Especialista explica que os impactos ecológicos da presença do animal ainda não são totalmente compreendidos e que o local onde ele foi avistado requer mais estudos para uma avaliação precisa. Bagre-africano registrado por observadores de aves em rio de Suzano (SP).
Paulo Serafim
No último dia 25 de outubro, os fotógrafos Paulo Serafim e Alexandre Hirata se surpreenderam ao encontrar com um bagre-africano (Clarias gariepinus) em um rio de Suzano (SP), enquanto passarinhavam na região e fotografavam aves limícolas. Essa era a segunda vez que os observadores estavam no local, mas a primeira que se depararam com a espécie no rio.
“Ficamos surpreendidos e ao mesmo tempo preocupados com as possíveis implicações ecológicas desses peixes ali”, comenta Serafim.
Ele ainda conta que já tinha lido sobre esse peixe exótico e sabia que se tratava de um invasor. Dois indivíduos foram avistados e, segundo Paulo, pareciam estar acasalando, pois ambos ficavam se enrolando bem próximo da beira do rio.
“Observar e registrar espécies exóticas é importante para a conservação por várias razões. Essas espécies, quando introduzidas em um novo ambiente, podem impactar significativamente as espécies nativas e o ecossistema local. A coleta de dados sobre sua distribuição, comportamento e impactos permite que conservacionistas e ecologistas identifiquem possíveis ameaças à biodiversidade, como a competição por recursos, a predação direta de espécies nativas e a introdução de doenças”, pontua o observador.
A espécie
A espécie pode ficar mais de 24 horas fora d’água.
Paulo Serafim
O bagre-africano é uma espécie nativa de algumas bacias hidrográficas da África e da Ásia. Ele foi introduzido no Brasil no final da década de 1980 para fins de aquicultura. A fisiologia desse peixe é adaptada para permitir que ele sobreviva fora da água por mais de 24 horas.
Em seu habitat natural, onde os rios muitas vezes desembocam em áreas desérticas, o bagre-africano é capaz de se deslocar entre poças de água, “caminhando” longas distâncias em busca de novas fontes de sobrevivência quando as águas começam a secar.
A presença desses animais exóticos invasores em um rio de Suzano (SP) é motivo de grande alerta. De acordo com o Dr. em zoologia Jean Ricardo Simões Vitule, coordenador do Laboratório de Ecologia e Conservação do Departamento de Engenharia Ambiental da UFPR, infelizmente esses organismos devem ter escapado de cultivados em pesque-pagues ou aquaculturas que ainda insistem em cultivar essa espécie exótica de grande histórico de impactos negativos, ou o que pode ser ainda pior, esses organismos podem já ter escapado há muito tempo de aquaculturas da década de 90, período em essa espécie era muito popular.
E neste último caso a espécie já poderia estar estabelecida e causando impactos há muito tempo, sem ser percebida.
O bagre-africano é nativo das bacias do continente Africano e Asiático.
Paulo Serafim
Impactos ecológicos
“Algum impacto sempre é esperado, porém a magnitude precisa ser avaliada com cautela. O impacto vai depender muito do ecossistema onde o animal está inserido, do tamanho do organismo, se são muitos indivíduos ou não. Isso precisaria ser investigado”, aponta o especialista.
Segundo Vitule, o bagre-africano é uma espécie de grande porte, podendo alcançar mais de 1,5 metros em sua região de origem. No Brasil, já foram registrados indivíduos com mais de 90 centímetros.
Esse peixe é capaz de se alimentar em diferentes níveis tróficos, consumindo desde plantas até peixes predadores, anfíbios e répteis.
Para evitar a presença dessa espécie invasora e os impactos causados por ela, Jean indica evitar o cultivo desses organismos, por conta da alta probabilidade de escaparem. No entanto, quando esses animais forem encontrados, é necessário investimento em manejo associado com pesca experimental e esportiva, e um controle mecânico efetivo, retirando o máximo de indivíduos do local.
“É importante também o trabalho de conscientização dos pescadores e populações locais para que não façam pesca e soltem essas espécies exóticas, que façam o abate imediato”, explica Jean.
No Brasil, já foram registrados indivíduos com mais de 90 centímetros.
Paulo Serafim
Além disso, o especialista indica que quando abatidos, essas espécies exóticas sejam levadas para centros de pesquisa próximos, para que sejam estudados posteriormente.
“Quando o bagre-africano escapa dos cultivos para um ecossistema natural, ele pode se espalhar pela bacia, exigindo um grande esforço e altos recursos financeiros para ser removido. Esse é um problema recorrente que demanda maior investimento do Estado.”
Jean sugere que é possível alcançar esse objetivo ao minimizar o cultivo dessas espécies, aplicar multas a criadores que deixam esses organismos escaparem e investir em medidas de controle e monitoramento dos impactos causados por esses animais.
“Eu mesmo chamo de ‘peixes invasores no Brasil, um inimigo invisível’, porque a gente não está vendo o que está acontecendo debaixo d’água, mas pode estar causando muitos impactos que não conseguimos perceber”, finaliza.
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