Sargento Gabriel Luís de Oliveira aparece no documentário do youtuber americano Gen Kimura dizendo em inglês que celebra mortes com “charuto e cerveja”. Ele foi afastado pela Polícia Militar pela frase. Além disso, foi soldado do 16º BPM-M, o mais letal de São Paulo, na ação que deixou jovens mortos e feridos em favela. Gabriel Luís de Oliveira era soldado quando foi acusado pelo Ministério Público de participar das mortes de 9 jovens em 2019 em Paraisópolis. Ao lado, outra foto dele, atualmente como sargento que disse num documentário comemorar mortes de bandidos com ‘charuto e cerveja’. Ele foi afastado pela PM por causa da declaração
Reprodução
O sargento Gabriel Luís de Oliveira, que aparece no documentário do youtuber americano Gen Kimura, de abril deste ano, dizendo em inglês que comemora as mortes de bandidos em confrontos com a Polícia Militar (PM) com “charuto e cerveja”, é um dos 12 policiais militares que são réus no “Massacre de Paraisópolis” de 2019.
Essa informação foi divulgada inicialmente pela Folha de S.Paulo e confirmada nesta sexta-feira (28) pelo g1. A reportagem não conseguiu localizar a defesa de Gabriel para comentar o assunto, mas procurou a Secretaria da Segurança Pública (SSP), que informou sobre o afastamento do agente (leia a íntegra da nota mais abaixo).
“Quando matamos um bandido, nós celebramos com charutos e cerveja. [Com o batalhão? , pergunta o youtuber] Não, só o pelotão. Como dissemos antes, o pelotão é como uma família”, diz o sargento na filmagem divulgada no início de junho.
O influencer americano teve autorização da Polícia Militar para gravar com os agentes. Contudo, o comando da corporação afirma não ter sido informado sobre isso, considerando a filmagem em questão como “irregular”, conforme divulgado pela SSP.
Além da declaração reprovável do sargento Gabriel no vídeo, os PMs permitiram que Gen participasse de operações dentro da viatura policial, usando colete e até manuseando arma da corporação. Situações que foram desaprovadas pela pasta da Segurança.
Gabriel e outros quatro policiais militares envolvidos na gravação foram afastados preventivamente pela PM das ações externas e passaram a fazer serviços internos. Os cinco respondem a processos administrativos na Corregedoria da Polícia Militar, podendo ser punidos por faltas graves. Todos são do 18º Batalhão da Polícia Militar Metropolitano (18º BPM-M).
PM é réu no ‘Massacre de Paraisópolis’
MP-SP denuncia PMs pela morte de nove pessoas em Paraisópolis
Gabriel também é acusado de outros crimes mais graves: ele e outros 11 PMS (que não aparecem nas filmagens feitas pelo youtuber) são acusados de participar das mortes de nove jovens e de ferir outros 12 durante ação da PM num baile funk em 2019 na comunidade de Paraisópolis, na Zona Sul de São Paulo.
À época, Gabriel era soldado e motorista de uma das viaturas da Força Tática do 16º Batalhão da Polícia Militar Metropolitano (16º BPM-M).
Segundo a acusação feita pelo Ministério Público (MP) e laudos da Polícia Técnico-Científica, a maioria das vítimas morreu asfixiada ao ser encurralada pelos agentes na Viela do Louro, um beco sem saída da favela: oito morreram por asfixia e uma por traumatismo, de acordo com a perícia. Nenhum dos mortos morava no bairro. A acusação é feita pela promotora Luciana Jordão.
Os PMs alegaram que perseguiam dois suspeitos de roubo que estavam numa moto — que nunca foram encontrados. Em suas defesas, disseram ainda que foram hostilizados e agredidos com paus, pedras e garrafadas pelos frequentadores. E que, por segurança, os agentes usaram cassetetes, balas de borracha, bombas de gás e de efeito moral para dispersar a multidão que participava do evento.
De acordo com os policiais, as vítimas morreram acidentalmente ao serem pisoteadas após um tumulto provocado pelos bandidos.
