Duas mortes de crianças diagnosticada ou com suspeita da doença ligaram sinal de alerta nos últimos dias. Especialistas esclarecem principais dúvidas. Vírus da dengue é transmitido pela picada da fêmea do mosquito Aedes aegypti
GETTY IMAGES via BBC
Crianças de até 5 anos pertencem ao grupo de risco para dengue. Segundo uma pesquisa da Fiocruz, por exemplo, a letalidade nesse público chega a ser três vezes superior à da faixa etária de 10 a 14 anos.
Nos últimos dias, dois casos de morte de bebês na região de Ribeirão Preto (SP) chamaram a atenção.
Faça parte do canal do g1 Ribeirão e Franca no WhatsApp
Em Pitangueiras (SP), Ravi Andrade Zaparoli, de 7 meses, morreu no fim de maio com dengue. A família acusa médicos de receitarem um remédio à base de corticoide, medicamento contraindicado para tratar a doença.
Já na última quarta-feira (5), Zian José Dias Rodrigues, de 5 meses, morreu com suspeita de dengue em Monte Alto (SP), e os familiares dizem que um médico do pronto-socorro da cidade receitou o anti-inflamatório ibuprofeno, também contraindicado.
Ravi Andrade Zaparoli, de sete meses, morreu com dengue em Pitangueiras, SP
Arquivo pessoal
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil soma mais de 3 milhões de casos confirmados de dengue em 2024. Somente no estado de São Paulo, foram ao menos 1,3 milhão de registros.
Para responder às principais dúvidas sobre a doença em bebês, o g1 conversou com três especialistas:
Marco Aurélio Sáfadi, presidente do Departamento de Infectologia da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP)
Fernando Bellissimo Rodrigues, coordenador do Núcleo de Vigilância Epidemiológica Hospitalar (NIVEH) do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (HC-USP)
Fernanda Tomé, médica pediatra e infectologista do Hospital Unimed em Ribeirão Preto
Nesta matéria, você vai saber:
Por que a letalidade é maior em bebês e crianças de até 5 anos?
O que fazer em caso de suspeita ou diagnóstico de dengue em bebês?
Quando a internação é necessária?
Os medicamentos corticoides são contraindicados em caso de dengue? Eles podem agravar a doença nos bebês?
Quais são os medicamentos contraindicados?
O que causa o agravamento da dengue?
Como prevenir?
Por que a letalidade é maior em bebês e crianças de até 5 anos?
O Dr. Bellissimo explica que não existe na literatura médica um consenso de que a letalidade seja maior em uma faixa etária por fatores biológicos. Assim, a dengue, por ser uma infecção imprevisível, pode ser perigosa e se agravar em qualquer faixa etária.
No caso dos bebês e crianças, como muitas vezes não são capazes de manifestar com clareza os sintomas, ocorrem dificuldades no diagnóstico rápido devido à confusão com outras enfermidades comuns que causam sintomas semelhantes, como viroses respiratórias e infecções intestinais.
O especialista ressalta que a dengue não causa sintomas respiratórios, como coriza, dor de garganta e tosse. Isso pode ser determinante na identificação da infecção de forma mais ágil pelos pais.
Também é necessário observar as manchas pelo corpo, que indicam sinais de evolução para a gravidade.
LEIA TAMBÉM
Pais de bebê morto com dengue acusam médicos de receitar remédio contraindicado, em Pitangueiras
Casos de dengue em Ribeirão Preto, SP, passam dos 20 mil, apontam dados da Saúde
Quatorze vezes menos casos e o dobro de mortes: por que dengue em Franca preocupa mais do que em Ribeirão Preto
O que fazer em caso de suspeita ou diagnóstico de dengue em bebês?
O procedimento é o mesmo em qualquer faixa etária. Na grande maioria dos casos, a infecção vai embora espontaneamente e o paciente é tratado em casa. Não existe medicação específica para o tratamento da doença, apenas tratamento sintomático, que atua nas dores, vômitos e febre.
Segundo o especialista da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), a hidratação é um dos pontos mais importantes para que a infecção não evolua para um caso grave. “Ela é fundamental e é o que diminui risco de morte e complicações, particularmente nos casos de dengue grave”, explica.
Os especialistas dizem que em casos de suspeita de dengue, a indicação é sempre se dirigir ao pronto atendimento para receber a avaliação correta do quadro e os cuidados necessários. O Dr. Bellissimo explica que não é possível saber de imediato quais casos irão se agravar, por isso o cuidado é importante desde o início.
Voltar ao início
Quando a internação é necessária?
A internação pela doença é necessária quando ocorrem os chamados sinais de alerta. A presença de vômitos persistentes, dor abdominal intensa, tontura, fadiga, irritabilidade, sangramentos e desmaios.
