6 de janeiro de 2025

PCC, violência policial e câmeras corporais: veja desafios para a Segurança Pública de SP em 2025


Segundo ano da gestão Tarcísio de Freitas foi marcado pelo aumento de casos de abuso de autoridade e letalidade policial. Segundo o governo, 320 policiais foram demitidos e expulsos da corporação em dois anos, além de 433 agentes presos. O governador do Estado de São Paulo, Tarcísio Gomes de Freitas (Republicanos)
Divulgação/GESP
Abuso de autoridade e letalidade policial, infiltração do crime organizado na administração pública e uso de câmeras corporais. A Segurança Pública em São Paulo foi tema central do segundo ano do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) e será o grande desafio para 2025.
Os casos de brutalidade policial que vieram à tona especialmente nas últimas semanas de 2024 colocaram em xeque o modelo de segurança adotado por Tarcísio e pelo secretário da Segurança Pública e ex-capitão da Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (ROTA), Guilherme Derrite (PL).
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O menino de 4 anos morto por uma bala perdida enquanto brincava com os amigos na rua, o homem arremessado de uma ponte e o jovem negro executado com 11 tiros pelas costas em frente a um mercado são alguns dos casos protagonizados por policiais militares.
De janeiro a 26 de dezembro deste ano, 810 pessoas foram mortas pela polícia no estado de São Paulo, contra 542 nos 12 meses do ano passado — equivalente ao aumento de quase 50%. Comparando com 2022, a diferença é ainda maior, com 477 vítimas. Os dados são do Grupo de Atuação Especial da Segurança Pública e Controle Externo da Atividade Policial, do Ministério Público.

Procurada, a Secretaria da Segurança Pública (SSP) informou que em dois anos mais de 320 policiais foram demitidos e expulsos da corporação, além de 433 agentes presos. A pasta também afirmou que investiu R$ 708 milhões em novas viaturas, armamentos e equipamentos, como a contratação de 12 mil câmeras corporais. (Leia nota completa abaixo.)
Para especialistas em Segurança Pública ouvidas pelo g1, o aumento da letalidade policial ao longo da administração de Tarcísio são fruto da escolha do modelo de segurança ostensivo em detrimento do investigativo, das lideranças políticas que legitimam o uso excessivo da violência e do enfraquecimento dos mecanismos de controle — como o afrouxamento do uso de câmeras corporais.
Um exemplo desse modelo ostensivo é a Operação Verão, na Baixada Santista, realizada entre janeiro e março, que resultou na morte de 56 pessoas, o maior número de mortos desde o massacre do Carandiru, em 1992, com 111 mortes. A ação foi marcada por críticas de organizações de direitos humanos, que denunciaram casos de abuso, tortura e execuções sumárias.
A diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, Carolina Ricardo, aponta que a atual gestão mudou a forma de atuação da polícia de São Paulo, “que priorizava a profissionalização do uso da força para uma política de uso excessivo da força, pautado em operações policiais ostensivas midiáticas, como a Operação Escudo e a Verão”.
Na avaliação da socióloga e pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV/USP) Giane Silvestre, o estado tem investido em recursos materiais para a PM, como em armamento e viaturas, e negligenciado a Polícia Civil, responsável pelas investigações.
“Você fortalece de um lado e enfraquece do outro. O resultado disso é o aumento da violência policial e da lógica de enfrentamento, que resulta nas ações violentas e no enfraquecimento das investigações, o que facilita a corrução policial. A forma como a Segurança Pública opera acaba favorecendo esse ciclo”, afirma Silvestre.
As ações ostensivas são uma resposta imediata e visível ao apelo da população por mais segurança nas ruas e funcionam como marketing eleitoreiro, porém têm baixo nível de efetividade no combate ao crime organizado, aponta a pesquisadora do NEV-USP.
A socióloga defende que é mais efetivo investir no trabalho de inteligência para desarticular grandes redes criminais do que em ações de enfrentamento da PM por meio da investigação, do cruzamento de dados e inquéritos policiais. Dessa forma, é possível alcançar criminosos do alto escalão do crime sem a necessidade do uso da violência.
