18 de outubro de 2024

Pacientes perdem globo ocular após cirurgias em clínica oftalmológica de Belém, diz advogado

De 40 pacientes submetidos a cirurgias, 22 tiveram problemas e ao menos cinco perderam o olho, segundo advogado de 11 das vítimas. Clínica alega que segue “protocolos” e trabalha para investigar cada caso. Pacientes relatam problemas na visão após cirurgias em Belém
Mais de 20 pacientes denunciam que sofreram infecções bacterianas após procedimentos cirúrgicos realizados em um único dia clínica oftalmológica em Belém.
Segundo o advogado de 11 das vítimas, cinco delas precisaram ter o globo ocular retirado para impedir o aumento da infecção. Uma das pacientes é Albanise Soares, de 65 anos, diagnosticada com catarata por meio do SUS.
“O que aconteceu? Tive que fazer a retirada do olho por conta dessa bactéria”, afirma.
A Polícia Civil, o Ministério Público do Estado do Pará (MPPA), o Conselho Regional de Medicina (CRM) e a Secretaria de Saúde municipal investigam o caso. O CRM informou que o local tinha autorização para funcionar e investiga a conduta ética dos profissionais. Já a Polícia investiga se houve exercício irregular da medicina.
A clínica investigada é a São Lucas, que fica na travessa Itaboraí, em Icoaraci, distrito da capital paraense. A empresa se apresenta nas redes sociais como especialista em oftalmologia e atua em convênio com o Sistema Único de Saúde (SUS).
Em nota, a clínica informou que atua de forma regular, que “cumpre os protocolos de prevenção e controle de infecção hospitalar, visando minimizar os riscos de contaminação” e que está trabalhando com especialistas e autoridades para investigar e prestar apoio aos pacientes” – veja a nota completa ao final.
Cirurgias de glaucoma e catarata
As cirurgias de glaucoma, catarata e outros problemas oculares foram realizadas a partir de um mutirão onde mais de 40 pessoas participaram no dia 1º de julho.
De acordo com Cássio Souza, advogado de 11 das vítimas, 16 pessoas destes 40 pacientes atendidos precisaram retirar olhos, sendo que cinco deles são defendidos pelo próprio advogado.
Polícia investiga clínica após denúncias de amputação de olhos
A Secretaria Municipal de Saúde (Sesma) informou que, apesar do quantitativo de cirurgias em um único dia, os procedimentos não integravam um mutirão. “As cirurgias não faziam parte de um mutirão, eram procedimentos de rotina realizados na clínica semanalmente”.
Ainda segundo a Sesma, foram dois dias de procedimentos, sendo que um deles resultou nas reclamações dos pacientes.
“No dia 12 de junho, foram atendidos 41 pacientes, dos quais dois tiveram intercorrências. No dia 1º de julho, foram realizadas 40 cirurgias de catarata, e 22 pacientes apresentaram intercorrências”, informou a Secretaria em nota.
As vítimas afirmaram que os primeiros sintomas da infecção surgiram poucos dias depois das operações. Uma das pacientes que precisou amputar um dos olhos após complicações da cirurgia é Albanise Soares, de 65 anos, diagnosticada com catarata por meio do SUS, que a encaminhou para realizar a cirurgia pela clínica.
A filha revelou que a clínica São Lucas estava suja, com lixo e até uma barata morta no chão. “Minha mãe relatou que o pano cirúrgico colocado no rosto dela fedia muito”, disse.
Imagens de dentro da clínica mostram sujeira no chão e barata morta.
Arquivo pessoal
Após a cirurgia, a idosa tinha sintomas de infecção bacteriana e precisou, dois dias depois, fazer um transplante de córnea para tentar salvar o olho esquerdo. O procedimento foi feito em outro local e particular. Apesar da tentativa, a paciente não conseguiu recuperar a saúde do olho e precisou amputá-lo.
“Eu passei pela cirurgia, fiz limpeza umas duas vezes e não deu certo, tive uma dor intensa que não passava mesmo tomando remédio”, relatou sobre as complicações após a cirurgia.
