Isaac ben Judah Abravanel — ou Abarbanel, conforme alguns registros — foi um filósofo, comentarista bíblico e financista judeu português. Ele nasceu em Lisboa em uma importante família de judeus sefarditas Isaac ben Judah Abravanel foi um filósofo, comentarista bíblico e financista judeu português
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No 11º arrondissement de Paris, uma congregação judaica ortodoxa construída em estilo modernista e inaugurada em 1962 é chamada de Sinagoga Dom Isaac Abravanel. Para brasileiros, o sobrenome imediatamente remete a uma das maiores personalidades da TV: o apresentador e empresário Silvio Santos, que morreu no sábado (17), cujo nome oficial era Senor Abravanel (1930-2024).
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E se a biografia de Silvio Santos teve contornos de superação, de quem ascendeu financeira e socialmente enfrentando adversidades, a trajetória de seu antepassado ilustre, Isaac Abravanel (1437-1508), também foi rica em episódios emblemáticos.
A genealogia ilustre de Silvio Santos era conhecida no Brasil pelo menos desde a publicação, em 1990, do livro “O Baú de Abravanel – Uma Crônica de Sete Séculos Até Silvio Santos”, do jornalista Alberto Dines (1932-2018).
Em seu programa do SBT, emissora do qual era dono, o apresentador e empresário falou sobre o assunto quando, certa vez, foi perguntado por uma telespectadora sobre seu nome verdadeiro.
Em sua sucinta resposta, Silvio Santos demonstrou orgulho das raízes, dizendo que seu antepassado foi “o homem que consertou as finanças de Portugal, depois foi chamado por Isabel e Fernando [monarcas espanhóis] para consertar as finanças da Espanha”.
Ele lembrou que os judeus foram perseguidos pela inquisição católica e Isaac, mesmo convidado pelos reis espanhóis a ficar, decidiu exilar-se junto a seu povo. Mas enfatizou que seu ancestral “deu dinheiro para que [o navegador Cristóvão] Colombo viesse descobrir a América”.
Isaac ben Judah Abravanel — ou Abarbanel, conforme alguns registros — foi um filósofo, comentarista bíblico e financista judeu português. Ele nasceu em Lisboa em uma importante família de judeus sefarditas.
“Um judeu sefaradi é tido como judeu vindo de famílias judias originárias da Península Ibérica [atuais Portugal e Espanha] desde a Idade Média e que permaneceram judias até hoje”, explica à BBC News Brasil o rabino Uri Lam, da congregação israelita Templo Beth-El, de São Paulo.
Diretora do Museu Judaico de São Paulo, a historiadora Roberta Alexandr Sundfeld, complementa à BBC News Brasil que os sefardistas “são os judeus que foram expulsos da Espanha durante a Inquisição e se espalharam pela região do Mediterrâneo, onde hoje se localiza o Egito, a Turquia, a Síria e o Líbano.”
Quadro mostra a expulsão dos judeus da Espanha por Isabel 1ª de Castela e Fernando 2º de Aragão
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A vida de 71 anos de Dom Isaac “pode ser dividida geograficamente em três períodos: a fase em Portugal (1437-83), a fase em Castela (1483-92) e a fase na Itália (1492-1508)”, diz o filósofo francês Cedric Cohen-Skalli, em seu livro “Don Isaac Abravanel: An Intellectual Biography” (Don Isaac Abravanel: uma biografia intelectual, em tradução livre).
Pai do primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu, o historiador Benzion Netanyahu (1910-2012), professor emérito da Universidade Cornell (EUA), também escreveu um livro a respeito de Abravanel.
Em “Don Isaac Abravanel: Statesman and Philosopher” (Don Isaac Abravanel: Estadista e Filósofo, em tradução livre), o acadêmico define o antepassado de Silvio Santos como “a figura histórica mais notável entre os judeus no período final da Idade Média”.
“Estadista, diplomata, homem da corte e financista de renome internacional, ele foi, ao mesmo tempo, um erudito enciclopédico, um pensador filosófico, um exegeta renomado e um escritor brilhante”, elogia.
“A combinação de qualidades tão diversas, tão altamente desenvolvidas, em um único homem, é um fenômeno raro em qualquer época. Não foi menos raro entre os judeus da Idade Média.”
