Segundo Ministério da Igualdade Racial, ao menos 2,5 mil dos 17,5 mil quilombolas do estado foram severamente atingidos. Impactos em lavouras e isolamento afetam fontes de renda. Vídeo mostra Quilombo do Lajeado, na cidade homônima, após as chuvas que atingiram o Rio Grande do Sul em abril e maio de 2024.
“Não tem como voltar, não tem estrutura”, diz Vanderlei Silva, presidente do Unidos do Lajeado, quilombo de onde todas as 30 famílias tiveram de sair em razão das chuvas que atingiram o Rio Grande do Sul. “É choro e lágrima. Não temos nada.”
Segundo o Ministério da Igualdade Racial, mais de 20 dos 147 quilombos gaúchos e mais de 2,5 mil dos 17,6 mil quilombolas foram severamente atingidos. O número é ser maior, segundo a pasta, se consideradas as perdas des áreas de plantio e de locais de trabalho (muitos trabalham em fazendas) e isolamento em razão de obstrução de vias.
No Unidos do Lajeado, 14 casas foram destruídas, segundo Silva. As chuvas também interromperam as visitas ao quilombo, que além da agricultura vive da venda de artesanatos. Desde as enchentes, a vila conta com doações de alimentos da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), do governo federal.
“Sofremos esse impacto ambiental na comunidade e perdemos tudo. As casas das pessoas que fazem parte do quilombo foram todas embora.”, diz Vanderlei Silva.
A comunidade, formada por descendentes do escravizado Vô Teobaldo, divide-se por dois bairros das cidades de Lajeado e Cruzeiro do Sul. Ambas são banhadas pelo Rio Taquari, que transbordou e arrasou partes dessas e de outras cidades no caminho em direção ao Sul do estado.
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’18 dias isolados’
Nesse caminho, as águas do Taquari se juntam às do Rio Jacuí, que também transbordou. No encontro desses dois rios fica a Vila do Sabugueiro, comunidade quilombola vivem 40 famílias.
Dessas, 18 tiveram suas casas atingidas pelas enchentes, e 9 perderam os imóveis, segundo Damaris Oliveira Azevedo, presidente da comunidade.
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Como o quilombo é afastado das cidades da região, os moradores que precisam buscar suprimentos em outros locais dependem dos táxis. Com as interdições em rodovias, os trajetos ficaram mais longos e cada trecho não sai por menos de R$ 50, segundo Damaris.
“Ficamos 18 dias mais isolados. Nós temos três acessos, e só conseguíamos ir ao município por Santa Cruz porque não tinha acesso por outros lugares. A gente teria que percorrer uns 84 quilômetros até Santa Cruz”, diz a presidente.
Filho de Damaris, Erick Oliveira da Rosa, de 19 anos, é um dos que perdeu a casa, e teve de passar a morar de favor na casa do patrão, um produtor de leite da região. Além da casa, Rosa perdeu gatos e galinhas que criava.
“Como era de noite, eles procuravam o lugar deles para dormir, e eu não dei conta de tirar. Acabou que alguns caíram na água e ficaram”, relata.
Casa em que Erick Oliveira da Rosa, 19 anos, vivia com o namorado no quilombo Vila do Sabugueiro
Arquivo pessoal
Segundo Damaris, a maioria dos moradores trabalha com lavouras na região e muitos foram demitidos pois os patrões perderam tudo nas enchentes.
Assim como moradores de Unidos do Lajeado, moradores de Sabugueiro dependem, agora, de doações.
“É difícil para nós. Estamos conseguindo ajuda para receber alimentos pela Cufa (Central Única das Favelas) e pelo Codene (Conselho de Desenvolvimento e Participação da Comunidade Negra do Rio Grande do Sul). Às vezes, a gente entra em contato com a prefeitura e fazemos com que eles tragam [alimentos] para nós.”
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‘Epicentro da desagraça’
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“Nós estamos no epicentro da desgraça, porque 40% do nosso território foi atingido drasticamente”, afirma Luis Rogério Machado, o Jamaica, líder do Quilombo dos Machado.
A comunidade fica próxima ao aeroporto da capital. Ambos foram alagados pelas águas do Guaíba, que recebe as águas do Rio Jacuí e de outros afluentes.
A estimativa de Jamaica é que 100 das 260 famílias tenham tido que deixar suas casas. Em geral, os imóveis não foram destruídos pelas águas, mas muito do que havia dentro deles foi perdido.
Segundo Machado, a comunidade organizou uma força-tarefa para apoiar moradores do quilombo e de bairros do entorno, como Vila Dique, Vila Nazaré, Vila Brasília, Vila Asa Branca, Vila Respeito, Vila Nova Minuano e Humaitá, além de moradores das cidades de Guaíba, Eldorado do Sul.
“Acolhimento, de acolher todos, acolher, mesmo sendo uma comunidade preta, ela acolhe branco, ela acolhe indígena, ela acolhe haitiano, ela acolhe a todos. Isso é que o quilombo trabalha”, diz Luis Rogério Machado, o Jamaica, líder do Quilombo dos Machado.
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No quilombo do Areal, também na capital, apenas 6 dos 200 moradores não deixaram os lares, por morarem em imóveis com dois ou três andares. “Os moradores tiveram que procurar casas de parentes, amigos e abrigos em bairros seguros”, diz Fabiane Xaviar, secretária e uma das lideranças do Quilombo do Areal.
A expectativa é que todos, apesar do medo de outras inundações, voltem – o retorno pe uma retomada ao lugar de pertencimento de toda uma comunidade, perpetuando o território para as gerações futuras, segundo Fabiane.
“É o lugar onde a gente nasceu, onde a gente viveu, onde a gente cresceu, onde a minha bisavó morou, minha avó morou, minha mãe morou, eu moro e meus filhos moram. É onde concentra uma comunidade negra remanescente de povo escravizado praticamente no centro de Porto Alegre”, diz.
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