25 de setembro de 2024

Pesquisadores encontram sinais de exploração de ouro do século 16 na cidade de SP, na região do Jaraguá

Foram descobertas cavas e tanques com mais de 400 anos. Nelas, o minério era lavado por mão de obra indígena escravizada. Veja detalhes na terceira reportagem da série Memórias Indígenas, do SP2. No centro, a cacique Jandira, fundadora da Aldeia Tekoá Ytu, no Jaraguá
Reprodução/TV Globo
A floresta dentro da menor terra indígena do país, no Jaraguá, na Zona Norte da capital, é guardada pelos Guarani Mbya e abriga em seu solo parte das memórias da descoberta do ouro no Brasil. Mais de 400 anos depois, pesquisadores encontraram naquela região os tanques onde o minério era lavado ainda no início da colonização.
Com a ajuda da tecnologia, geólogos e arqueólogos conseguiram mapear antigas escavações do século 16. “Pode-se dizer que aqui no Jaraguá foi feito o primeiro registro oficial de exploração de ouro no Brasil. Tudo começou com uma excursão de Brás Cubas, que morava em São Vicente, subiu a serra e tudo isso foi registrado”, conta o geólogo Francisco Adrião Neves da Silva.
Foram identificadas quatro cavas. Nelas, tanques de lavagem do minério e grandes áreas de exploração. Todo o trabalho foi feito com mão de obra indígena escravizada.
“Conseguimos mapear por imagens de satélite e descobrir vários sítios arqueológicos. Fizemos um modelo 3D, a partir de um modelo de computador, para ver a extensão das cavas”, detalha Silva, que fez o relatório completo da localização desses achados históricos.
Hoje em dia, essas áreas se dividem em terrenos parcialmente habitados, no limite entre os distritos de Anhanguera e Jaraguá, e ainda fazem parte de um cemitério, que preserva o local.
Mas será que ainda tem ouro lá? O geólogo responde: “Não, pelo menos não economicamente viável. Não há mais viabilidade de fazer extração porque essa região foi explorada por mais de 200 anos. Não tem mais ouro para ser explorado”.
O geólogo Francisco Adrião mostra à repórter Indianara Campos o local onde havia uma cava de ouro no século 16
Reprodução/TV Globo
Resistência guarani
Dados do Censo 2022 apontam que mais de 1,5 milhão de indígenas vivem no Brasil, o que representa 0,83% do total de brasileiros. Em terras indígenas, residem 36,73% e fora delas, 63,27%.
Os estados de Amazonas, Roraima e Mato Grosso respondem por 46,46% de indígenas que residem em territórios tradicionais. A população indígena contabilizada em 2022 é 88,8% maior do que a registrada em 2010.
Na terceira reportagem especial da série Memórias Indígenas, do SP2, a equipe mostra que os guaranis se destacam como o povo mais presente em São Paulo e luta por demarcação de pequenas porções de terra na cidade em Parelheiros, na Zona Sul, e no Jaraguá.
“Se os não indígenas entendem uma mesquita como um lugar sagrado, Jerusalém como lugar sagrado, os grandes templos espirituais pelo mundo como lugares sagrados, será que eles não entendem que, para nós, indígenas, essa floresta também é um templo sagrado?”, indaga Davi Popygua, professor e um dos líderes do território do Jaraguá, onde vivem cerca de 700 indígenas que lutam contra invasões.
Ele vive na Aldeia Tekoá Ytu e lá ensina o guarani como a primeira língua. A tentativa é manter viva a cultura educando os mais novos enquanto os mais velhos dão exemplo.
O pai dele, Mário Augusto Martins, lembra quando seus pais, a cacique Jandira e Joaquim, levantaram a primeira casa que deu origem à aldeia na década de 1950. “Sou filho dos fundadores e ajudei também a fundar. As pessoas vinham aqui armadas de espingardas e facões e queriam que a gente saísse à força. A própria terra renasce. Ela se refaz, fecha e sara a cicatriz que fizeram”, conta Mário.
Além do Jaraguá, os guaranis também estão na terra indígena Tenondé Porã, em Parelheiros. Por lá vivem aproximadamente 2.000 indígenas divididos em 14 tekoás (aldeias). Dos 16 mil hectares em fase de demarcação, apenas duas aldeias foram oficialmente registradas em 2016.
“Os guaranis lutam por um processo demarcatório nos territórios. Sem a demarcação, não é possível ter uma garantia de futuro. A partir da Constituição de 1988 que a gente tem um modelo diferente para garantir uma demarcação que permita a reprodução física e cultural nas comunidades indígenas”, analisa o antropólogo Daniel Pierre.
Em Parelheiros, a mão de obra indígena escravizada não foi para a exploração de ouro, mas para abrir os trilhos ferroviários que passam por lá até hoje. Parte dos trajetos construídos pelo homem branco são reflexos de caminhos centenários traçados pelos povos originários.
“Foram momentos de violência com incursões para o interior durante as bandeiras para escravizar cativos”, contextualiza Pierre. Algumas trilhas pela mata fechada ainda hoje chegam ao litoral e são feitas pelos descendentes de ancestrais guaranis. “Nós, indígenas, fazemos em oito, sete horas. Agora os juruás (não indígenas) fazem em média em 14 horas”, diz Cláudio Pires, líder indígena de Parelheiros.
A resistência é herança ancestral. Priscila Parapoty é uma das líderes na terra Tenondé Porã. Ela carrega consigo o orgulho de sua etnia e faz questão de propagar isso aos mais novos. “A gente ouve muito que é boliviano, peruano. As pessoas que moram do lado daqui não sabem que tem indígena aqui, que somos daqui”, pontua sobre a luta contra o preconceito.

Mais Notícias