‘Crescimento interior, aperfeiçoamento, vitória após esforço, luta e renúncia podem ser entendidos como ressurreição’, diz pesquisadora. Povos antigos do hemisfério norte relacionavam ressureição à chegada da primavera. Giselle Rhaylla e família. Influencer e cantora afirma que passou por uma ressurreição após a morte de três filhos e o nascimento de outros três.
Reprodução/Arquivo Pessoal
“A ideia de ressurreição pode ser compreendida como uma metáfora do aperfeiçoamento, do crescimento interior, do alcance de uma vitória depois de um esforço, de renúncias, de uma luta […], mas que leva a um resultado que vale a pena, que traz uma vitória, um sentimento de libertação, de crescimento, de aperfeiçoamento, de avanço, de superação”, diz a pesquisadora Marta Helena de Freitas.
Coordenadora do Laboratório de Religião, Saúde Mental e Cultura do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Católica de Brasília, a professora explica que esses mesmos sentimentos fazem parte das celebrações do domingo de Páscoa.
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Com a presença constante da ressurreição em suas trajetórias, cinco mulheres contam ao g1 como esta palavra é substancial em suas vidas (leia mais abaixo).
Giselle diz que tem três filhos no céu e três na Terra
Fernanda diz que “envelhecer é um presente”, após saber que tem um aneurisma cerebral
Flávia diz que a filha é seu milagre, após um longo processo de fertilização e a perda de três bebês
Layanne acredita que ressuscitou após um difícil tratamento de câncer
Kelly tem três filhos diagnosticados com Atrofia Muscular Espinhal (AME)
Ressurreição nas religiões
Povos antigos do hemisfério norte relacionavam ressureição à chegada da primavera.
“As religiões vão fazendo leituras e trazendo para os seus próprios dogmas e doutrinas as celebrações e festividades, a sistematização daquela crença com as suas respectivas formas de acreditar em uma força maior que sustenta tudo isso”, diz a pesquisadora Marta Helena de Freitas.
No cristianismo, o Domingo de Páscoa celebra a ressurreição de Jesus Cristo, “que depois de ter passado por todo o calvário, de ter sido crucificado, morto e enterrado, retorna numa nova simbologia de verdadeira vida e libertação”, explica Marta Helena de Freitas.
No islamismo, o Ramadã, que é celebrado nesta mesma época do ano, traz o pilar do jejum para que os filhos de Alá se aproximem dele e cresçam espiritualmente, diz a professora.
Já no judaísmo, a celebração do Pessach comemora a libertação do povo hebreu de uma escravidão, que envolveu uma mudança geográfica, uma travessia longa e sofrida.
“Em todos os três casos, o crescimento espiritual, o alcance de uma vida mais plena, ou da terra prometida, ou de Alá, se dá depois de um período que implicou em renúncia, jejum, sofrimento e processo de trabalho interior e espiritual. O que é bem curioso é que isso se dá em um período da chegada da primavera [no hemisfério norte], ou seja, a ideia de ressurreição, de alcance da terra prometida, de purificação e crescimento, ela encontra um elemento na natureza, ela se ancora no elemento da natureza, e isso é muito bonito”, diz Marta Helena de Freitas.
A pesquisadora da área de Religião, Saúde Mental e Cultura explica que na vida passamos por momentos de invernos tenebrosos, sem a luz do Sol, que depois são seguidos de uma primavera. “Assim como o ano passa pelas quatro estações, pela primavera, verão, outono e inverno, a vida também vai passando por estações”.
“Não tem como fugir dessa condição da existência, que passa por períodos mais invernosos e depois por períodos mais primaveris. É preciso ter paciência no inverno e esperar a primavera. Cultivar a esperança em momentos difíceis e uma certeza, confiança, que depois do inverno vem a primavera”, afirma a pesquisadora.
Cinco histórias de ressureição
‘Tenho três filhos no céu e três na Terra’
A influencer e cantora Giselle Rhaylla explica o que é ressurreição para ela.