Para Benzion Netanyahu, “em Abravanel encontraram-se e terminaram duas longas linhas de tradição: a dos estadistas judeus medievais e a dos filósofos judeus medievais”.
É por isso que muitos pesquisadores contemporâneos tendem a situar Abravanel como “um dos inventores da modernidade judaica”.
Sinopse biográfica enviada pelo rabino Lam à reportagem ressalta isso, lembrando que o personagem foi “comerciante, banqueiro e financista da corte, estudioso versado tanto em escritos judaicos quanto cristãos, pregador e exegeta”, além de “destacado ator político em círculos reais e comunidades judaicas”.
O relato ainda diz que Abravanel “foi um dos maiores líderes e pensadores do judaísmo ibérico após a expulsão [da península] em 1942”, era “um tradicionalista com ideias inovadoras” e “um homem com um pé na Idade Média e outro no Renascimento”.
“Erudito, autor de uma monumental obra exegética que ainda é estudada hoje, e ávido colecionador de livros, ele foi uma figura de transição, definida por uma era de contradições”, acrescenta o texto. “No entanto, são essas mesmas contradições que o tornam uma personalidade tão importante para entender o início da modernidade judaica.”
Claro que nem tudo são elogios.
Um dos maiores pesquisadores do planeta sobre a história da escravidão no ocidente, o historiador norte-americano David Brion Davis (1927-2019), professor na Universidade de Yale, escreveu que Abravanel foi um dos defensores da tese de que os africanos eram descendentes de Caim [o personagem bíblico que matou o irmão Abel, naquele que seria o primeiro homicídio da história], e isso acabou sendo argumento para justificar a discriminação racial contra os negros e justificativa para a escravidão de povos da África.
“Ele foi ativo durante um período de grandes mudanças e crises que moldaram não apenas o curso de sua própria vida e pensamento, mas também, em grande medida, o rosto do início da era moderna como um todo”, pontua Cohen-Skalli. “Em cada fase de sua vida, Dom Isaac Abravanel desfrutou de sucessos impressionantes. E em cada fase, esses sucessos foram-lhe arrancados pela mão do destino — ou, mais precisamente, pelas marés da história.”
“Isaac Abravanel era, entre outras coisas, um prolífico comentarista bíblico. E suas interpretações são estudadas em colégios rabínicos do mundo inteiro ao lado de outros gigantes da exegese bíblica judaica”, afirma à BBC News Brasil o historiador, hebraísta e rabino Theo Hotz, apresentador do podcast Torá com Fritas.
O apresentador e empresário Silvio Santos morreu aos 93 anos
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Em Portugal
“Os Abravanel, eles próprios, tinham plena certeza e orgulho da nobreza de sua origem — tanto que, de fato, reivindicavam a descendência da dinastia de David [líder da antiguidade que, conforme relatos bíblicos, teria consolidado o poder de Israel]”, diz o historiador Netanyahu, comentando, contudo, que a árvore genealógica conhecida e comprovada da família não ia além de cinco gerações antes de Isaac.
Segundo o filósofo Cohen-Skalli, a família de Isaac Abravanel era formada por ricos banqueiros e comerciantes judeus que haviam emigrado de Castela, hoje Espanha, para Portugal após os pogroms ocorridos lá em 1391.
“Durante seus 46 anos em Portugal, ele se tornou um dos mais ricos banqueiros judeus do reino, além de ter sido um líder comunitário e um intelectual que participou ativamente nos discursos judaicos e cristãos do reino”, afirma o filósofo.
Netanyahu lembra que a transferência dos Abravanel de Castela para Portugal coincidia com um momento em que o reino lusitano experimentava um período de renascimento, depois da famosa Batalha de Aljubarrota, de 1385. Havia um espírito de nacionalismo e oportunidades de crescimento.
“Os Abravanel chegaram a Portugal em um momento em que o clima social do país podia ser hostil aos judeus, mas o cenário político vigente era ainda favorável aos judeus, já que não havia falta de oportunidades para empreendimentos financeiros”, afirma o historiador.
De acordo com ele, isso fez com que o pai de Isaac Abravanel “ascendesse sem muita dificuldade para posições proeminentes no mundo financeiro e político”. De acordo com Netanyahu, o avô de Isaac teve cargos junto à monarquia de Castela e seu pai havia sido tesoureiro de um dos príncipes da corte portuguesa.
