25 de dezembro de 2024

‘O Sonho Americano’: série do JN mostra como transformações da economia global afetam os EUA

Trabalhadores e produtores enfrentam desafios para se manter em um mercado cada vez mais competitivo e globalizado. Para eles, empreender é uma parte essencial do sonho americano. ‘O Sonho Americano’: série do JN mostra como transformações da economia global afetam os EUA
A viagem especial do Jornal Nacional pelos Estados Unidos rumo a eleição do dia 5 de novembro chegou ao segundo destino. O tema da reportagem são as influências das transformações da economia na vida de trabalhadores e produtores. Gente que acredita que empreender é parte essencial do chamado “sonho americano”.
Nesta terça-feira (29), a equipe do Jornal Nacional esteve em Weyauwega, uma cidade com menos de 2 mil habitantes no estado do Wisconsin. O motorhome do JN passou por várias cidades como essa. Você vê que eram cidades prósperas no passado, mas que hoje parecem cidades abandonadas. O que aconteceu? Havia fábricas, no passado, perto dessas cidades. Com o passar do tempo, muitas delas fecharam, outras se mudaram para outros países, e as cidades ficaram abandonas.
A visão política das pessoas que moram por lá também mudou. Antigamente, Wisconsin votava muito no Partido Democrata. Mas, em 2016, Donald Trump, como candidato, aparece prometendo levar o emprego da manufatura de volta para essas regiões. Isso nunca aconteceu.
A economia americana está agora em um nó que é muito difícil de desatar, e dá para ver isso muito bem no estado de Wisconsin.
Às vezes, parece que antigamente tudo era mais fácil. Assim funcionava, há algumas gerações, a economia americana: as vacas do avô do Joe davam leite, que era vendido para o avô do Ken, produtor de queijo. Na garagem de casa, o avô do Daniel construiu um cortador de grama que era comprado tanto pelo leiteiro quanto pelo queijeiro. Como em um conto de fadas.
Mas, de repente, tudo mudou. É curioso como em Wisconsin nós podemos perceber as mudanças da economia americana em uma casca de noz. E, assim, tentar entender em que pé está o sonho americano quando o assunto é dinheiro. As vacas são criadas no pasto. Isso significa que todos os dias alguém tem que baixar a cerca para as famintas buscarem grama nova.
“Isso corresponde a só 5% das fazendas de Wisconsin hoje”, diz Joe.
A maior parte das vacas nos Estados Unidos é criada de forma intensiva. Ficam confinadas e comem ração. Mas o Joe resolveu fazer da mesma forma que o avô fazia. Para isso, teve que quintuplicar a quantidade de terras e a quantidade de vacas. Da fazenda dele sai o leite para fazer o produto que faz o estado de Wisconsin famoso. Até os torcedores do time de futebol americano de lá levam uma fatia na cabeça.
No século passado, as famílias faziam queijo no quintal para vender. Mas, principalmente nos últimos 20 anos, muita coisa mudou.
“Hoje, nós temos que ser eficientes. Para produzir mais, precisamos de mais investimentos. Então, a sua fábrica tem que ser grande o bastante para bancar esse investimento”, afirma Ken.
O que poderia explicar essa corrida em tantos setores da economia pela eficiência? Foi a partir da metade dos anos 1980 que os Estados Unidos começaram a achar que se a China entrasse no mercado global, os americanos poderiam ter produtos mais baratos e também mão de obra mais barata para as empresas americanas.
Acreditaram também que a China iria se comprometer a fazer mudanças no sistema econômico e parar de copiar os produtos americanos; dar mais direitos para os trabalhadores. Por isso, os Estados Unidos apoiaram a entrada dos chineses na Organização Mundial do Comércio. E aí, tudo mudou.
“A hiper-globalização é um fenômeno complexo, mas a essência dele é a incorporação, em curto período de tempo, de centenas de milhões de trabalhadores asiáticos. E eles estão dispostos a trabalhar por um salário que é muito menor do que o salários dos seus pares nos Estados Unidos, no Brasil e no resto do mundo ocidental”, explica o economista Eduardo Giannetti Fonseca.