Em 2017 o casal Giselle Rhaylla e Wellington Sancan foi ao ginecologista e recebeu uma notícia muito esperada – e triplicada: seriam pais de trigêmeos. Com 19 semanas de gestação o “chá revelação” foi tomado pela cor azul: eles esperavam por: José Emanuel, José Heitor e José Bernardo.
Mas, em seguida, Giselle precisou ir para o hospital. O colo do útero estava aberto e uma das bolsas gestacionais corria risco.
No hospital, ela descobriu a insuficiência istmocervical, que impossibilita que o esfíncter uterino – músculo na cavidade do útero – fique fechado até o fim da gravidez. O problema pode levar a um aborto espontâneo ou um parto prematuro.
Deitada de ponta cabeça durante toda a internação, para agir contra a gravidade, Giselle esperou até a 24ª semana, quando, durante um exame de rotina, os médicos constataram que ela já estava em trabalho de parto.
“Não passava pela minha cabeça a possibilidade dos meus bebês não sobreviverem”, conta Giselle.
Após o parto normal, os bebês nasceram no dia 28 de março de 2018, durante a Semana Santa. Os meninos pesavam entre 555 a 595 gramas e mediam 30 centímetros cada um. Eles foram direto para a UTI.
Sem poder ver os filhos, por estar se recuperando da cirurgia e por conta de desmaios, na manhã logo após o parto, a mãe recebeu a notícia que dois bebês – José Emanuel e José Bernardo – tinham falecido com três minutos de diferença.
“Me colocaram na cadeira de rodas, eu fui para UTI e fiquei em choque. Não consegui chorar, me desesperar. Eles trouxeram eles enroladinhos. Quando olhei para os meus filhos eu falei para o meu marido ‘olha ele parece com você, o nariz dele é igual ao seu’. E esse parece comigo’. Depois, a gente se despediu deles e a enfermeira perguntou para mim se eu queria pegar o José Heitor [que sobreviveu] no colo”, lembra Giselle.
A mãe conta que pegar José Heitor no colo foi marcante. “Foi um dos momentos mais felizes da minha vida, poder pegar ele, sentir ali no pele a pele. Mesmo com todos os aparelhos. Não fiquei 20 segundos com ele no colo, foi muito rápido, mas eu pude ter esse momento com ele”. José Heitor morreu após quatro dias, no domingo de Páscoa de 2018.
“Um dia eu tinha toda uma vida pela frente com três bebês a caminho e no outro dia tinha ido tudo por água abaixo e eu não tinha mais os meus filhos no meu ventre e no meu colo e cheguei numa casa totalmente vazia”, diz a moradora de Brasília.
Cinco meses depois Giselle engravidou novamente. Isaac Noah nasceu saudável.
Após um ano e meio, durante a pandemia de Covid 19, ela descobriu uma nova gestação. Lucas Israel veio ao mundo com sete meses de gestação e precisou ficar 10 dias na UTI, mas se recuperou bem.
Seis meses depois e após cinco meninos, Giselle engravidou da “cerejinha do bolo”. Maria Cecília nasceu com oito meses de gestação e foi direto para o quarto.
Giselle Rhaylla e família
“Hoje estou com meus três bebês arco-íris. Eles vieram depois de um longo período de tempestade, mas o arco-íris sempre chega. Hoje tenho três filhos no céu e três aqui na Terra”, diz Giselle nesta Páscoa.
‘Envelhecer é um presente!’
Fernanda Dalvi explica o que a palavra ressurreição significa para ela.
Uma dor de cabeça muito forte depois de noites mal dormidas foi o ponto de virada para a estudante Fernanda Vieira Dalvi, de 28 anos. No dia 3 de novembro de 2023 ela teve o diagnóstico: um aneurisma cerebral.
“O aneurisma não tem sintomas, a não ser quando rompe e gera uma hemorragia cerebral, com poucas chances de sobreviver e, normalmente, as pessoas descobrem quando se rompe. Realmente, descobri quase por acaso, e o tamanho do aneurisma já era bem grande e não permitia um tratamento conservador”, diz Fernanda.
