer a nossa demanda, a nossa reivindicação”, disse um dos líderes indígenas no prédio.
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Os indígenas pontuaram que, sem o Somei, as autoridades do estado estão “contribuindo com a morte da educação escolar indígena do do Pará”.
“Aula on-line não serve para a gente, porque muitos alunos não falam português. Isso é violação de direitos, é violação da nossa cultura. Isso é muito grave. Nós não vamos desistir”, falou Alessandra Korap, liderança Munduruku, sobre a possível substituição do Some por aulas virtuais.
Representante indígena fala com pessoas que estão do lado de fora do prédio, nesta quarta-feira (14).
Laís Nunes / TV Liberal
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