Para determinar a gravidade, é necessário realizar exames físicos e laborais, como o hemograma e avaliação de pressão arterial, que somente o médico está apto a realizar. É a partir desse conjunto de fatores que o caso será classificado em leve, grave ou urgente.
Também é necessária atenção aos grupos de risco. Bebês de até 2 anos são pacientes de atenção ao lado de gestantes, lactantes, idosos e outros problemas de saúde.
“Com bebês de até dois anos a gente faz a avaliação inicial e é preciso fazer exames e determinar a indicação de internação. Se não há sinais físicos e ele está alerta, conseguindo fazer hidratação via oral, é a situação que o bebê pode ir para a casa”, explica a Dra. Fernanda Tomé.
Larvas do mosquito Aedes aegypti, transmissor da dengue[
Reprodução/EPTV
Os medicamentos corticoides são contraindicados em caso de dengue? Eles podem agravar a doença nos bebês?
Os médicos explicam que os medicamentos conhecidos como corticoides, como a prednisona, receitada pelos médicos para o bebê Ravi em Pitangueiras, não é uma medicação indicada para o tratamento da dengue.
No entanto, a medicação não é conhecida por agravar a doença e é indicada para muitas outras enfermidades em bebês e crianças.
“Não é uma medicação que ajude para a dengue, mas é difícil determinar que vai piorar o curso da doença. Não existe resposta clara. Essa correlação não necessariamente procede”, explica o Dr. Sáfadi.
A Dra. Fernanda Tomé explica que outros fatores são mais determinantes para o agravamento da infecção, como deixar de realizar os cuidados necessários de hidratação oral ou pela veia e identificação de sinais de alerta nos pacientes em grupos de risco logo no início dos sintomas.
Voltar ao início
Quais são os medicamentos contraindicados?
A classe de medicamentos que mais oferecem perigo a pacientes com dengue são os chamados anti-inflamatórios não esteroidais, que podem causar ou agravar a hemorragia, como o nimesulida, ibuprofeno, diclofenaco, piroxicam, naproxeno, sulfinpirazona, fenilbutazona e sulindac.
Essas medicações podem ser compradas na farmácia sem receita médica, por isso os médicos recomendam muita cautela no uso, especialmente em crianças. A automedicação nunca é indicada.
Para febre e dor, os únicos medicamentos que podem amenizar os sintomas da doença sem causar problemas são a dipirona e o paracetamol.
“Infelizmente, não temos nenhum antiviral e nem medicamento para a dengue, vários já foram testados, mas nenhum deles mostrou-se útil para a melhoria da infecção. A dengue sendo uma doença em que a ação terapêutica mais importante é a hidratação”, explica Sáfadi.
Por que dengue causa cansaço extremo? Especialista explica
O que causa o agravamento da dengue?
O agravamento pode acontecer por fatores internos e externos. Um deles é a intensidade de infestação do mosquito. Quanto mais aedes aegypt circulam, maior a probabilidade de ocorrência de casos graves. Isso porque a reinfecção com outro tipo de vírus é um fator importante para o a piora do quadro.
Existem 4 tipos de vírus da dengue conhecidos que circulam no Brasil. O Dr. Fernando explica que, quando a reinfeção ocorre pelo mesmo tipo, dificilmente a doença é contraída novamente. O problema o contato é feito com outro sorotipo.
Ou seja, uma mesma pessoa pode pegar dengue até 4 vezes antes de se tornar imune à doença, sendo que cada uma dessas infecções pode ser mais grave do que a anterior.
Um outro fator é a imunização geral da população. Se a maior parte da população é imune a um tipo de vírus, a chance de uma epidemia é menor, diminuindo também a chance de quadros graves.
No entanto, se um novo sorotipo é introduzido, é um sinal de epidemia com possível maior incidência de casos graves.
A desidratação e o diagnóstico tardio, além de fatores genéticos também contribuem para o agravamento da dengue.
Mutirão contra a dengue em Ribeirão Preto, SP, recolhe pneus velhos
Divulgação/Prefeitura de Ribeirão Preto
Voltar ao início
Como prevenir?
A vacinação para a dengue já foi introduzida no Brasil no início desse ano para jovens entre 10 e 14 anos, sendo uma importante aliada no combate à infecção.
No entanto, os especialistas alertam que a principal forma de controle contra a doença ainda é o controle do mosquito. Por isso, é muito importante seguir a recomendação de não deixar água parada em garrafas, vasos de plantas, pneus, piscinas e calhas.
O uso de telas, repelentes e mosquiteiros nos berços e cômodos também ajudam a impedir o contato do bebê com o Aedes aegypti.
Vacina contra a dengue em Ribeirão Preto (SP)
Luciano Tolentino/EPTV
Veja mais notícias da região no g1 Ribeirão Preto e Franca
VÍDEOS: Tudo sobre Ribeirão Preto e região