Foram 141 jovens baleados, apontando um crescimento de 37% em relação a 2023 e ultrapassando outras capitais, como Rio de Janeiro, Salvador e Belém. Foram mapeados 1.748 tiroteios na Região Metropolitana. Darik Sampaio da Silva, de 13 anos, vítima de bala perdida no Jordão, Zona Sul do Recife
Reprodução/TV Globo
Em 2024, 141 adolescentes foram baleados no Grande Recife, de acordo com o relatório anual do Instituto Fogo Cruzado divulgado nesta quarta-feira (19). Esse número é o mais alto já registrado na Região Metropolitana e o maior entre as demais capitais acompanhadas pelo levantamento, sendo elas o Rio de Janeiro, Salvador e Belém.
Um dos casos registrados foi a morte do adolescente Darik Sampaio, de 13 anos, que morreu após levar dois tiros, enquanto conversava com amigos na calçada de casa, durante uma operação policial no bairro do Jordão, na Zona Sul do Recife, em março de 2024.
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Os dados do estudo apontam que o número de jovens baleados com idades entre 12 e 17 anos cresceu 37% no último ano, em comparação com 2023, atingindo seu recorde. Confira a série histórica:
2024: 141 adolescentes baleados — 99 mortos e 42 feridos
2023: 109 adolescentes baleados — 74 mortos e 35 feridos
2022: 118 adolescentes baleados — 71 mortos e 47 feridos
2021: 108 adolescentes baleados — 70 mortos e 38 feridos
2020: 93 adolescentes baleados — 57 mortos e 36 feridos
2019: 109 adolescentes baleados — 84 mortos e 25 feridos
Segundo a coordenadora do Instituto Fogo Cruzado em Pernambuco, a cientista social Ana Maria Franca, embora o resultado seja o pior até então, a quantidade de adolescentes baleados no Grande Recife é considerada alta desde que o levantamento começou a ser feito, em 2019.
Para Ana Maria Franca, o resultado reflete a ausência de políticas públicas eficientes para reverter o cenário de violência em Pernambuco.
“Historicamente, quando a gente vê os números, eles nos mostram que os adolescentes estão sistematicamente vitimizados pela violência de modo geral. É o maior número da série histórica, mas quando a gente olha os dados no estado, a gente vê que esse número sempre foi alto. O estado sabe disso, é uma informação governamental, mas nada é feito para proteger essa população”, disse a cientista social.
O número de adolescentes baleados no Grande Recife é superior a todas as demais regiões metropolitanas mapeadas pelo Fogo Cruzado. No Rio de Janeiro, 38 adolescentes foram vítimas da violência armada, enquanto em Salvador foram 53, e em Belém, 12.
Com média de cinco tiroteios diários no Grande Recife, o ano de 2024 foi o segundo mais violento da série histórica do Fogo Cruzado. No total, foram mapeados 1.748 tiroteios na Região Metropolitana da capital, uma queda de 4% em comparação a 2023, que teve 1.827 registros.
Para Ana Maria Franca, os números alcançados em 2024 indicam um “recuo tímido” na violência armada, demonstrando uma “ineficiência” da atual política de segurança pública, o programa Juntos Pela Segurança. O plano lançado em 2023 prometeu a redução de 30% nos casos de homicídios, violência contra a mulher, crimes contra o patrimônio e roubos e furtos de veículos até 2026.
Apesar da pequena variação, a letalidade se manteve alta e no mesmo patamar alcançado em 2023: em 97% das vezes que uma arma de fogo foi disparada no Grande Recife alguém foi morto ou ferido. De acordo com a coordenadora regional do Fogo Cruzado, o índice também é o maior entre as capitais pesquisadas.
“No Rio de Janeiro, que a gente gosta de comparar porque sempre registra mais tiroteios do que aqui, 40% dos tiroteios resultaram em vítima. Em Salvador, 77%, e em Belém, 84%. A gente percebe que o padrão aqui de vitimização é altíssimo. […] Aqui também a gente tem um padrão de homicídios múltiplos, em que mais de uma pessoa é baleada”, apontou Ana Maria Franca.
Segundo Ana Maria, a alta letalidade no Grande Recife, sobretudo em comparação com as demais capitais, demonstra “um padrão de violência direcionada”.