Mais de 5 mil pessoas estavam se divertindo no tradicional baile da DZ7 nas ruas Rodolfo Lutze, Iratinga e Ernest Renan. Depois saíram correndo com a intervenção policial, segundo mostram vídeos gravados por testemunhas e câmeras de segurança que acabaram compartilhados à época nas redes sociais (veja nesta reportagem). Quem esteve no baile relatou que os PMs agredia os frequentadores.
Os 12 policiais militares sãos acusado pela Justiça por homicídio e lesão corporal por dolo eventual das vítimas de Paraisópolis. Segundo a Promotoria, os PMs assumiram o risco de matar e de ferir os jovens quando os encurralaram num beco da favela. Todos os agentes da PM respondem aos crimes em liberdade.
Audiência do caso de Paraisópolis
Justiça decide se PMs do Massacre de Paraisópolis vão a júri popular
Nesta sexta-feira (28), ocorreu a quarta audiência de instrução do caso no Fórum Criminal da Barra Funda, Zona Oeste da capital. Essa etapa do processo serve para a Justiça decidir se os réus irão a júri popular pelo homicídio e também por lesão corporal. Além de Gabriel, todos os outros 11 PMs acusados estavam presentes no plenário, segundo o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP).
Foram indicadas 22 testemunhas para serem ouvidas. Se houver tempo, os réus serão interrogados. Do contrário, a juíza Isadora Botti Beraldo Moro, da 1ª Vara do Júri, marcará uma nova data para ouvir os PMs acusados.
O processo do homicídio apura as responsabilidades dos PMs pelas mortes das vítimas. Na primeira audiência, em julho do ano passado, foram ouvidas nove testemunhas de acusação e uma comum às partes.
A segunda audiência ocorreu em 18 de dezembro de 2023 com a participação de três testemunhas, sendo duas pesquisadoras e consultoras forenses e a terceira, protegida. Na terceira audiência, em 17 de maio de 2024, a Justiça ouviu mais dez testemunhas.
Veja abaixo quem são os 12 PMs réus e quais são as acusações contra cada um deles:
tenente Aline Ferreira Inácio – acusada de homicídio
subtenente Leandro Nonato – homicídio
sargento João Carlos Messias Miron – homicídio
cabo Paulo Roberto do Nascimento Severo – homicídio
Luís Henrique dos Santos Quero – homicídio (ex-cabo da PM; foi expulso da corporação por outros motivos não informados)
cabo Gabriel Luís de Oliveira – homicídio
soldado Anderson da Silva Guilherme – homicídio
soldado Marcelo Viana de Andrade – homicídio
soldado Mateus Augusto Teixeira – homicídio
soldado Rodrigo Almeida Silva Lima – homicídio
soldado José Joaquim Sampaio – homicídio
soldado Marcos Vinicius Silva Costa – homicídio
O que diz a SSP
Youtuber americano participa de ação da PM em SP e divulga vídeos nas redes sociais
Procurada pelo g1 para comentar o assunto, a Secretaria da Segurança Pública (SSP) informou, por meio de nota divulgada pela sua assessoria de imprensa, que um dos 12 PMs réus foi expulso da corporação. E que espera a decisão judicial sobre os demais agentes para tomar novas medidas.
“Os inquéritos civil e militar sobre o caso de Paraisópolis foram concluídos e remetidos ao Poder Judiciário. Um dos indiciados não integra mais os quadros da Polícia Militar. A Corporação aguarda a decisão da Justiça para tomar as medidas cabíveis em relação aos outros envolvidos”, informa o comunicado da pasta da Segurança.
Sobre o sargento Gabriel de Oliveira, a SSP informou que a Corregedoria da PM apura a conduta dele em razão de suas declarações no vídeo do youtuber. E que também investiga outros policiais que tiveram envolvimento na gravação.
O Comando da Polícia Militar determinou a apuração de todas as movimentações e ocorrências relacionadas ao policial citado na reportagem. As investigações ficarão a cargo da Corregedoria da instituição. A Polícia Militar é uma instituição legalista e não compactua com desvios de conduta de seus agentes. Comprovada qualquer irregularidade, os envolvidos serão responsabilizados nos termos da lei.”
