Uso inadequado de substância empregada em harmonização facial apresenta riscos. Danos do PMMA
Quatro anos… mil quatrocentos e sessenta dias desejando algo que pode parecer simples. Mas, para a Mariana Michelini, influenciadora digital, representa muito.
“Estar num ambiente assim, público e principalmente sem máscara, é um sinônimo de vitória para mim, de superação de uma batalha muito árdua vencida.”
Em dezembro de 2020, ela fez uma harmonização facial com uma dentista em uma clínica de estética, na cidade de Matão, em São Paulo.
“Eu achei que ela fosse fazer a parte bucal, tanto que fizemos um clareamento, e partiu dela: ‘Mariana, vamos fazer o preenchimento labial, você não tem queixo, vamos aplicar no queixo. Apliquei na maçã do rosto.'”
Seis meses depois, literalmente da noite pro dia, o susto.
“Eu acordei totalmente com a boca inchada, com o queixo inchado, desesperada. Uma boca muito inchada, parecia que ia explodir a minha boca.”
Mariana achou que a harmonização tinha sido feita com ácido hialurônico, que é muito usado nesse tipo de procedimento para dar mais volume a determinadas áreas do rosto e também suavizar linhas de expressão. Mas, como ela estava sentindo muita dor e inchaço aumentando cada vez mais, ela buscou ajuda médica.
“Cheguei lá falando: doutor, é o ácido hialurônico. Então, a primeira coisa a se fazer é usar uma enzima para degradar essa substância. Ele injetou uma ampola inteira da enzima e nada aconteceu.”
O médico descobriu que o produto injetado foi o polimetilmetacrilato, conhecido como PMMA – uma substância plástica que o corpo humano não absorve.
“Eu entrei em desespero, eu achei que eu fosse morrer.”
“Ele é um produto não absorvível que causa lesões crônicas, inflamatórias, e o pior: leva a lesão para o rim. Esse produto, quando é administrado, independente de quem administre, ele é difícil de ser removido, causando sequelas irreversíveis”, diz José Hiran Gallo – presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM).
A Anvisa só autoriza o uso do produto para médicos e dentistas, em duas situações:
No preenchimento do rosto e do corpo e na correção de deformidades no rosto no pós-tratamento de pessoas que foram infectadas com o vírus HIV.
No final de janeiro, o Conselho Federal de Medicina pediu à Anvisa a proibição da venda e uso do PMMA no Brasil.
“Nós temos produtos que irão substituir o PMMA. Está provado, com os estudos bibliográficos, que ele é nocivo à sociedade, ele tem que ser banido”, diz Gallo.
Mariana passou um ano com dor, tentando reverter a inflamação e o inchaço no rosto.
“Eu comecei a sentir muita dor no meu buço. O PMMA, ele migra. Foi aí que o dermato falou: você precisa remover o produto, não tem mais o que eu posso fazer.”
Mas não bastou remover o produto. A intervenção foi ainda mais grave.
“Foi necessário a remoção da minha boca e do meu buço. Meu mundo desabou. Foi um pesadelo que eu entrei.”
Depois de perder o lábio superior, o buço e parte da região do queixo, Mariana passou a ser acompanhada pelo médico Guilherme Raulino Brasil em Porto Alegre. Ele é cirurgião especialista em reconstrução facial.
O Fantástico acompanhou o tratamento por um ano.
“Essa primeira tentativa de cirurgia de reparo, o objetivo foi fazer essa rotação desse lábio inferior para a parte superior, para ela ganhar dimensão no sorriso. A segunda etapa, a gente fez um retalho da língua para criar esse lábio dela”, diz o cirurgião bucomaxilofacial Guilherme Raulino Brasil.
Repórter: o que te causava mais indignação pela situação que você estava vivendo?
Mariana: “O sentimento de ter sido apunhalada pelas costas. Essa palavra. O sentimento de ter sido enganada. Por que ela fez isso comigo?”
Ela é Damaris Grace de Jesus, dentista que realizou a aplicação de PMMA. A defesa de Damaris informou que o processo aberto pela Mariana contra a dentista está em segredo de justiça e que, por isso, não pode comentar o caso.
“Eu acho que a justiça tem que ser feita”, diz Mariana.
Nesta semana, Eduardo Luiz recebeu a notícia que aguardava há mais de dois anos.
A biomédica Lorena Marcondes de Faria, responsável pela harmonização facial feita com PMMA no rosto do modelo, foi condenada por lesão corporal grave e exercício ilegal da medicina.
“Já tinha notícias de que esse produto realmente era muito perigoso, né? Jamais autorizaria, ia autorizar o uso, ainda mais no rosto. O PMMA acertou minha artéria labial no queixo. Então, o sangue que ia pra boca ficou entupido por esse plástico. Era uma dor que me deixava agressivo, porque você não sabe o que fazer, eu dava soco na parede de dor, chorava 24 horas por dia”, diz Eduardo Luiz Santos.
O modelo passou por cirurgias de remoção do produto e procedimentos estéticos para reconstruir o lábio.
“Tinha situações que eu tinha ponto no céu da boca, ponto na boca, ponto no queixo, ponto atrás da língua, não conseguia nem comer. Foram dois anos de tratamento. Sigo ainda fazendo esse tratamento.”
Somadas, as penas de Lorena passam de cinco anos, em regime semiaberto.
A defesa da biomédica informou que vai recorrer da sentença. E disse ainda que não há prova pericial conclusiva sobre a utilização do PMMA no procedimento realizado em Eduardo.
Mas, um exame de laboratório feito pela vítima em agosto de 2022 atesta que foi encontrado material compatível com reação ao PMMA.
“Muita gente tá mutilada e muita gente tá sem, sem poder trabalhar, sem poder fazer nada por conta de erro de outras pessoas. Mas graças a Deus, depois dessa sentença, eu senti um alívio.”
Sobre o pedido do Conselho Federal de Medicina para banir o uso de PMMA, a Anvisa informou em nota que acrescentou os dados apresentados pelo conselho a um processo de investigação sobre o uso do produto. E disse que os principais problemas relatados até o momento estão relacionados ao uso e aplicação de quantidades que estão em desacordo com a indicação aprovada pela agência, e ao uso de produtos manipulados.
“Hoje a gente tem diversos profissionais que trabalham com harmonização e trabalham muito bem, correto? Só que tem uns que têm que tomar um pouco de cuidado, então vai mais por indicação, busca ali o número do conselho do colega”, diz o médico Raulino.
Em nota enviada ao Fantástico, o Conselho Federal de Odontologia informou que não recomenda que os cirurgiões-dentistas façam uso do PMMA em procedimentos de harmonização orofacial, já que existem produtos mais seguros para o uso.
Os dois fabricantes de PMMA registrados na Anvisa se pronunciaram através do seu advogado.
“O problema não é o produto, o problema é a clandestinidade, o problema são profissionais que não têm qualificação técnica para fazer aquilo. Esses produtos só podem ser vendidos para médicos e dentistas. Se a gente pudesse unir esforços contra a clandestinidade, em prol da informação, a gente teria um resultado prático muito mais benéfico”, diz o advogado Nelson Albino Neto.
“A minha vida parou e agora em 2025 que eu tô querendo retomar minha vida. Eu vim hoje nesse lago depois de quase quatro anos que eu não vinha para cá”, diz Mariana.
Repórter: o que você sente?
Mariana: “Um alívio! Hoje, um alívio, uma esperança. Voltar a viver…”
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