20 de novembro de 2024

‘Pará é terra preta e indígena’: artistas falam sobre a importância central da cultura negra para a Amazônia


Do carimbó ao brega, passando pela música pop e hip-hop, o g1 conversou com artistas que falam ao público de reivindicações históricas do povo preto periférico e caboclo da Amazônia. Jeff Moraes, Daniel ADR e Carimbó Selvagem: negritude atravessa sonoridade da Amazônia
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Nesta quarta-feira (20), Dia da Consciência Negra, artistas do Pará falam como a música popular da Amazônia é atravessada pelo batuque, pela dança e pela cultura preta – da música popular ao hip-hop, do carimbó ao brega.
“O Pará é um território preto e indígena. E isso quer dizer muito sobre a cultura do Norte. É um aquilombamento. Daí vem a nossa potência”, anuncia Jeft Dias, produtor cultural do Pará.
E qual a importância de enxergar a racialidade na Amazônia? Terra cabocla, nascida do encontro entre os povos indígenas e negros, os traços do paraense revelam sua ancestralidade, que se camufla por trás de termos como “pardo”, denominação que representa 70% da população – o maior percentual do Brasil, segundo o Censo mais recente.
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O g1 conversou com artistas que falam ao público de reivindicações históricas do povo preto periférico e caboclo da Amazônia, com mensagens atravessadas nas letras de músicas, nas diversas manifestações e expressões artísticas, que compõem a história dessa população que é mais da metade no Brasil.
Daniel ADR, rapper da periferia de Belém e primeiro artista da Amazônia a lançar um vinil do gênero musical,
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Rimas e resistência
Para Daniel ADR, rapper da periferia de Belém e primeiro artista da Amazônia a lançar um vinil do gênero musical, a arte é uma ferramenta para construir autoestima, principalmente entre os jovens negros da região, e para afirmar que a cultura preta é potente, cheia de história e vital para o Brasil. “A arte, para mim, é uma luta constante por visibilidade e pelo direito de sermos quem somos com orgulho”, declara.
“A minha arte nasceu de um lugar de resistência e afirmação. Ser uma pessoa negra e amazônida no Norte do Brasil traz desafios particulares. Além do racismo estrutural, lidamos com o racismo ambiental, a exploração dos nossos territórios e a invisibilidade cultural que marca nossa região”, pontua o artista, que surgiu como destaque entre os MCs na batalha de São Brás, movimento de rima que ocupa as ruas de Belém.
ADR prepara seu show-manifesto, que será apresentado em dezembro, no Festival Psica, evento que há dez anos fomenta o protagonismo do povo negro e periférico da Amazônia. “Vamos trazer a sonoridade do rap que dialoga com as nossas raízes, com o pulsar da floresta, das ruas, e dos tambores”.
O artista vai apresentar o seu álbum mais recente, o “Black Christ”, lançado este ano. Neste trabalho, ele afirma que buscou mostrar uma visão real e legítima, tanto da resistência negra quanto da força cultural amazônida.
“O Psica é um espaço fundamental para dar visibilidade ao protagonismo preto e caboclo, algo que precisamos reafirmar sempre. Esse festival tem uma importância enorme para nós, porque abre espaço para vozes e histórias que, muitas vezes, são apagadas ou deixadas de lado. Estar nesse palco é um privilégio e uma responsabilidade – representar a cultura preta, periférica e amazônida é reafirmar que somos agentes da nossa própria história e que nossa arte tem uma potência única. Essa visibilidade é crucial para o fortalecimento da autoestima e da identidade cultural do nosso povo”.
Carimbó urbano
Composto por músicos negros e afro-indígenas, o grupo Carimbó Selvagem é um dos destaques da cena do carimbó urbano, que parte da tradição do ritmo pau e corda, e traz a estética para as narrativas contemporâneas, como o cotidiano nas periferias da Amazônia, desigualdade social, debates de gênero e raciais.
“Através dos nosso carimbó, cantamos nossa identidade: nosso toque tem raiz na ancestralidade afro indígena que compõe o carimbó; nossos instrumentos – o curimbó, as maracas, a milheira, a clave, o banjo – cada elemento emana nossas raízes, sua contribuição e nossas questões”, diz Gabiru Cigano, integrante do grupo.
Atração confirmada no line-up do festival este ano, a banda mostra a inventividade do carimbó de rua, que se consolidou como um estilo da cidade de Belém. “É uma forma de fazer carimbó que é encontrada na selva de pedra, toque, canto e forma próprios que materializam a essência do carimbó feito na nossa região. Então ter a possibilidade de levar para o palco do Psica não só o nosso grupo, mas um movimento como um todo, demonstra a capacidade que o carimbó de rua tem de se afirmar como modo genuíno e próprio, que encontramos no batuque feito na rua, nas praças e feiras. Somos nós, pretos, pretas, caboclos e caboclas, fazendo a festa do carimbó da cidade”, celebra Gabiru.
Jeft e Gerson Dias: protagonismo preto e periférico na Amazônia
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Há mais de 10 anos à frente do Psica, que é o maior festival de música independente do Norte do Brasil, Jeft e Gerson Dias celebram a trajetória do evento, que tem como proposta central o protagonismo preto.
“Em toda sua trajetória, o festival vem apontando holofotes a estes artistas negros e periféricos e, nesta edição, expande suas fronteiras a nível de Pan-Amazônia para mostrar ao público as diversas vertentes dessas culturas tão plurais: das aparelhagens paraenses, as radiolas maranhenses, o hiphop/rap, o carimbó aos bailes de favela. Tudo isso desaguando em Belém, na cidade que fica na foz do Rio Amazonas, onde confluem diversos braços de rios pan-amazônicos”, declaram.
Pop afro-indígena
As influências da cultura negra forjam a sonoridade de Jeff Moraes
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As influências da cultura negra forjam o disco “Tambor & Beat”, do músico paraense Jeff Moraes. Lançado em 2021, o álbum embala carnavais inclusive fora do Pará, passando até pelo circuito baiano. Para Jeff, ocupar cada vez mais os grandes palcos do país é um reflexo do que está por trás de toda a sua história de reafirmação enquanto artista amazônico.
“O trabalho que eu desenvolvo é um instrumento de potencialização da autoestima da cultura negra feita na Amazônia. Acho que nós representamos no palco um corpo político, de uma bicha preta, partindo do princípio que a gente vive num país onde a expectativa de vida de pessoas como eu é menor. Então eu subo no palco com um balé repleto de também bichas pretas, de pessoas não-binárias, pessoas trans, em um festival que nos faz ocupar espaços importantes”.
Acompanhado de banda e balé, Moraes incendeia no palco um show todo coreografado, com músicas que retratam o extermínio da juventude negra na periferia, mas também falam de afro afeto, de viver uma vida leve e não só sobreviver – mas viver em paz. A apresentação que o artista prepara para o Psica 2024 promete ser uma mistura de música, dança, poesia e gritos politizados. Ele descreve que vai encerrar a era “Tambor & Beat” com um “show potencializado por vezes 10, com um grande elenco no palco, um verdadeiro espetáculo”.
“Sempre penso – seja num show, numa composição – que a minha música não é só para entretenimento, então a gente vai levar para o palco do Psica um show que ultrapassa os limites de apenas diversão, será também sobre mostrar o quão importante é que os nossos corpos ocupem espaços, como protagonistas”.
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