Imunização contra doença antigamente conhecida como ‘varíola dos macacos’ precisa focar em grupos de risco para as suas formas graves e profissionais de laboratórios. Brasil comprou 49 mil doses e aplicou quase 30 mil. Profissional de saúde prepara dose da vacina contra a varíola dos macacos (monkeypox).
AP Photo/Jeenah Moon, File
Apesar da declaração de emergência sanitária global, a vacinação contra a mpox, a doença antigamente chamada de ‘varíola dos macacos’, não exige uma estratégia de imunização em massa.
Em vez disso, a Organização Mundial da Saúde (OMS) sugere que apenas indivíduos que estão em risco, como aqueles que tiveram contato próximo com uma pessoa infectada ou pertencem a um grupo de alto risco (entenda mais abaixo), devem ser considerados para a vacinação.
Isso acontece porque a transmissão da mpox, historicamente, tem sido concentrada em grupos populacionais específicos.
No Brasil, que tem um risco baixo para o atual surto, a campanha de imunização começou em março de 2023, inicialmente focada em pessoas que vivem com HIV/aids (PVHA), profissionais de laboratórios que atuam em locais de exposição ao vírus, além de pessoas que tiveram contato direto com fluidos e secreções corporais de pessoas suspeitas.
Em junho do mesmo ano, uma nota técnica da pasta ampliou o programa para usuários da Profilaxia Pré-Exposição ao HIV (PrEP), permitindo que, em casos de vacinas disponíveis na rede estadual ou municipal sem uso para PVHA, elas fossem aplicadas em pacientes que usam a PrEP.
Apesar disso, com cerca de 49 mil doses disponíveis no Programa Nacional de Imunizações (PNI) para uso na população (num esquema de vacinação que tem indicação de duas doses para cada pessoa com intervalo de quatro semanas entre elas), somente 29.165 foram aplicadas até o final de junho, segundo dados do ministério que o g1 teve acesso.
Ainda segundo a pasta, neste primeiro momento, “caso novas evidências demonstrem a necessidade de alterações no planejamento, as ações necessárias serão adotadas e divulgadas” sobre a imunização contra doença.
Especialistas ouvidos pelo g1, no entanto, avaliam que essa baixa aplicação das doses contra mpox se deve a uma má condução de uma campanha de vacinação no Brasil associada a uma baixa procura pelo imunizante, especialmente durante a explosão de casos que começou em 2022 – que não têm relação com a nova variante por trás do surto na África.
Por isso, eles defendem que, mesmo que esse novo surto não esteja diretamente associado à variante responsável pelo surto de 2022, ele acirra a preocupação com a disseminação do vírus e destaca a necessidade de uma estratégia de vacinação eficaz.
“A vacinação pode prevenir novos casos e ajudar a controlar a situação antes que se agrave. No entanto, a implementação da vacinação precisa ser eficiente e bem direcionada. Em 2022, o controle do surto foi inadequado, e o Brasil perdeu oportunidades para vacinar as populações mais vulneráveis”, diz Rico Vasconcelos, médico infectologista do Hospital das Clínicas da USP.
No Brasil, foram registrados 709 casos de mpox em 2024, com 16 óbitos, sendo o mais recente em abril de 2023.
Abaixo, entenda mais sobre como funciona a estratégia de vacinação contra a mpox.
Entenda por que a mpox voltou a ser uma emergência global
1) Quais vacinas estão disponíveis?
Existem três vacinas contra a mpox no mundo, mas duas são recomendadas pelo Grupo Consultivo Estratégico de Especialistas em Imunização da OMS e estão aprovadas por autoridades reguladoras nacionais.
Elas são a ACAM2000, da Sanofi Pasteur, e a Jynneos (também conhecida como Imvamune ou Imvanex), da Bavarian Nordic. Nenhuma delas está amplamente disponível.
Depois dos atentados de 11 de setembro, temendo uma ameaça biológica de terrorismo, os Estados Unidos chegaram a lançar uma campanha de imunização de militares e trabalhadores de saúde com a ACAM200 (na época chamada de Dryvax), mas que foi logo encerrada devido a crescentes ceticismos sobre os riscos de tal ataque e a eficácia do programa.
Hoje, tanto a Agência de Segurança da Saúde do Reino Unido (UKHSA, na sigla em inglês) como os Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC) ressaltam que os dois imunizantes podem ser usados para controlar o surto de mpox.
No Brasil, a autorização se aplica à vacina Jynneos/Imvanex. Existe uma dispensa de registro para seu uso pelo Ministério da Saúde.
A ACAM2000 é administrada em dose única por via percutânea. Nos Estados Unidos, ela pode ser usada na imunização de pessoas com pelo menos 18 anos de idade e com alto risco de infecção por varíola. Apesar disso, não existem estudos recentes realizados para avaliar a eficácia exata do ACAM2000 contra o vírus da mpox.
Já a JYNNEOS, uma vacina de vírus vivo atenuado, mostrou, em estudos clínicos, ser 85% eficaz na prevenção da mpox.
Vírus da monkeypox visto usando microscopia.
NIAID via AP, File
2) Como é a vacinação no Brasil?
No Brasil, seguindo os critérios da OMS, a aplicação segue para grupos específicos.
Inicialmente ela foi focada nos seguintes grupos:
Pessoas vivendo com HIV/aids (PVHA)
E profissionais de laboratório que trabalham diretamente com Orthopoxvírus [a família do vírus da monkeypox]
Além disso, no caso da vacinação pós-exposição ao vírus, recebiam as doses:
Pessoas que tiveram contato direto com fluidos e secreções corporais de pessoas suspeitas, prováveis ou confirmadas para mpox, cuja exposição seja classificada como de alto ou médio risco, conforme recomendações da OMS.