A Secretaria não respondeu, no entanto, os questionamentos que a reportagem fez sobre o fato de ele ter sido promovido de soldado a cabo e depois sargento, mesmo depois de ter se tornado réu no caso do “Massacre de Paraisópolis”.
A SSP também deixou de informar se todos os agentes da PM que são réus no processo voltaram a fazer patrulhamentos. Até dezembro de 2023, a pasta da Segurança tinha informado ao g1 que o grupo de policiais acusados de homicídios e lesões estava afastado das “atividades externas”.
Batalhão de Paraisópolis é mais letal
Batalhões que mais mataram nos últimos 10 anos em São Paulo [não usar]
Arte g1
O batalhão da Polícia Militar responsável pela ação que deixou nove jovens mortos e outros 12 feridos no caso conhecido como “Massacre de Paraisópolis” é o mais letal da cidade de São Paulo, segundo relatório do Centro de Antropologia e Arqueologia Forense (CAAF) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e do Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos (NECDH) da Defensoria Pública.
De acordo com o estudo, ao qual o g1 teve acesso, o 16º Batalhão matou 337 pessoas entre 2013 e 2023. Nenhum dos outros 30 batalhões regulares da capital paulista acumulou tantas “mortes decorrentes de intervenções policiais” (MDIP) como o 16º nos últimos dez anos. Em contrapartida, oito policiais morreram na área do 16° BPM/M em uma década, três em serviço e cinco de folga.
Nesse levantamento não estão incluídas as mortes de 1º de dezembro de 2019 em Paraisópolis porque elas foram consideradas homicídios pela Justiça e não “mortes decorrentes de intervenção policial”.
Por meio de nota, a Secretaria da Segurança Pública informou que tem ocorrido uma redução dos casos de mortes decorrentes de intervenção policial. Ainda segundo a pasta, caso fique comprovada qualquer irregularidade cometida pelo 16º BPM, ela será apurada os policiais serão punidos. Até o momento, de acordo com a SSP, não há comprovação de que o batalhão tenha cometido alguma ação irregular.
Veja quem são os 9 mortos
Jovens mortos em Paraisópolis
Arte/TV Globo
Segundo a Defensoria, as famílias das vítimas já foram indenizadas pelos assassinatos cometidos pelos PMs. Os pagamentos ocorreram em 2021 por determinação do governo de São Paulo após representação do órgão.
Filme sobre 9 mortos em ação da PM em Paraisópolis contesta versão de acidente
Veja quem são as vítimas e como morreram:
Mateus dos Santos Costa, 23 anos, morreu por traumatismo
Gustavo Xavier,14 anos, morreu por asfixia
Marcos Paulo Oliveira, 16 anos, morreu por asfixia
Gabriel Rogério de Moraes, 20 anos, morreu por asfixia
Eduardo Silva, 21 anos, morreu por asfixia
Denys Henrique Quirino, 16 anos, morreu por asfixia
Dennys Guilherme dos Santos, 16 anos, morreu por asfixia
Luara Victoria de Oliveira, 18 anos, morreu por asfixia
Bruno Gabriel dos Santos, 22 anos, morreu por asfixia
Justiça militar
Polícia usa imagem 3D de Paraisópolis para apurar ação de PMs na tragédia do baile funk
Além da Justiça comum, a Justiça militar também apura o envolvimento de policiais militares na ação que deixou nove mortos e 12 feridos em 2019 em Paraisópolis. A Corregedoria da PM apurou a conduta dos 31 policiais militares que participaram da ação em Paraisópolis.
Procurado para comentar o assunto, o Tribunal de Justiça Militar (TJM) informou, por meio de sua assessoria, que o órgão havia pedido mais diligências para a Corregedoria da Polícia Militar. E concluiu que os agentes não causaram as mortes dos frequentadores.
Apesar disso, a Justiça Militar aguarda a conclusão do caso na Justiça comum para poder dar continuidade ao processo dos PMs e tomar uma decisão.