18 de novembro de 2024

Mulher que aplicou lentes em jovem que sofreu necrose nos dentes fez curso online com 4h de duração


Empresa que administrou o curso afirma que atividade não confere habilidades clínicas. Conselho Regional de Odontologia de São Paulo (CROSP) alega que o procedimento deve ser realizado apenas por um cirurgião-dentista. Mulher que aplicou lentes em adolescente fez curso online com 4h de duração
Reprodução
Andreza Aline Gasparini Lima, a responsável por aplicar lentes de resina em uma adolescente que alega ter ficado com os dentes desgastados com necrose pulpar e óssea [morte da polpa dentária e dos ossos], não é dentista formada, mas fez um curso de resina composta online com quatro horas de duração. As informações são do advogado da profissional.
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A adolescente de 17 anos, que preferiu não se identificar, contou ao g1 que lentes caíram após o procedimento, sentindo incômodo na gengiva e notando que os dentes estavam escuros na sequência.
A jovem procurou um dentista e soube que estava com um “quadro infeccioso periodontal”, com os dentes desgastados com necrose pulpar, necrose óssea devido à má adaptação de facetas em resina, facetas infiltradas e mal adaptadas, ocasionando em quadro grave de periodontite.
Em nota, o Conselho Regional de Odontologia de São Paulo (CROSP) informou que o procedimento de aplicação de lentes de resina só pode ser feito por cirurgião-dentista e em ambiente estruturado e licenciado como estabelecimento odontológico.
O advogado Gabriel Ferreira Lacerda, que representa Andreza Aline no caso, afirmou que a cliente é considerada “hábil” para prestar o serviço e, em nenhum momento, passou-se por dentista e tampouco exerceu a função (veja o posicionamento completo mais adiante).
Curso online de 4h
Mulher que aplicou lentes em adolescente fez curso online com 4h de duração
Arquivo Pessoal
O certificado do curso online feito por Andreza Lima, que teve 4h de duração, foi enviado ao g1 pelo advogado dela.
A Optical, empresa que administrou o curso, afirmou que as atividades livres com curta duração não conferem habilidades clínicas nem equivalem a formações profissionais, tendo como único objetivo promover a expansão do conhecimento técnico-acadêmico.
Em nota, o advogado João Victor Sampaio, que representa a Optical, informou que apenas a graduação em odontologia, reconhecida pelo Ministério da Educação (MEC), habilita o exercício legal da prática odontológica.
O advogado acrescentou que o curso de “Resina Composta” é ministrado gratuitamente, em curta duração, com carga horária de 4 horas, de caráter informativo e com escopo restrito.
“Não abrange ensinamentos sobre clareamento dental ou reconstrução e não capacita os participantes para a realização de procedimentos clínicos”, complementou Sampaio.
Por meio do advogado, a Optical repudiou “veementemente qualquer prática de procedimentos odontológicos realizados sem a devida formação e registro profissional”, já que se trata de uma prática ilegal.
Questionada pelo g1 se o certificado apresentado pela defesa de Andreza é original, a Optical informou que, em conformidade com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), foi impedida de divulgar informações sensíveis ou dados pessoais dos clientes e participantes de cursos.
Jovem ficou com os dentes desgastados e escuros após aplicação de lentes de resina fora de consultório odontológico, em São Vicente (SP)
Arquivo Pessoal
O caso
De acordo com a adolescente, Andreza Aline Gasparini Lima teria cobrado R$ 1,2 mil pelo serviço, mas fez por R$ 1 mil para o pai dela – sendo que metade do valor seria descontado do serviço a ser realizado por ele e outra parte pago pela mãe via Pix.
Ela e a mãe foram até a casa de Andreza, onde o procedimento foi realizado. Três dias depois, ela retornou ao local porque três lentes haviam caído. Na ocasião, a mulher informou que a adolescente não estava tendo os cuidados necessários e cobraria das próximas vezes.
Após o procedimento, a adolescente chegou a questionar a mulher em relação às lentes estarem coladas uma na outra impedindo o uso do fio dental. Na ocasião, ela passou uma broca nos dentes dela e orientou tentasse novamente, mas continuou sem conseguir.
Foto mostra os dentes de adolescente durante a remoção das lentes colocadas por mulher que não é dentista
Arquivo Pessoal
Outras lentes caíram, mas a adolescente não retornou na residência da mulher para que não fosse cobrada. Ela passou a sentir incômodo na gengiva e percebeu que o dente estava ficando escuro embaixo da lente e encaminhou uma foto para a irmã, que é estudante de odontologia.
A irmã da adolescente recomendou que ela procurasse uma clínica odontológica com urgência para remover as lentes, pois estava com infiltração nos dentes e com a gengiva inflamada. Após a remoção, ela iniciou um tratamento caseiro antes de seguir com o odontológico.
“Eu comprei um enxaguante bucal próprio pra gengivite, que a dentista me recomendou, e estou tomando um remédio também […]. [Me sinto] bem triste, né? Porque com 17 anos estou com dente assim escuro e feio. É horrível”, disse.
Ela entrou em contato com Andreza, mas ela negou que o serviço realizado teria causado esses problemas. “Ela mentiu bastante. Falou que eu fiz muito mais coisa lá do que as lentes e resina, que ela fez mais trabalhos na minha boca, só que o que a gente tinha combinado era só as lentes”.
Jovem ficou com os dentes desgastados e escuros após aplicação de lentes de resina fora de consultório odontológico, em São Vicente (SP)
Arquivo Pessoal
Advogado de Andreza
Gabriel Ferreira Lacerda, o advogado de defesa de Andreza Aline Gasparini Lima, informou que a cliente pode para prestar o serviço de aplicação de lentes.
De acordo com o advogado, o serviço foi realizado “sem custos”, em um acordo baseado nos serviços do pai da adolescente na casa de Andreza Aline. As obras, ainda segundo a defesa da mulher, não foram feitas pelo pedreiro.
CROSP
O Conselho Regional de Odontologia de São Paulo (CROSP) declarou, com base na Lei Federal 5.081/66, que compete ao cirurgião-dentista, habilitado e com inscrição ativa, praticar os atos pertinentes à odontologia, inclusive o procedimento mencionado.
“Diante das normas vigentes da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e Vigilâncias Sanitárias, a assistência odontológica deve ocorrer em ambiente estruturado e licenciado como estabelecimento odontológico”, afirmou o CROSP.
Em nota, o conselho acrescentou que, em pesquisas feitas junto ao banco de dados dos profissionais inscritos do Conselho Federal e Regional de Odontologia (CFO e CROSP), não foi possível localizar registro profissional em nome de Andreza Aline Gasparini Lima.
O CROSP informou que “adota providências à apuração de infrações às normas éticas praticadas pelos respectivos inscritos, respeitado o direito de defesa, o sigilo legal dos procedimentos internos”.
Além disso, se for necessário, o CROSP também pode notificar outros órgãos pertinentes, como Polícia Militar e Vigilância Sanitária, para que sejam adotadas outras medidas condizentes com a infração identificada.
A família da jovem registrou um boletim de ocorrência pela internet. O g1 entrou em contato com a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo (SSP-SP), em busca de mais informações, mas não obteve retorno até a última atualização desta reportagem.
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