Desde junho do ano passado, porém, uma nota técnica ampliou o programa para usuários da Profilaxia Pré-Exposição ao HIV (PrEP), permitindo que, em casos de vacinas disponíveis na rede estadual ou municipal sem uso para PVHA, elas fossem aplicadas em pacientes que usam a PrEP, que é uma das principais formas de prevenção do HIV.
3) Por que só vacinar esses públicos?
A vacinação contra a mpox deve ser direcionada a grupos específicos devido a vários fatores.
Primeiro, a disponibilidade de vacinas é limitada, e as doses precisam ser priorizadas para regiões com maior transmissão, como algumas áreas da África.
A Bavarian Nordic, por exemplo, disse que vai enviar vacinas contra a mpox principalmente para os países africanos com surtos graves, como a República Democrática do Congo (RDC). A empresa afirmou que está colaborando com autoridades locais e organizações de saúde para garantir a distribuição eficiente.
Atualmente, a empresa tem cerca de 300.000 doses prontas para envio imediato e planeja entregar 2 milhões de doses ainda neste ano e outras 8 milhões até o final de 2025.
E historicamente, a mpox tem afetado mais homens que fazem sexo com homens (HSH) e outros grupos específicos, como mostrado no surto de 2022. Naquele período, a transmissão foi majoritariamente entre homens gays, e a vacinação foi recomendada principalmente para esses grupos.
A transmissão sexual foi a principal forma de espalhamento, e a maioria dos casos ocorreu entre homens jovens ou de meia-idade com vida sexual ativa.
No entanto, o padrão pode estar mudando com o novo surto na África, onde estão sendo observados casos em crianças, sugerindo que o vírus pode estar se transmitindo de maneira diferente, talvez através de contato mais casual. E isso indica uma possível maior facilidade de transmissão do novo clado do vírus.
“No momento, uma estratégia de vacinação em massa fora das áreas de transmissão não é justificável, principalmente devido à baixa disponibilidade de vacinas. Aplicando a lógica usada para outras vacinas, a vacinação em larga escala só se justifica em situações de alto risco, o que não é o caso atual”, explica José Cerbino Neto, infectologista do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz).
Frascos da vacina contra mpox da Bavarian Nordic.
PBH/Divulgação
4) Por que está sobrando vacina no Brasil?
Em 2022, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou a liberação do uso emergencial da Jynneos/Imvanex.
A medida tinha validade de seis meses, mas quando o prazo esgotou em fevereiro de 2023, a pedido do ministério, a agência prorrogou a dispensa de registro para que a pasta importasse e utilizasse no Brasil o imunizante.
Isso porque as doses já tinham sido adquiridas por meio da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) e importados pelo governo federal. Apesar disso, as vacinas, que possuem prazo de até 60 meses de validade, só comçeram a ser utilizadas no ano passado, 6 meses após a aprovação da Anvisa.
Após o surto de 2022, foi verificada então uma melhora no quadro da doença, tanto no Brasil quanto em outros países. E devido à dificuldade de acesso às vacinas e à melhora na situação, o Ministério da Saúde decidiu não comprar mais imunizantes.
Mas de lá para cá, das 49 mil doses disponíveis no Programa Nacional de Imunizações (PNI) para uso na população (num esquema de vacinação que tem indicação de duas doses para cada pessoa com intervalo de quatro semanas entre elas), somente 29.165 foram aplicadas até o final do último mês de junho.
Segundo especialistas ouvidos pelo g1, isso aconteceu devido à combinação de oferta limitada e à falta de conhecimento da população sobre a campanha de vacinação.
Na minha experiência, o principal desafio é a adesão à vacinação. Mesmo que o público-alvo tenha acesso à vacina, se não perceber o risco imediato, a procura tende a ser baixa. É crucial melhorar a informação e convencer as pessoas sobre a necessidade da vacinação. Receber a vacina é uma decisão que exige conscientização e incentivo, não apenas o conhecimento de sua disponibilidade.
Por isso, assim como seu colega, Rico argumenta que não faz sentido mudar as regras de vacinação nesse momento, pois isso não seria praticável.
“No surto de 2022, ficou claro que a transmissão estava altamente concentrada em um subgrupo específico, geralmente homens que fazem sexo com outros homens. Ampliar a vacinação para toda a população seria exagerado, especialmente considerando a dificuldade de adquirir mais doses. No entanto, cumprir as recomendações da nota técnica é o mínimo necessário”, acrescenta Rico.
5) Qual deve ser a estratégia agora?
Ainda segundo os especialistas ouvidos pelo g1, a estratégia agora deve focar no envio urgente de vacinas para a África Central, onde a mpox está se espalhando rapidamente. E mesmo assim, a chegada das vacinas ainda pode demorar devido à escassez e falta de recursos.
No Brasil, onde ainda há doses disponíveis, os especialistas defendem que é crucial aumentar a conscientização e incentivar a vacinação, especialmente em grupos de maior risco.
A ministra da Saúde, Nísia Trindade, inclusive destacou que a mpox no Brasil exige atenção, mas não é motivo de alarme, mesmo com a declaração de emergência global da OMS.
Ela disse que o governo está pronto para agir, com foco em vigilância, testes, diagnósticos e uso das vacinas que temos disponíveis. Um comitê de emergência também foi criado para coordenar essas ações.
“Neste momento, em que a OMS decreta emergência sanitária global por mpox, acredito ser de extrema importância o retorno da vacinação para casos específicos e para quem, de alguma maneira, teve contato com pessoas contaminadas, principalmente profissionais de saúde, que possam a vir a cuidar estes pacientes”, alerta Helio Magarinos Torres Filho, patologista clínico e Diretor Médico do Richet Medicina & Diagnóstico.