Isaac teve, então, uma infância privilegiada. Foi educado com estudos de latim e dos clássicos romanos, cresceu poliglota: falava português, castelhano, latim e hebraico — língua esta na qual ele recebeu a educação básica, seguindo a tradição da intelligentsia medieval judaica. Aprendeu Filosofia Grega e Árabe, estudando de Aristóteles a Avicena, e também Ciências Naturais, o que incluía, na época, Medicina e Astrologia.
Segundo o historiador e biógrafo, graças à atuação proeminente de seu pai, ele foi uma criança acostumada “a frequentar palácios”.
“Por natureza, ele possuía, no entanto, uma sede de verdade. Sede esta que a filosofia, já que não podia saciar, intensificava; e, como outros racionalistas desiludidos, voltou-se para a religião e para o misticismo”, diz Netanyahu.
Mas o ponto mais importante do sucesso social de Abravanel, sem dúvida, estava na sua proximidade com a alta cúpula do poder.
“Ele mantinha estreitas relações com a nobreza e com o rei Afonso 5º [(1432-1481)]”, diz o francês Cohen-Skalli. “Servia à nobreza concedendo empréstimos, tributando suas terras e conduzindo o comércio. Em troca, recebia privilégios e grandes propriedades, bem como o título de ‘dom’.”
Ele passou a trabalhar com o rei Afonso 5º em 1472 e, segundo Netanyahu, “atingiu o mais alto estágio de prestígio e poder em Portugal” nos últimos três anos do monarca, ou seja, até 1481.
Conforme diz à BBC News Brasil a historiadora espanhola Yolanda Alonso Rodríguez, pesquisadora mestranda em Estudos Medievais na Universidade do Porto, Isaac Abravanel teve carreira “brilhante” ao lado do rei Afonso, tornando-se ministro das Finanças e tesoureiro da corte. Ele também manteve “relações estreitas com membros da casa de Bragança”.
Sua notoriedade era pública na sociedade lisboeta. Abravanel dava aulas de Filosofia e de judaísmo, escreveu obras a respeito de livros bíblicos e se correspondia com intelectuais, tanto judeus quanto cristãos. Segundo Cohen-Skalli, “suas opiniões e ideias sobre diversos temas eram muito respeitadas”.
“Parecia que nada poderia lançar uma sombra sobre essa prosperidade econômica, intelectual e social. Mas, em 1481, com a morte do rei Afonso 5º, sua boa sorte chegaria ao fim”, anota o biógrafo.
O sucessor no trono português, João 2º (1455-1495), em “apenas dois anos […] conseguiu reverter e eliminar todas as conquistas da família Abravanel em Portugal”, diz Cohen-Skalli. “Dom Isaac foi forçado ao exílio em Castela.”
Netanyahu explica que João 2º passou a “restringir os direitos dos judeus” com o objetivo de “reduzir suas influências no país”.
Na Espanha
Migrar para Castela parecia um destino óbvio para quem era de família vinda de lá. Cohen-Skalli lembra, contudo, que quando chegou lá, em 1483, “Dom Isaac já não era mais um homem jovem” e se viu “obrigado a reconstruir sua reputação em um novo, embora de certa forma familiar, ambiente”.
“Evidências documentais demonstram que, em dois anos, ele retomou seu papel como líder comunitário e judeu da corte, agora servindo à nobreza castelhana”, relata o filósofo.
O pesquisador nota que tanto pelo “alcance de seus escritos” quanto pelas “somas de dinheiro que ele emprestou”, além de sua “atividade como coletor de impostos” nesse período relativamente curto em que viveu em Castela — foram nove anos — “apontam para seu talento em sobreviver e para sua criatividade e proatividade excepcionais”.
“Pela segunda vez na vida, Dom Isaac conseguiu ascender na sociedade judaica e cristã, enquanto tecia uma síntese única de pensamento judaico e cristão”, afirma Cohen-Skalli.
Menos de um ano depois da chegada a Castela, em março de 1484, Isaac Abravanel foi chamado para uma audiência com os monarcas Fernando de Aragão (1452-1516) e Isabel de Castela (1451-1504), considerados os primeiros reis da Espanha.
Segundo Netanyahu, eles estavam em “desesperada busca por fundos” e esse convite para a reunião certamente “tinha conexão com o problema” já que sua fama, como “conselheiro chefe das finanças, se não o tesoureiro, de Portugal” corria solta.