Tarcísio de Freitas e Guilherme Derrite durante cerimônia de aniversário da Rota, em SP
TOMZÉ FONSECA/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO
Violência policial
“A política de segurança pública no Brasil raramente é feita com base em evidências. É muito mais feita com base no populismo penal. Quando você coloca o chefe maior das polícias com o histórico do Derrite, com várias declarações polêmicas em relação à violência policial, que já se vangloriou das mortes que cometeu enquanto estava atuando na polícia, você passa um recado muito claro para a tropa”, afirma Silvestre.
O escalonamento da violência na gestão Tarcísio ganhou repercussão com casos como a morte de Ryan, de apenas 4 anos, morto por um tiro durante um confronto policial no Morro São Bento, em Santos, em novembro.
Operação de reforço do policiamento foi deflagrada na Baixada Santista após morte do menino Ryan da Silva Andrade
Alexsander Ferraz/A Tribuna Jornal e Arquivo Pessoal
Em abril, outra criança, Kauan, de 7 anos, perdeu a visão de um dos olhos após ser ferido durante um confronto policial na comunidade de Paraisópolis, na Zona Sul de São Paulo. A criança estava com a mãe a caminho da vizinha, quando foram surpreendidos pela troca de tiros.
O descontrole da polícia chegou a um patamar que ela começou a matar os não matáveis. Não é aceitável matar um estudante de medicina na Vila Mariana, não é aceitável matar uma criança de quatro anos na frente da sua casa, e olha os absurdos que estamos falando.
A diretora-executiva do Instituto Sou da Paz também alerta que São Paulo está seguindo os passos da Segurança Pública no Rio de Janeiro, onde a polícia sem controle ajudou a criar as milícias e fortaleceu o crime organizado.
O assassinato de Vinicius Gritzbach — delator de policiais e de integrantes do Primeiro Comando da Capital (PCC) — à luz do dia, no aeroporto, e a recente operação da Polícia Federal que revelou um esquema de vazamento de investigações para beneficiar um esquema de lavagem de dinheiro da facção criminosa revelam uma simbiose entre a polícia e o crime organizado, segundo Carolina Ricardo.
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“A questão do crime organizado vem ganhando força e com uma forma pouco efetiva de enfrentá-la nesse modelo que marcou a mudança na forma de atuação da PM, com muito maior uso da força que não resolve o problema. Pelo contrário, o caso do Vinicius deixa muito nítido que não está funcionando, não é assim que se enfrenta o crime organizado em São Paulo”, critica a diretora-executiva do Instituto Sou da Paz.
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Infiltração do PCC no Estado
Além da relação promíscua entre agentes de segurança pública e membros do PCC, a infiltração da facção criminosa em serviços públicos em São Paulo também foi destaque no ano de 2024.
O tema não é exatamente uma novidade. Há mais de 20 anos, o PCC penetrou em empresas de ônibus, de lixo e organizações sociais de saúde. A entrada da organização criminosa aconteceu em razão da ascensão do Marcola ao posto de líder máximo, da necessidade de lavar dinheiro proveniente do tráfico de drogas e a fragilidade do Estado em áreas periféricas.
Entretanto, em abril deste ano, o Ministério Público conseguiu dar um passo no enfrentamento ao crime organizado, comprovando a materialidade da infiltração da facção criminosa no transporte público da capital.
Após investigação do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado, dirigentes da Transwolff e UPBus, que operavam respectivamente nas zonas Sul e Leste da cidade, foram presos durante operação.
As duas empresas receberam, em 2023, mais de R$ 800 milhões da Prefeitura de São Paulo, segundo as investigações. Os contratos foram feitos de forma legal, mas acabaram por financiar indiretamente o crime organizado.
Mudança de postura
O governador de São Paulo começou o ano defendendo a ação dos policiais na Operação Verão e minimizando as denúncias reveladas pelo g1 e TV Globo de que corpos de mortos pela PM na Baixada Santista estavam sendo levados como vivos para hospitais para evitar perícia.
“Sinceramente, nós temos muita tranquilidade com o que está sendo feito. E aí o pessoal pode ir na ONU, pode ir na Liga da Justiça, no raio que o parta, que eu não tô nem aí”, disse Tarcísio de 8 de março.
Já em dezembro, com os sucessivos casos de brutalidade policial, o governador fez um mea culpa e disse que estava arrependido da “postura reativa” que teve sobre o uso das câmeras corporais em policiais.