O levantamento mostrou que 91,8% dos tiroteios aconteceram com o propósito de executar alguém. Em 5% dos casos, o disparo foi feito durante roubos; em 4% durante ações da polícia; e em 2% das vezes foi o resultado de brigas.
“A gente costuma usar o termo de violência endereçada porque muitas vezes essa violência ocorre dentro da casa das pessoas. Em 2024, a gente mapeou, por exemplo, 210 pessoas baleadas dentro de casa. É um número alarmante que mostra esse perfil da execução”, comentou a coordenadora.
Apesar da maior parte dos tiroteios serem “endereçados”, ao menos 49 pessoas foram vítimas de balas perdidas no Grande Recife em 2024: sete morreram e 42 ficaram feridas.
A Região Metropolitana também apresenta “um padrão de homicídios múltiplos”. Em 2024, 1.959 pessoas foram baleadas, enquanto foram registrados 1.748 tiroteios na região. Na prática, isso significa que os tiroteios do Grande Recife costumam vitimar mais de uma pessoa por ocorrência.
Agentes de segurança
No último ano, 74 pessoas foram baleadas em operações policiais no Grande Recife. O número é significativamente menor que o alcançado em 2023, quando 113 pessoas foram baleadas em eventos desta natureza. Apesar disso, o resultado ainda é maior que o alcançado em 2022, que teve 68 vítimas.
Do outro lado, 23 agentes de segurança foram baleados no Grande Recife em 2024; 13 morreram e 10 ficaram feridos.
Do total, nove foram atingidos quando estavam fora de serviço; quatro durante o trabalho; e sete baleados eram agentes aposentados ou exonerados do cargo. Os policiais militares foram os mais afetados pela violência armada, com 14 dos 23 baleados.
Raça e território
O levantamento, que é feito com base em dados fornecidos pelas forças de segurança estaduais, mapeou a cor de 51% dos 1.959 baleados. Do total, 86% em pessoas eram negras e 14%, brancas.
A pesquisadora do Fogo Cruzado apontou que “a violência armada não se espalha de forma igualitária no Grande Recife”.
“Ela [violência] se concentra em locais periféricos com a maioria da população negra. Existe um perfil que é o alvo preferencial dessa violência. […] Quando a gente olha os bairros, a gente percebe locais distantes do centro, não só geograficamente, mas bairros que concentram uma população mais pobre, um índice alto de vulnerabilidade social”, disse.
A capital pernambucana concentrou 38% dos tiroteios, 36% dos mortos e 46% dos feridos em 2024. Os municípios do Grande Recife mais afetados pela violência armada foram:
Recife: 658 tiroteios, 512 mortos e 242 feridos;
Jaboatão dos Guararapes: 288 tiroteios, 248 mortos e 68 feridos;
Olinda: 167 tiroteios, 136 mortos e 42 feridos;
Cabo de Santo Agostinho: 138 tiroteios, 124 mortos e 43 feridos;
Paulista: 92 tiroteios, 72 mortos e 28 feridos.
Já os bairros mais afetados pela violência armada na RMR em 2024 foram:
Pina, no Recife: 29 tiroteios, 23 mortos e 11 feridos;
Curado, em Jaboatão dos Guararapes: 29 tiroteios, 21 mortos e 10 feridos;
Cajueiro Seco, em Jaboatão dos Guararapes: 28 tiroteios, 19 mortos e 14 feridos;
Distrito sede de Goiana*: 28 tiroteios, 23 mortos e 9 feridos;
Afogados, no Recife: 26 tiroteios, 22 mortos e 5 feridos;
O instituto também mapeou onde as pessoas estavam quando foram baleadas:
210 pessoas foram baleadas dentro de casa;
46 dentro de automóveis;
19 em bares;
17 em barbearias;
8 em postos de combustível;
4 em lava-jatos;
3 quando participavam de eventos;
3 no transporte público.
* O município de Goiana, atualmente na Zona da Mata, deixou de fazer parte da Região Metropolitana do Recife em 2020, mas segue nos relatórios do Instituto Fogo Cruzado por escolha da instituição para manter a fidelidade da série histórica nos comparativos com períodos anteriores.
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