O historiador afirma que sua experiência anterior era uma credencial aos reis espanhóis, que o viam como “um importante e atrativo” quadro. Fernando e Isabel estavam informados sobre as capacidades, habilidades e criatividade de Abravanel no campo das finanças.
Isaac Abravanel
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Os oito anos a serviço da monarquia espanhola coincidem com a empreitada mais importante da história desse reinado: o envio do navegador genovês Cristóvão Colombo (1451-1506), comandando uma esquadra de três embarcações, para a América.
A proeza foi concluída em outubro de 1492. Assim, não é exagero o que disse Silvio Santos: não fosse a organização financeira proporcionada por seu antepassado talvez a história das grandes navegações — e da própria conquista do solo americano — tivesse sido um bocado diferente.
“Mas uma nova e inesperada provação logo mudaria irrevogavelmente o curso de sua vida, para não mencionar as vidas de milhares de seus correligionários”, conta Cohen-Skalli.
A pressão da inquisição católica fez com que os reis espanhóis assinassem um edito de expulsão dos judeus do reino. De acordo com texto biográfico escrito pelo rabino Letão Nissan Mindel (1912-1999), Abravanel tentou “evitar a catástrofe”.
“Implorou aos reis que reconsiderassem aquela cruel decisão e ofereceu uma grande soma para o tesouro real. O rei e a rainha não lhe deram ouvidos e rejeitaram suas ofertas de dinheiro”, aponta.
Em três meses, ao longo de 1492, os sefarditas tiveram de decidir: ou se tornavam cristãos ou seriam obrigados a fugir. O historiador Hotz lembra que esse decreto deu “início a uma subdiáspora, levando os judeus sefarditas a se espalharem pelo norte da África, Inglaterra, Holanda, Turquia, terra de Israel, Américas coloniais, entre outros”.
“Aos 55 anos, dom Isaac foi forçado a abandonar seu entorno histórico e o mundo cultural e político no qual ele e sua família haviam conseguido estabelecer seu status ao longo das gerações”, escreve o filósofo Cohen-Skalli.
Na Itália
Ele acabou embarcando com destino à atual Itália.
“Nos últimos 16 anos de sua vida na península itálica, Dom Isaac procurou um novo lar — para si, sua família e alguns outros membros de sua comunidade. A princípio, foi recebido de braços abertos na cidade de Nápoles. Mas em 1495, a invasão francesa da península itálica e as guerras italianas que se seguiram puseram fim aos seus planos de fazer do reino do sul da Itália seu novo lar. Por oito anos, ele vagou entre Sicília, Corfu e a cidade portuária veneziana de Monopoli. Finalmente se estabeleceu em Veneza, onde morreu em 1508”, resume Cohen-Skalli.
A chegada não foi fácil. Segundo Netanyahu, no dia 24 de agosto de 1492 nove caravelas lotadas de exilados judeus chegou ao porto de Nápoles. Os barcos estavam superlotados. Muitos haviam adoecido na árdua viagem, com poucas provisões e péssimas condições sanitárias. Era uma calamidade.
Tudo ia bem. O historiador ressalta que ali ele encontrou novamente “a felicidade”. Até que a invasão francesa criou nova ameaça e ele acabou indo para a Sicília, depois para Monopoli, cidade da região da Puglia, onde viveu pouco mais de 7 anos.
Mindel afirma que foi um período em que Abravanel enfrentou “pobreza e provações”, já que havia perdido toda sua fortuna para os invasores.
Em 1503, mudou-se para Veneza. A então república enfrentava uma crise desencadeada pela descoberta das novas rotas marítimas, contornando a África, que punham em xeque o papel da cidade como entreposto comercial entre Oriente e Ocidente.
Sagaz, Isaac Abravanel submeteu ao conselho da república um plano para regular o comércio de especiarias, oferecendo-se para atuar como diplomata junto a Portugal e estabelecer uma forma de recuperar as finanças debilitadas desde que o navegador Vasco da Gama (1469-1524) havia consolidado a rota ladeando o continente africano.
De acordo com Netanyahu, essa postura comprometida “deixava claro aos prudentes líderes da república que sua pessoa era dotada de boas qualidades e virtudes”.