Uma parte importante do sonho americano é ter uma grama mais verde que a do vizinho e, depois, um cortador para mantê-la, confortavelmente, sempre no melhor estado. Mas, para que os americanos continuem comprando os cortadores de grama feitos nos EUA, muita coisa teve que mudar.
“Nós tivemos que passar a ser mais produtivos e mais inteligentes. Temos robôs automatizados na fábrica, por exemplo, e com isso eliminamos 20 trabalhadores”, conta Daniel.
A Melanie foi contratada exatamente quando eles perceberam que precisavam substituir gente por robôs. Foi treinada para comandar o primeiro braço robótico da empresa.
“Cada um deles substitui de 20 a 30 pessoas”, afirma.
“Há dez anos, nós tínhamos dez vezes mais competidores no mercado de cortadores de grama. Hoje, as indústrias se consolidaram. Houve muitas fusões e aquisições, e muito menos pequenos produtores fazendo os produtos”, diz Daniel.
A economia americana passou a ter menos competição interna e mais grandes empresas que dominam o mercado.
“O pequeno produtor americano não tem como competir com uma empresa gigantesca, com trabalhadores muito eficientes, ganhando muito pouco. É por isso que cidades inteiras nos Estados Unidos, industriais, se tornaram cidades fantasmas”, diz o economista Eduardo Giannetti Fonseca.
Uma pessoa hoje em dia não consegue simplesmente ter a ideia de fazer um cortador de grama na garagem e sonhar em fazer uma fábrica grande da noite para o dia. A competição é muito maior em todos os setores.
“Eu adoraria ver pequenos produtores de queijo começando um negócio. Mas hoje é necessário muita eficiência, e isso requer um investimento inicial muito alto”, afirma Ken.
Isso dificulta, hoje, o sonho americano de começar um negócio, de mudar de classe social, de deixar de ser trabalhador e virar empresário.
“Quando Trump fala em fazer a América grande outra vez, no fundo, ele está prometendo voltar para a segurança, para a zona de conforto do que era a economia americana antes da hiper-globalização”, opina economista Eduardo Giannetti Fonseca.
Entendendo esse cenário, é fácil ver que algumas propostas de cada um dos dois candidatos à Presidência americana não são muito diferentes. A ideia do republicano Donald Trump é colocar mais tarifas nas importações chinesas e, dessa forma, aliviar a competição das fábricas americanas. Ele já fez isso quando foi presidente, e as importações realmente caíram um pouco, mas os preços dos produtos também subiram nos Estados Unidos. Joe Biden não retirou as tarifas de Donald Trump e também trabalhou para trazer de volta para os Estados Unidos fábricas essenciais, como, por exemplo, a de produção de chips para produtos eletrônicos.
“Tanto os republicanos como os democratas adotam hoje medidas protecionistas”, afirma o economista Eduardo Giannetti Fonseca.
Uma das propostas de Kamala Harris é dar US$ 50 mil de desconto no imposto para empresas como essas. Parece que é uma fazenda de alface, mas, na verdade, é uma empresa de tecnologia que vende as torres patenteadas para plantar vegetais hidropônicos, ou seja, sem terra, só com água.
“Os mais jovens, quando pensam em fazenda, pensam naquela do vovô e da vovó, quando, na verdade, a gente tem formas novas e inovadoras de como a tecnologia pode nos tornar mais produtivos”, diz.
A grande aposta das startups é desenvolver uma ideia que possa crescer muito rapidamente, sem o esforço de gerações para tornar o negócio eficiente e sustentável. A gigante de tecnologia Microsoft investiu US$ 41 milhões para o desenvolvimento das fazendas em torres, o que acelera muito as coisas. Em vez de cinco gerações de famílias que investem toda a vida em uma empresa, a aposta é na economia imediata, que explode em valor em poucos anos. Sem a garantia de que essa é realmente a semente do futuro.
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