A única opção era a cirurgia. O medo invadiu os dias da estudante de nutrição, que recorreu à espiritualidade. “Apesar do medo, foi uma espera com muita fé e vontade de viver”, conta a jovem.
A cirurgia, feita no dia 23 de janeiro de 2024. A equipe médica colocou um “stent” na artéria do cérebro onde o aneurisma estava localizado.
“Quando entrei pro centro cirúrgico toda minha família estava do lado de fora esperando, com muita ansiedade e rezando. Meu marido me deu muita força, ele sempre dizia que ainda iríamos envelhecer juntos”, relembra Fernanda.
Fernanda Dalvi e família
A recuperação durou 15 dias e Fernanda precisa tomar uma medicação por 6 meses, para ajudar o corpo a aceitar o “stent”, que é um corpo estranho para o organismo. Para a jovem que antes da descoberta do aneurisma tinha medo de envelhecer, o olhar sobre a vida agora é outro.
“Depois de viver uma situação em que eu poderia morrer eu vi que envelhecer é um presente! Viver é uma dádiva! […] Me tornei uma pessoa grata pela vida, pelo presente que é estar aqui na Terra. Vejo tantas possibilidades, posso fazer tantas coisas! Quando se tem saúde nada te limita”, diz Fernanda.
‘Minha filha, você é o meu milagre’
Flávia Marsola e família
Depois de uma perda gestacional, em 2013, a jornalista Flávia Marsola decidiu continuar o processo da fertilização in vitro. Alguns meses depois, no dia 5 de fevereiro de 2015, as gêmeas Adele e Rebeca nasceram com 25 semanas de gestação.
“Me lembro exatamente da cena, não podia tocá-la, ela [Adele] estava com tubos, dentro da incubadora”, diz Flávia que teve uma infecção uterina que se transformou em uma sepse e levou à uma cesárea antes do programado.
Um dia após o parto, as duas bebês faleceram. Adele cerca de 12 horas depois de nascer, e Rebeca depois de 24 horas.
“Fizemos a cremação, mas fiquei no hospital e não vi, pois estava internada. Meu marido e a família foram. […] Tinha um enxoval que nada servia nelas. e a gente precisou comprar roupinha de boneca para enterrá-las”, lembra a mãe.
Com o luto, a insônia e a falta de esperança foram as companheiras de Flávia durante um tempo, e o sonho de ser mãe ficou adormecido. Mas ela decidiu tentar mais uma vez e em 6 de julho de 2017 nasceu Valentina.
“Pra mim, era um sonho, ela é minha grande esperança. […] Quando eu contava sobre a ressurreição de Jesus Cristo e que a Páscoa é muito mais do que ovos, ela me disse que nunca viu um milagre. Eu olhei pra ela e disse, minha filha, você é meu milagre”, conta Flávia emocionada.
Flávia largou o jornalismo para se dedicar à filha. Quase ao mesmo tempo, veio o desejo de fazer uma segunda graduação, em psicologia – curso que está quase finalizando.
Aos 47 anos, mesmo com a saudade do que não viveu com as gêmeas, Flavia emana felicidade ao falar da filha de 7 anos, apaixonada por ballet, natação e que pretende começar a jogar tênis.
“Ressurreição pra mim é acreditar que Jesus, que morreu na cruz por cada um de nós, vive! Ressurreição é o amor de Deus por nós! Eu sou cristã, então acredito na segunda vinda de Cristo. Acreditar na ressurreição é ter fé de que um dia poderei me encontrar com as minhas filhas e com meu pai, que partiu em outubro do ano passado”, diz.
‘A Layanne de nove meses atrás não existe mais’
Ao acordar com um sangramento, a executiva de negócios Layanne Araújo, de 32 anos, foi em busca de atendimento médico. No dia 8 de junho de 2023, ela recebeu o diagnóstico de um câncer no útero.
“Foram momentos muito difíceis, porque ninguém da minha família nunca teve nenhum diagnóstico desses. Quando recebi esse diagnóstico fiquei muito assustada, vieram muitas questões e questionamentos na minha cabeça”, diz Layanne.