Como frisa o historiador, essa mediação foi a última “ação diplomática-financeira que teve o engajamento de Abravanel”. No fim de sua vida, ele “devotou todo o seu tempo ao trabalho literário”, principalmente produzindo comentários bíblicos.
“A instabilidade que caracterizou os últimos anos da vida de Dom Isaac foi um destino que ele compartilhou com muitos exilados ibéricos. Mas isso não interrompeu sua criatividade literária, empreendimentos comerciais ou atividade política”, diz Cohen-Skalli. “Pelo contrário: Dom Isaac compôs a vasta maioria de sua obra exegética sob a sombra da incerteza e da itinerância.”
“Durante esses anos, Dom Isaac conseguiu se estabelecer na consciência histórica e religiosa dos exilados sefarditas. Sua atividade literária e seus esforços políticos nos últimos anos de sua vida fizeram dele o herói desses exilados e de seus descendentes, além de elevá-lo ao status de uma figura histórica e espiritual que continua a atrair profundo interesse de judeus e cristãos”, acrescenta o biógrafo.
“Seus sucessos diante de condições adversas e turbulências internacionais são um testemunho impressionante de seus talentos de sobrevivência e resistência, o núcleo em torno do qual sua imagem lendária como líder e escritor foi criada”, completa.
Abravanel morreu em dezembro de 1508. Como as leis de Veneza não permitiam o enterro de judeus, seu corpo foi levado a Pádua.
Legado
Para Cohen-Skalli, a vida plena e ativa de Abravanel “o colocou em estreito contato com grandes desenvolvimentos, inovações e crises nos âmbitos da economia, política, religião, literatura, filosofia e geografia”.
“Ele não era simplesmente um cortesão e comerciante que participava da vida social e econômica de seu tempo. Era também um erudito e autor que respondia às mudanças históricas que afetavam sua vida e a da comunidade judaica, tanto na península ibérica quanto, após a expulsão de 1492, nas comunidades judaicas da Itália e na diáspora sefardita”, acrescenta o francês.
“É verdade que Dom Isaac era um rico comerciante e agiota que servia tanto a nobres quanto a reis. Mas, ao mesmo tempo, era um intelectual com uma educação extremamente diversa: judaica, cristã, islâmica e clássica. Era um professor e exegeta que compôs uma série impressionante de comentários […] além de tratados filosóficos”, salienta ele.
Para o filósofo, tudo isso faz de Isaac Abravanel “uma das personalidades históricas mais fascinantes da baixa Idade Média e do início da era moderna”.
“Dois retratos diferentes de Dom Isaac Abravanel foram gravados na memória coletiva judaica e na memória de estudiosos modernos, respectivamente. O primeiro é o de um líder de exilados durante o período da expulsão no final da Idade Média e do fim da história judaica ibérica. O segundo é o de um pensador judeu inovador que adotou visões republicanas modernas extraídas da literatura do humanismo e do Renascimento”, define Cohen-Skalli.
“A diferença entre a imagem tradicional de Abravanel e sua imagem na erudição moderna aponta para a dificuldade de encaixá-lo em um único período, movimento ou papel. A lealdade de Dom Isaac à sua religião e comunidade lhe conferiu status lendário e o transformou em um símbolo de resistência e sobrevivência judaica, mesmo na era da expulsão. Em contraste, suas visões políticas inovadoras e seu sucesso econômico nas cortes ibéricas e italianas levaram alguns estudiosos a vê-lo como um novo tipo de figura judaica, um precursor do judeu moderno dos séculos 18 e 19”, pontua.
Para o filósofo, essa dicotomia suscita o debate. Isaac Abravanel teria sido “um herói que defendeu o judaísmo […] no alvorecer da era moderna” ou “um judeu imbuído do espírito da modernidade […] que internalizou novas concepções e novos modos de comportamento e expressão”?
A historiadora Rodríguez ressalta que os altos cargos desempenhados por Isaac Abravanel não foram exceção ao contexto da época.
Ela lembra que, naquele contexto, famílias judias “se destacaram no ambiente real de Lisboa” e o caso dos Abravanel não foi “único ou aleatório”.
“Fez parte de uma importante e fundamental rede de funcionários régios e rabinos que exerciam as suas funções com habilidade e sabedoria. E que, durante anos, os monarcas souberam valorizar e incorporar ao cotidiano, apesar das dificuldades constantes que os judeus sofriam na Península Ibérica”.