“Eu particularmente me arrependo muito da postura reativa que eu tive lá atrás. Uma postura que partiu da percepção que aquilo poderia tirar a segurança jurídica do agente ou mesmo causar excitação no momento em que ele precisava atuar. Hoje eu percebo que estava enganado, que ela [a câmera corporal] ajuda o agente”, afirmou.
A repercussão dos casos de violência policial também afetou a popularidade de Tarcísio. Em 12 de dezembro, a pesquisa Quaest revelou que houve uma piora na avaliação da atuação do atual governo na área da segurança pública. Em abril, 31% dos entrevistados consideravam a gestão negativa. Agora, esse percentual subiu para 37%. O setor é o mais mal avaliado da gestão paulista.
Para a diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, a mudança de discurso é fruto da pressão pública frente à revelação dos casos emblemáticos de violência e o recrudescimento das estatísticas criminais. “O eleitorado não está satisfeito com esse tipo de atuação”.
“Então esse recuo é tático e acho que é importante, porque de fato o discurso do governador tem impacto na ponta da linha. Mas precisamos ver, ainda não foi feito nada de muito concreto para mostrar que há uma mudança de rumo”, pontuou Carolina Ricardo.
Câmera corporal em uniforme de policial militar do Estado de São Paulo.
Rovena Rosa/Agência Brasil
Apesar da mudança de discurso em relação às câmeras corporais, o contrato firmado entre o governo de São Paulo e a empresa de tecnologia Motorola para aquisição de novo equipamento para a PM não atende à determinação do ministro Luis Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Em maio, o governo de São Paulo lançou um edital para a contratação de 12 mil novas câmeras corporais para a PM. Segundo o documento, a gravação de vídeos pelo equipamento será realizada de forma intencional, ou seja, o policial será responsável pela escolha de gravar ou não uma ocorrência.
Na prática, a mudança pode dificultar investigações de atos de violência policial porque deixará a decisão sobre ligar ou não o equipamento a cargo dos agentes.
Por isso, a liminar do presidente do STF determina a gravação ininterrupta das imagens nas operações até que seja comprovada a efetividade do sistema de acionamento remoto (automático e intencional).
Violência contra a mulher
Apesar do crescimento dos casos de violência contra mulher e feminicídio, o tema foi ofuscado ao longo de 2024 pelos casos envolvendo o crime organizado e de violência policial. Na avaliação da diretora-executiva do Instituto da Paz, esse tipo de crime também deveria ser prioridade do governo.
Somente de janeiro a outubro deste ano, 191 mulheres foram vítimas de feminicídio no Estado de São Paulo, aumento de 5% em relação ao mesmo período do ano anterior, segundo os dados abertos da Secretaria da Segurança Pública. No mesmo período, a pasta também registrou 12.319 casos de estupro, sendo 9.472 de vulneráveis.
“Tem um outro ponto que se fala muito pouco que é a questão da violência doméstica, contra mulher, contra a criança e adolescente. Embora muitos indicadores caiam, os estupros aumentam no Estado de São Paulo, e a gente sabe que estupro é prioritariamente cometido contra pessoas vulneráveis, contra crianças até 14 anos. É uma questão, portanto, entre conhecidos ou de dentro da casa no ambiente doméstico”.
“Então acho que também mostra pouca capacidade de lidar com crimes mais complexos que não exijam só um trabalho de enfrentamento ao crime ou de aplicação da lei penal, porque esse tipo de violencia demanda ações de assistência social, ações com educação, ações de conscientização de vítimas e agressores. É um pacote diferente do que essa lógica de enfrentar o crime a Qualquer Custo e de colocar policia na rua”, critica Carolina Ricardo.
Desafios para 2025
Para as especialistas ouvidas pelo g1, o desafio mais urgente para 2025 é controlar de forma eficaz a polícia a partir das seguintes medidas:
uso de câmeras corporais com gravação ininterrupta, cujas imagens sejam compartilhadas com o Poder Judiciário, a Defensoria Pública e o Ministério Público;
investimento em armas menos letais;
apoio psicológico aos policiais;
criação de comissões de mitigação de riscos e treinamentos;
modernização da Polícia Civil;
enfrentamento da corrupção nas corporações.
