Estudo realizado em Itanhaém detectou abundância de substâncias indevidas nos tratos gastrointestinais e nas brânquias de peixes. Micropartículas de plásticos são encontradas em peixes de riacho em Itanhaém
Amanda Selinger
Há quatro anos a bióloga Amanda Selinger se dedica ao estudo de microplásticos em peixes. Essa jornada teve início na graduação, com a iniciação científica e segue agora na fase de mestrado pela Universidade Santa Cecília de Santos (SP). Apesar da temática estar presente na atualidade, ainda existem muitas lacunas científicas a serem preenchidas sobre o assunto. E essa pesquisa tem como objetivo responder várias perguntas.
Para entender a complexidade desse assunto, é necessário primeiramente saber o que de fato são microplásticos. Em uma definição simples são partículas com menos de 5 milímetros. Elas podem estar presentes em cosméticos ou originadas pela degradação de plásticos maiores por exemplo.
No decorrer dos anos essas partículas têm sido detectadas em diversos segmentos ambientais, desde as profundezas dos oceanos, passando por áreas de grande altitude e até as regiões polares. Os primeiros registros de microplásticos nos oceanos datam da década de 1970, enquanto a presença deles em água doce é mais recente, os primeiros registros internacionais são de 2001.
Pesquisadores se dedicam a analisar organismos de peixes para detectar a presença de plástico
Ana Gabriela Castilho
Além de serem constituídos por diferentes tipos plásticos e aditivos químicos, os microplásticos também podem atuar como portadores de substâncias xenobióticas (substâncias químicas que não fazem parte do organismo humano ou de outros sistemas biológicos) devido à sua alta capacidade de absorver poluentes orgânicos e metais pesados, o que intensifica os riscos de contaminação ambiental.
“Em nossas pesquisas, buscamos compreender os níveis de contaminação em organismos de ambientes aquáticos, com ênfase em peixes de riachos. Por meio de análises do conteúdo do trato gastrointestinal e das brânquias, é feita a quantificação e caracterização dos microplásticos retirados dos peixes. Essa caracterização abrange o formato, a coloração, o tamanho e a composição química das micropartículas, o que nos ajuda a entender os padrões de consumos em peixes, além de facilitar a compreensão das principais fontes desses contaminantes no ambiente aquático. Algumas das espécies estudadas são pescadas e consumidas por moradores locais”, contextualiza Selinger.
Copo plástico é fotografado em riacho
Amanda Selinger
A pesquisadora está estudando o caso num riacho no município de Itanhaém que fica na Baixada Santista. “No meu estudo, foi mensurada a abundância de microplásticos nos tratos gastrointestinais e nas brânquias dos peixes. A presença de microplásticos no trato gastrointestinal pode ocorrer por ingestão ativa das partículas (quando a coloração e formato são semelhantes ao alimento comum), e de forma acidental, por transferência trófica (relativo ao processo de alimentação) ou quando as partículas são ingeridas juntamente com o alimento. E nas brânquias essas partículas podem se aderir durante a respiração e alimentação, e ficarem retidas no órgão”, explica a pesquisadora.
As análises mostraram até agora que as partículas plásticas podem permanecer em suspensão na superfície da água ou ficar depositadas no substrato. Isso dependente da densidade inicial e do tempo de permanência no ambiente aquático. Com o passar do tempo, essas partículas podem ser colonizadas por fungos, bactérias e outros organismos. Tal processo aumenta a densidade das partículas, o que pode levar ao seu afundamento.
Microplásticos são partículas com menos de 5 milímetros
Amanda Selinger
A conclusão do estudo deve ser divulgada no meio acadêmico nos próximos meses. Mas alguns dados são preocupantes. A bióloga conta que muitos dos peixes estudados já apresentaram microplástico no trato gastrointestinal e brânquias. Embora as análises se concentrem nas vísceras dos peixes que geralmente não são consumidas, outros estudos já detectaram a presença desses e de outros contaminantes na musculatura, a parte comestível, o que levanta um alerta sobre a segurança alimentar.
“A probabilidade de ingerirmos microplásticos por meio do consumo de peixes é alta. Contudo, as pesquisas nessa área ainda estão em estágio inicial, assim como o entendimento dos impactos na saúde humana”, avalia Selinger.
Análises revelam que microplásticos podem ficar suspensos na superfície ou serem depositados no substrato
Giulia Tavares Castelan
Os microplásticos têm sido ingeridos por diferentes organismos e diversos efeitos podem ser observados, incluindo alterações nas respostas fisiológicas, como mudanças metabólicas, comportamentais e funcionais. Estudos recentes também evidenciam impactos negativos na sobrevivência, reprodução e o aumento da mortalidade. Ao considerar os efeitos cumulativos em diferentes grupos de organismos, se torna evidente a capacidade desses contaminantes de alterar a dinâmica e o equilíbrio dos ecossistemas, representando uma ameaça substancial à saúde ambiental e à biodiversidade.
A presença desses contaminantes no ambiente está frequentemente associada ao gerenciamento inadequado de resíduos sólidos, descarte irregular e esgotamento sanitário precário. Além disso, o transporte atmosférico tem sido identificado como uma das principais vias de dispersão dessas partículas para diferentes matrizes ambientais.
Resolver a questão é algo complexo. Envolve a conservação do meio-ambiente, o setor industrial e principalmente os hábitos de consumos humanos. Uma coisa é certa. Já passou do momento do consumismo desenfreado dar lugar à alternativas menos poluentes.
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