O tratamento escolhido pelos médicos foi quimioterapia aliada à radioterapia e braquiterapia. Em 31 de agosto, os procedimentos foram iniciados.
“Teve momentos que achei que não iria aguentar, a quimio maltrata muito o nosso corpo, entra como se tivesse destruindo, passando pelas nossas veias, nosso corpo muda. A primeira sessão é um momento muito doloroso, as pessoas que estão conosco sofrem ao nos ver sofrer”, diz Layanne.
Junto com as seis sessões de quimioterapia, 25 de radioterapia e quatro de braquiterapia, Layanne afirma que o pensamento positivo de que iria passar por tudo, e a fé, foram essenciais para a recuperação. “Hoje posso falar que estou curada”.
Sem a necessidade de retirar o útero, ela sonha com a probabilidade de 0,01% de chance levantada pelos médicos de ser mãe e gerar uma vida.
“A Layanne de nove meses atrás não existe mais. É uma Layanne que renasceu. Só quem passa por isso vai entender o que é poder acordar e se levantar sozinha, poder olhar o prato de comida e comer, poder tomar banho e se enxugar sem receio de poder cair”, diz.
Layanne diz que o conceito de ressureição é um sentimento diário. “Cada amanhecer é uma oportunidade de viver, cada amanhecer é uma oportunidade que eu tenho de poder levantar, de poder agradecer, de poder fazer o que eu amo e de estar com as pessoas que eu amo”, diz Layanne.
‘Ressurreição é me sentir viva todos os dias’
Fisioterapeuta Kelly Medeiros explica o que significa a palavra ressurreição para ela.
A fisioterapeuta Kelly Madalena de Paula Medeiros, de 40 anos, encontrou sua ressurreição na família e na fé. Mãe de cinco filhos, Luiz Guilherme, Davi, João, Elisa e Geovanna, os três meninos foram diagnosticados com Atrofia Muscular Espinhal (AME) antes de completarem um ano.
Luiz Guilherme, atualmente com 16 anos, recebeu o diagnóstico com dois meses de vida. Kelly lembra que na época não havia muitas informações sobre a doença. Após 6 meses de internação em uma UTI, ele recebeu alta para home care com ventilador mecânico e traqueostomia.
“A doença impossibilitou que meu filho fizesse coisas que qualquer outro ser humano sem a patologia faz. Retirou precocemente seu sorriso, mas manteve seu intelecto. Dessa maneira, ele consegue entender e sentir o tamanho do nosso cuidado e do nosso amor”, diz Kelly.
Davi, que está com 11 anos, foi diagnosticado quando tinha seis meses, momento em que Kelly cursava o 5° semestre de fisioterapia. Naquele tempo já se falava em ventilação não invasiva ao invés de traqueostomia.
“Um carinha muito gaiato, risonho, – isso a AME não levou – amoroso, ciumento e apegado. Grita que é uma beleza. Põe uma equipe inteira para bater cabeça, tira muitas gargalhadas de todos. Um ser único”, conta a mãe.
Avanços na ciência possibilitaram que o caçula, João, de 4 meses, tivesse um caminho diferente. Diagnosticado com AME na 20° semana gestacional, o pequeno recebeu, aos 47 dias de vida, a medicação Zolgesma, remédio mais caro do mundo, que aumenta as chances de um bom desenvolvimento.
“Um turbilhão de emoção ao saber que meu filho pode receber o Zolgesma, e que muitas crianças podem ser salvas. Isso é maravilhoso! Indescritível”, diz a fisioterapeuta.
João recebeu a medicação e segue se desenvolvendo normalmente, “adquirindo marcos motores jamais alcançáveis com o avanço da doença, sem a medicação”, conta a mãe. A capacidade de enfrentar as dificuldades e a vontade de viver de Kelly vêm da fé e da família, segundo ela.
“Ressurreição pra mim é me sentir viva todos os dias, sabendo que os maiores responsáveis por isso são meus filhos, minha família”, afirma Kelly,
Kelly Madalena de Paula Medeiros e filhos
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