O que diz a Secretaria da Segurança Pública
“O Governo do Estado de São Paulo, desde o início da atual gestão, tem investido no fortalecimento das ações de proteção às pessoas e no combate ao crime organizado. Em dois anos, foram nomeados quase 9.200 policiais para fortalecer as polícias Civil, Militar e Técnico Científica. Em média, são 13 contratações por dia nesse período. Na Polícia Civil, houve a maior formação da história com 3.172 agentes e 305 delegados. Há ainda 2.377 policiais em formação e 9.100 vagas abertas em concurso.
Investimos mais de R$ 708 milhões em novas viaturas, equipamentos e armamentos para proteger a população. Entre os equipamentos, um novo helicóptero e a contratação de 12 mil câmeras corporais. Para fortalecer o trabalho de perícia e investigação forense, inauguramos o maior laboratório de genética criminal do país e o maior de balística da América Latina, num investimento superior a R$ 17 milhões.
A região central da cidade de São Paulo foi reforçada com 400 novos policiais e novas unidades que contribuíram para a redução dos casos roubos e furtos na região. Nos dez primeiros meses deste ano, os dois indicadores caíram 27,2% e 18%, respectivamente, enquanto a quantidade de presos e apreendidos subiu 11,3%, com a detenção de 6.074 criminosos. O total de drogas apreendidas cresceu 43,48%, somando 2,9 toneladas. Com as operações Salus Et Dignitas e Downtown, atacamos o ecossistema do crime organizado. Mais de 60 infratores foram presos e cerca de 30 imóveis usados pelo trafico lacrados.
Combate à criminalidade
Com crescimento de 6,9% no número de infratores presos, 26,7% nas apreensões de armas e 23,2% na recuperação de veículos no acumulado de 2024 até outubro em relação ao mesmo período do ano anterior, São Paulo ampliou o combate ao crime em todas as regiões do estado. No acumulado até agora, as polícias de SP somam 355,4 mil infratores presos; 23,5 mil armas ilegais apreendidas; 95,8 veículos recuperados e 435,2 toneladas de drogas fora de circulação – o prejuízo ao tráfico é estimado em R$ 2 bilhões desde janeiro de 2023.
Nos dez primeiros meses deste ano, SP teve 2.065 homicídios dolosos, o menor número de casos para o período em 24 anos e quase 3% a menos que na comparação a 2023. Os roubos em geral, com 162,4 mil casos de janeiro a outubro, estão no menor patamar na série histórica iniciada em 2001 e cerca de 15% a menos que na comparação ao período anterior. O número de roubos de veículos em 2024 é o 2º mais baixo dos últimos 24 anos, com 25.473 em 10 meses, 16,7% a menos que o mesmo período anterior.
Combate à violência contra mulher
Neste ano, a pasta investiu na ampliação de medidas de combate à violência contra a mulher. Foram entregues 69 novas salas DDM 24h em plantões policiais, o equivalente a 3 novos espaços por mês. Essa foi a maior expansão da rede, com crescimento de mais de 87% em 2 anos. Criou também a Cabine Lilás, dentro do COPOM, para que policiais treinados prestem atendimento especializado às vítimas que ligam para o 190; a Sala Lilás no IML Central, espaço de atendimento humanizado e exclusivo à mulher; e um serviço especializado do IML dentro da Casa da Mulher Brasileira, onde está a 1ª DDM. Somado a isso, há o aplicativo SP Mulher Segura, com o “botão do pânico” para ser usado pelas vítimas em risco, e o programa de tornozelamento eletrônico de agressores de mulheres que são soltos nas audiências de custódia.
Combate à violência policial
A SSP ressalta seu compromisso com a legalidade, transparência e respeito aos direitos humanos fundamentais. Deste modo, os dois primeiros anos da atual gestão também foram marcados por forte atuação das corregedorias policiais, resultando em mais de 320 policiais demitidos e expulsos, e na prisão de 433 agentes. Além disso, todos os casos de violência policial tiveram investigações iniciadas de imediato pelas polícias Civil e Militar, com acompanhamento das respectivas corregedorias, Ministério Público e Poder Judiciário, as quais resultaram em afastamentos e novas capacitações ao efetivo.”

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