Encontrado pela primeira vez em 2021, sapinho surpreendeu pesquisadores ao apresentar características de duas espécies distintas Pseudopaludicola chimaera, nova espécie descoberta em Marianópolis do Tocantins
Leandro Alves da Silva
Descoberta durante um trabalho de licenciamento ambiental no município de Marianópolis do Tocantins (TO), uma nova espécie de sapo do gênero Pseudopaludicola, apelidada de Pseudopaludicola chimaera, encantou os pesquisadores ao apresentar uma “mistura morfológica” entre duas espécies próximas.
A rãzinha, que mede menos que um centímetro e meio, possui um canto parecido com o de uma Pseudopaludicola pocoto, uma espécie de pernas curtas que recebe o nome de “pocotó” por sua vocalização ser semelhante a uma galopada de cavalo, mas sua morfologia e posição filogenética a associam ao grupo Pseudopaludicola saltica, que possuem pernas longas.
Na primeira expedição, realizada em 2021, os pesquisadores comentam ter escutado um indivíduo que estava emitindo uma vocalização muito similar a espécie de P. pocoto, que ocorre no nordeste do Brasil, não fazendo sentido a espécie estar presente ali pensando na região onde estavam e já suspeitando de se tratar de uma nova espécie.
“Essas espécies costumam cantar, mas elas são muito pequenas, menores que um centímetro e meio, e costumam cantar no meio do capim, próximo a áreas alagadas. Então, de maneira geral, é fácil escutá-las, porém é muito difícil capturá-las”, explica o Dr. Leandro Alves da Silva, pesquisador de pós-doutorado na UFRN e um dos descritores da espécie.
A descrição aconteceu em uma segunda oportunidade, em uma outra expedição na região feita em 2022. Nela, os pesquisadores conseguiram encontrar mais três indivíduos da espécie, totalizando cinco até aquele momento.
A descoberta também destaca o papel crucial da taxonomia integrativa, que combina análise morfológica, genética e bioacústica. Essa abordagem foi fundamental para descrever a espécie, que reforça a ideia de que ainda há muito a ser explorado no gênero Pseudopaludicola, já que metade das espécies conhecidas foi descoberta nos últimos 15 anos.
“Quando a gente encontrou o bicho, a gente pegou os indivíduos que estavam cantando, e quando eu olhei com calma para eles, eu percebi que eles tinham uma perna gigante. E aí bateu aquela dúvida. Essa espécie que nós havíamos encontrado, pelas características morfológicas e acústicas, não se encaixava com nenhuma espécie que já havia sido descrita”, diz Leandro.
A rã faz parte do grupo Pseudopaludicola saltica, que tem como característica principal as pernas grandes
Leandro Alves da Silva
Segundo o pesquisador, a perna grande é a principal característica do grupo de Pseudopaludicola que conhecemos como Pseudopaludicola saltica. A articulação tipo tarsal, basicamente seu tornozelo, quando esticada para frente, fica para frente do focinho, sinalizando que a perna do bicho é maior do que de outras espécies de Pseudopaludicola.
“O que nós estávamos em mão era uma espécie do grupo saltica, que cantava como uma Pseudopaludicola pocoto, ou era uma espécie próxima de Pseudopaludicola pocoto que tinha uma perna comprida. No fim das contas, quando a gente fez o sequenciamento do DNA e tudo mais, nós vimos que essa espécie de fato pertence ao grupo saltica, mas cantava com o padrão acústico de Pseudopaludicola pocoto, e isso daí nos levou ao nome ‘chimaera’”, informa o pesquisador.
O nome científico da espécie, Pseudopaludicola chimaera, foi escolhido justamente por fazer referência ao nome da mitologia grega “quimera”, que se refere a um ser que mistura de diferentes tipos de animais. Atualmente, a espécie é conhecida apenas para uma única localidade.
“As espécies do grupo saltica costumam ser, de maneira geral, bastante raras, muito pouco abundantes. Então, talvez a maior dificuldade foi encontrar os indivíduos. Hoje, são 27 espécies de Pseudopaludicola descritas, porém só quatro delas possuem as pernas grandes, então todas as outras 24 são facilmente diferenciáveis por conta dessa característica”, diz o pesquisador.
Pseudopaludicola chimaera
Leandro Alves da Silva
Segundo o Dr. Felipe Silva de Andrade, pesquisador de pós-doutorado na FFCLRP-USP e também descritor da espécie, o canto característico é uma das principais evidências que distingue a P. chimaera de todas as outras espécies do gênero, com exceção da P. pocoto, que se diferencia apenas morfologicamente.
“Na localidade onde ela foi coletada, ela ocorre com outras três espécies do gênero. Elas competem por território e também competem por recursos. Mas, por outro lado, por parceiros não, porque nós sabemos que o canto de anúncio serve como uma barreira de isolamento reprodutivo entre essas espécies, embora sejam todas no mesmo gênero e algumas com uma morfologia bem semelhante”, explica Felipe.
A descrição da espécie foi feita com base em apenas cinco indivíduos, o que é relativamente um número baixo quando comparado a outras descrições de espécies que já foram descritas. Por conta disso, para o pesquisador, proteger o ambiente onde a rãzinha ocorre é fundamental.
“Proteger o Cerrado a partir dessa informação se torna fundamental, porque baseado na informação de que não é uma espécie tão abundante, é fundamental que nós protegemos, cuidemos desse ambiente tão único. Falando um pouco mais do gênero, as espécies que compõem, as 27 espécies, a maioria ocorre no Cerrado brasileiro e é no Cerrado que ocorreu o maior sucesso de ocupação dessas espécies”, diz o pesquisador.
Ambiente onde a nova espécie Pseudopaludicola chimaera foi encontrada
Leandro Alves da Silva
Segundo ele, ainda não é certo se existe alguma ameaça direta ao habitat ou à sobrevivência da espécie, mas que na região do Matopiba (região que se estende por Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), uma das regiões que mais contam com o avanço das fronteiras agrícolas, o avanço da atividade humana, sobretudo do agronegócio, é algo que que tem causado uma certa preocupação.
“A gente sabe muito pouco de qual o nível de influência dessas atividades, mas sabemos que com certeza está afetando”, informa.
*Texto sob supervisão de Lizzy Martins
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