Durante dois anos, desenvolvedor de software se debruçou sobre projeto que resultou no ‘De Olho na Guanabara’. Dados podem ajudar a evitar irregularidades ambientais e a criar políticas públicas. “De Olho na Guanabara” levou cerca de dois anos para ser criado
Uma solução criada pelo desenvolvedor de software Rafael Ribas, de Curitiba, percorreu centenas de quilômetros para mudar a forma como mais de 1.800 pescadores artesanais da Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro, cuidam do mar do qual tiram o próprio sustento.
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Durante dois anos o desenvolvedor se debruçou sobre o projeto que resultou no aplicativo “De Olho na Guanabara”. A ferramenta permite o registro de denúncias de impactos ambientais na baía provocados pelo setor de petróleo e gás na região (veja detalhes a seguir).
“Para mim é muito gratificante poder usar o conhecimento que eu adquiri na área de programação para atuar tão diretamente na vida das pessoas. Trabalhar com algo que você acredita me deu muita vontade de continuar nisso, de conseguir juntar duas coisas que eu sou apaixonado: a tecnologia e causas sociais diversas. Saber que a gente pode fazer alguma coisa é muito gratificante”, conta.
O aplicativo foi oficialmente lançado no fim de julho com apoio da 350.org, organização internacional que trabalha pela redução dos combustíveis fósseis e pelo avanço das energias renováveis.
Na época, Ribas foi até o Rio de Janeiro e ofereceu uma oficina para que os pescadores aprendessem a mexer na ferramenta. O grupo de cerca de 40 pessoas foi ao mar e já encontrou situações de despejo irregular na baía, que foram denunciadas no aplicativo.
Um dos principais objetivos da ferramenta é concentrar as denúncias para possibilitar a criação de um banco de dados detalhado das ocorrências. O desenvolvedor destaca que as informações podem ajudar no trabalho de prevenção e a criar políticas públicas.
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Construção coletiva
Rafael Ribas junto com integrantes da Rede Ahomar
Arquivo Pessoal
A oportunidade para a criação do aplicativo surgiu a partir de um convite da 350.org.
O desenvolvedor de software relata que, até então, não conhecia o trabalho dos pescadores artesanais da Baía de Guanabara. No Paraná, ele atuava com questões relacionadas à agricultura familiar, o que o levava a conhecer os problemas da região onde mora.
Porém, ter acesso a um problema diferente como o apresentado pelos pescadores o fez criar uma nova visão, o que também foi uma das principais dificuldades no desenvolvimento do app.
“Isso de levar a cabeça para lá e entender a grandiosidade do problema foi um desafio. Para mim, no começo, achei que era só marcar alguns pontos no mapa, depois eu pensei: ‘Vai lotar esse mapa!'”, relata.
As funcionalidades do aplicativo foram criadas por Ribas a partir da necessidade de quem mais usará a ferramenta: os pescadores artesanais da região.
Para essa construção, ele contou com a ajuda da Associação Homens e Mulheres do Mar da Baía de Guanabara (Ahomar).
Antes da existência do app, quando viam alguma irregularidade na região, os pescadores fotografavam a situação e enviavam em grupos de WhatsApp e em redes sociais, como conta Alexandre de Souza, presidente da Ahomar. Porém, os registros precisavam ser aprimorados e o aplicativo veio para isso.
“Ele conseguiu visualizar e conseguir contemplar a gente nos nossos anseios. Hoje temos materializado um pedido de anos e anos, que estava oprimido, que é um pedido de ajuda.”
“Têm alguns pescadores que falam que santo de casa não faz milagre, e é verdade. Teve que vir um amigo lá do Paraná para nos ajudar aqui”, brinca.
A 350.org destaca o pioneirismo do aplicativo, que considera “uma das primeiras, se não a primeira, ferramenta digital de gestão ambiental desenvolvida e gerida por comunidades tradicionais”.
Como o aplicativo funciona?
Denúncias ficam disponíveis em um mapa online que pode ser acessado por qualquer pessoa
Reprodução/De Olho na Guanabara
Pescadores, moradores ou ambientalistas que identificarem manchas de óleo, derrames, vazamentos, ou outras irregularidades ambientais podem registrar a situação pelo próprio celular.
O aplicativo permite o cadastramento de fotos, vídeos, além de um relato da ocorrência. Além disso, uma das principais inovações que o De Olho na Guanabara permite é a identificação por geolocalização do local exato da situação.
Depois do cadastro da denúncia, um moderador capacitado faz a administração do registro e ele é publicado em um mapa disponível na internet. O nome do denunciante não é revelado.
“É para que as denúncias no mapa sejam de confiança, porque tem a questão das informações serem muito sérias. Vai passar por uma triagem, uma moderação. Tem a questão da segurança também, que é muito forte para os pescadores. Eles não podem fazer uma denúncia e ter o nome deles publicamente lá, mas o moderador vai ver o nome. Então, tem uma camada de segurança, tem que ter um manejo muito consciente das informações”, explica o desenvolvedor.
Em seguida, a denúncia é encaminhada para órgãos de fiscalização do governo federal, como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama), Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMbio), Marinha, entre outros.
Ribas destaca que uma das preocupações que teve foi criar um aplicativo que fosse leve e que funcionasse em qualquer aparelho celular. Além disso, optou por uma tecnologia que permite o uso offline – por conta da ausência de sinal de internet em algumas regiões do mar.
Outra inovação trazida pelo De Olho na Guanabara é a disponibilização dos dados em um mapa público. Isso possibilita que não apenas os pescadores locais acompanhem a situação, mas que qualquer pessoa com acesso a internet possa acompanhar a situação na região.
“É uma ferramenta da sociedade, não é uma ferramenta só dos pescadores”, comemora Alexandre.
Conforme Ribas, o desenvolvimento do aplicativo ainda não foi concluído e há pontos a serem aperfeiçoados.
Ele reforça a vontade de expandir a proposta da ferramenta para outras regiões do Brasil, inclusive no Paraná, onde mora. A 350.org também identifica o potencial de ampliação do app.
“O app dos pescadores artesanais abre a possibilidade de uso de aplicativos semelhantes em outras regiões do país. A estrutura do app pode ser replicada, com outros mapas e categorias de registro, e viabilizar o mapeamento de base coletiva em futuras campanhas. No momento, não há previsão desse uso, mas o potencial é considerável”, diz a organização.
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A Baía de Guanabara é cercada por sete municípios: Rio de Janeiro, Duque de Caxias, Magé, Guapimirim, Itaboraí, São Gonçalo e Niterói.
Ela foi palco de um dos maiores desastres ambientais ocorridos no Brasil. No começo dos anos 2000, um duto de uma refinaria operada pela Petrobras rompeu e vazou cerca de 1,3 milhão de litros de óleo nas águas da região.
Não foi um episódio isolado. Desde então, houve outros vazamentos. Em 2018, por exemplo, uma tentativa de furto provocou o escape de 60 mil litros de óleo no Rio Estrela, que deságua na Baía.
Três anos depois, pescadores flagraram o derrame de uma mistura de água e óleo na baía a partir de uma embarcação.
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