7 de novembro de 2024

O que vai acontecer com o DNA de milhões de pessoas armazenado pela 23andMe


Como uma empresa de tecnologia outrora tão bem-sucedida chegou ao ponto de ter que responder a perguntas sobre sua própria sobrevivência? Empresa luta pela sobrevivência depois de tempos áureos
Getty Images via BBC
Há três anos, a empresa de testes de DNA 23andMe era um grande sucesso, com o preço de suas ações superior ao da Apple.
Mas aqueles tempos áureos — em que milhões de pessoas corriam para enviar amostras de saliva em troca de relatórios detalhados sobre sua ascendência, conexões familiares e composição genética — ficaram para trás, e a empresa está lutando agora por sua sobrevivência.
O preço das suas ações despencou, e na semana passada esteve a ponto de ser retirada da bolsa de valores.
E, claro, esta é uma empresa que detém dados confidenciais sobre seus clientes, o que levanta questionamentos preocupantes sobre o que poderia acontecer à sua enorme — e extremamente valiosa — base de dados de DNA humano individual.
Quando a BBC entrou em contato com a companhia, a 23andMe se mostrou otimista em relação às suas perspectivas — e insistiu que permanecia “comprometida em proteger os dados dos clientes e consistentemente focada em manter a privacidade dos nossos clientes”.
Mas, afinal, como uma empresa de tecnologia outrora tão bem-sucedida chegou ao ponto de ter que responder a perguntas sobre sua própria sobrevivência?
Febre do ouro do DNA
Não faz muito tempo, a 23andMe chamava a atenção do público por uma boa razão.
Entre seus clientes famosos, estavam Snoop Dogg, Oprah Winfrey, Eva Longoria e Warren Buffett — e milhões de usuários estavam obtendo resultados inesperados e transformadores.
Algumas pessoas descobriram que seus pais não eram quem elas pensavam que fossem — ou que tinham uma predisposição genética para problemas de saúde graves.
O preço de suas ações disparou para US$ 321.
Três anos depois, esse valor caiu para pouco menos de US$ 5 — e a empresa vale 2% do que valia antes.
O que deu errado?
A cofundadora Anne Wojcicki com o então marido Sergey Brin
Getty Images via BBC
De acordo com o professor Dimitris Andriosopoulos, fundador da Unidade de Negócios Responsáveis ​​da Universidade Strathclyde, na Escócia, o problema da 23andMe pode ser explicado de duas formas.
Em primeiro lugar, a empresa não tinha um modelo de negócio contínuo — depois que você pagava pelo relatório de DNA, havia muito pouco motivo para retornar.
Em segundo lugar, os planos de usar uma versão anônima do banco de dados de DNA coletado para a pesquisa de medicamentos demoraram muito tempo para serem rentáveis, porque o processo de desenvolvimento de medicamentos leva muitos anos.
Isso o leva a uma conclusão contundente: “Se eu tivesse uma bola de cristal, diria que talvez durem um pouco mais”, disse ele à BBC.
“Mas, do jeito que está, na minha opinião, é altamente improvável que a 23andMe sobreviva.”
Os problemas da 23andMe se refletem na turbulência em sua liderança.
O conselho de administração renunciou recentemente, e apenas a CEO e cofundadora Anne Wojcicki — irmã da falecida CEO do YouTube, Susan Wojcicki, e ex-mulher do cofundador do Google, Sergey Brin — permanece na companhia da equipe original.
Circulam rumores de que a empresa, em breve, vai fechar ou vai ser vendida — alegações que a companhia rejeita.
“A cofundadora e CEO da 23andMe, Anne Wojcicki, compartilhou publicamente que pretende fechar o capital da empresa, e não está aberta a considerar propostas de aquisição por parte de terceiros”, afirmou a empresa em comunicado.
Mas isso não impediu a especulação, e a companhia concorrente Ancestry pediu aos órgãos reguladores da concorrência dos EUA que intervenham se a 23andMe acabar à venda.
Entre os clientes famosos da empresa, estavam Snoop Dogg, Oprah Winfrey, Eva Longoria e Warren Buffett
Getty Images via BBC
O que acontece com o DNA?
A ascensão e queda de empresas não é novidade — especialmente na área de tecnologia. Mas a 23andMe é diferente.
“É preocupante devido à confidencialidade dos dados”, explica Carissa Véliz, autora do livro Privacidade é poder.
E isso não se aplica apenas aos indivíduos que utilizaram os serviços da empresa.
“Se você forneceu seus dados à 23andMe, você também forneceu os dados genéticos de seus pais, seus irmãos, seus filhos e até mesmo parentes distantes que não deram seu consentimento”, diz ela à BBC.
David Stillwell, professor de ciências sociais computacionais da Judge Business School da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, concorda que há muita coisa em jogo.
“Os dados de DNA são diferentes. Se os dados da sua conta bancária são hackeados, vai ser prejudicial, mas você pode abrir uma nova conta bancária”, ele explica.
“Se o seu irmão (não idêntico) usou (o serviço da empresa), ele compartilha 50% do seu DNA, então os dados dele ainda podem ser usados ​​para fazer previsões de saúde sobre você.”
A empresa está convencida de que esse tipo de preocupação não tem fundamento.
“(Para) qualquer empresa que lide com informações do consumidor, incluindo o tipo de dados que coletamos, existem proteções de dados aplicáveis ​​estabelecidas na lei que devem ser seguidas como parte de qualquer mudança futura de propriedade”, afirmou a companhia em seu comunicado.
“Os termos de uso e a declaração de privacidade da 23andMe vão permanecer em vigor, a menos até que os clientes conheçam e aceitem os novos termos e declarações.”
Há também proteções legais que se aplicam no Reino Unido, segundo a versão do Regulamento Geral de Proteção de Dados (GDPR, na sigla em inglês) do país, quer a empresa quebre ou mude de mãos.
Mesmo assim, todas as empresas podem ser hackeadas — como foi o caso da 23andMe há 12 meses.
E Carissa Véliz continua preocupada. Ela afirma que, em última análise, é necessária uma abordagem muito robusta se quisermos manter a salvo nossas informações mais pessoais.
“Os termos e condições dessas empresas são normalmente incrivelmente inclusivos; quando você fornece seus dados pessoais a elas, você permite que elas façam praticamente o que quiserem com eles”, ela observa.
“Até que a gente proíba o comércio de dados pessoais, não estaremos suficientemente protegidos.”
Reportagem adicional de Tom Gerken.
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