“Fiz o transplante de córnea que também não deu certo por causa da bactéria. O que aconteceu? Tive que fazer a retirada do olho por conta dessa bactéria”, afirma.
Evolução da infecção da paciente idosa após a cirugia de catarata na clínica.
Arquivo pessoal
“A minha mãe vai usar uma prótese. A vida dela nunca mais vai ser a mesma. Eu tenho uma mãe que tem medo de sair na rua. Ela era uma pessoa totalmente independente e agora ela depende dos filhos”, disse a filha da vítima.
Fotógrafo afetado
Um dos pacientes é fotográfo e realizou a cirurgia de catarata. O paciente contou que precisou ir a uma outras clínica em Belém, onde o oftalmologista constatou que ele estava com uma infecção severa.
“A cirurgia demorou cerca de 10 a 15 minutos. Eu comecei a sentir os sintomas no dia seguinte, quando tirei o tampão para usar o colírio e percebi que estava doendo muito e muito inflamado. Eu não estava enxergando mais nada”, disse uma das vítimas em entrevista ao g1.
Após três intervenções cirúrgicas, a infecção foi contida sem que ele perdesse o globo ocular. Mas, segundo o paciente, o nervo ótico já havia sido afetado e ele ficou cego do lado esquerdo, como mostra o laudo abaixo.
Laudo de paciente que ficou cego do olho esquerdo após cirurgia de catarata.
Arquivo pessoal
O que diz a Polícia e os órgãos fiscalizadores?
A Polícia Civil (PC) informou que a delegacia de Icoaraci apura o crime de exercício irregular da medicina e venda casada após acionamento do Ministério Público, e que outro caso registrado na delegacia da Pedreira também é apurado pela unidade de Icoaraci.
O Conselho Regional de Medicina do Estado do Pará (CRM-PA) disse que tomou conhecimento da situação ocorrida na Clínica São Lucas envolvendo os pacientes, os quais, após procedimento cirúrgico, ficaram com graves sequelas e que fiscalizou a clínica presencialmente nesta quarta-feira (16). Segundo o vice-presidente do Conselho Regional de Medicina do Pará, Lauro Barata, um relatório será encaminhado as autoridades competentes para adoção das medidas necessárias.
“Apareceram situações que nos deixaram preocupados, ou seja, a presença de formol envolto em gases jogados no chão, uma máquina de lavar dentro do centro cirúrgico, que não tinha até mesmo o preenchimento adequado e físico dos pacientes que tinham sido operados naquele dia, no autoclave não apresentava nada relacionado ao tempo de esterilização”, relatou sobre a visita do CRM no local.
A Secretaria Municipal de Saúde (Sesma) afirmou, também por meio de nota, que a clínica será notificada em razão das ocorrências e que os serviços serão preventivamente suspensos. Afirmou, ainda, que a Vigilância Sanitária também esteve no local para realizar uma inspeção preliminar e, até o momento, não encontrou falha no fluxo regulatório.
Posicionamento da clínica
Em nota, o advogado que representa a Clínica e Maternidade São Lucas informou que as cirurgias não foram feitas por qualquer mutirão. Todas foram realizadas “a partir de prévias consultas médicas com todos os pacientes”.
A defesa da clínica disse que todas as cirurgias ocorreram no mesmo dia e que cada procedimento realizado durou de 10 a 15 minutos de duração.
Perfil da clínica São Lucas.
Reprodução / Redes sociais
O advogado ainda reforçou que o espaço atua de forma regular perante os órgãos de fiscalização e que “cumpre rigorosamente com os protocolos de prevenção e controle de infecção hospitalar, visando minimizar os riscos de contaminação”.
“Estamos trabalhando em estreita colaboração com especialistas e autoridades em saúde para investigar cada caso individualmente e prestando todo o suporte necessário aos pacientes e familiares, inclusive em relação a pacientes com ações judiciais em curso”, pontuou.
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